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Disseminação do coronavírus por assintomáticos é "muito rara"? Entenda

Giulia Granchi

Do VivaBem, em São Paulo

09/06/2020 10h37

Ontem (8), Maria Van Kerkhove, chefe da unidade de doenças emergentes da OMS (Organização Mundial da Saúde), disse que é "pouco provável que pacientes assintomáticos do novo coronavírus estejam impulsionando a disseminação da covid-19", de acordo com os dados da instituição. Tal disseminação seria "muita rara", nas palavras de Kerkhove.

A fala rodou o mundo e virou manchete em veículos de imprensa do planeta todo. Mas ao que parece, e de acordo com especialistas, como o biólogo Átila Iamarino, a chefe da OMS pode ter sido mal interpretada.

"Maria Van Kerkhove falou assintomáticos. Não deixou claro se isso também inclui pré-sintomáticos, quem não tem sintoma agora, mas vai ter depois. Esses desenvolvem grandes quantidades de vírus e podem transmitir, como vários estudos mostram", afirmou Iamarino, que é doutor em microbiologia pela USP (Universidade de São Paulo), em seu Twitter.

Natália Pasternak, microbiologista e pesquisadora do Instituto Ciências Biomédicas da USP, também explicou, na rede social, que o comentário de Kerkhove foi descontextualizado.

Pré-sintomáticos x assintomáticos

A linha de definição para os diferentes estágios da doença é tênue e, por isso, a confusão acontece facilmente.

  • Pré-sintomático refere-se ao estágio inicial de uma doença, antes que os sintomas se desenvolvam de fato
  • Assintomático pode se referir a não ter nenhum sintoma (nem mesmo os mais leves) durante o curso todo de uma infecção

Ao que os estudos indicam, os pacientes assintomáticos espalham menos o vírus, já os pré-sintomáticos podem contaminar mais pessoas porque possivelmente têm mais carga viral no organismo.

Um estudo feito em abril descobriu que o período de contaminação pode começar de dois a três dias antes do aparecimento dos sintomas, ou seja, mesmo ainda sem nenhum sintoma a pessoa pode espalhar a doença e daí chegar a ter sintomas poucos dias depois.

Além disso, os CDCs (Centros de Controle e Prevenção de Doenças nos EUA) estimam que 40% da transmissão do coronavírus ocorre antes que as pessoas se sintam doentes.

O documento publicado pela OMS e compartilhado por Kerkhove aponta que, embora a maioria dos estudos incluídos na revisão tenha limitações importantes —como não definir adequadamente quais sintomas eles estavam investigando—, os relatos sugerem que indivíduos infectados assintomáticos são muito menos propensos a transmitir o vírus do que aqueles que desenvolvem sintomas.

"Entre 63 indivíduos infectados assintomáticos estudados na China, houve evidência de que 9 (14%) infectaram outra pessoa. Além disso, entre dois estudos que investigaram cuidadosamente transmissão secundária de casos para contatos, não foi encontrado transmissão secundária entre 91 contatos de 9 pacientes assintomáticos enquanto o outro relatou que 6,4% dos casos eram atribuíveis à transmissão pré-sintomática. No entanto, os dados disponíveis provêm de um número limitado de estudos com pequenas amostras sujeitas a possível viés", diz o documento.

Em países como o Brasil, onde não há testes suficientes para toda a população e os exames são geralmente oferecidos a quem apresenta os sintomas, seria difícil chegar a uma conclusão sobre o contágio por quem não teve sinais da doença, ou seja, os assintomáticos.

Além disso, há ainda o grupo de pessoas que desenvolve sintomas atípicos da covid-19, podendo pensar que não estão infectadas pelo novo coronavírus e contaminando outros.

Diferenciação é extremamente difícil

Como não apresentam sintomas, para achar os "assintomáticos puros", seria necessário testar a população em massa, aleatoriamente.

"E se quisermos saber se essas pessoas realmente não transmitem o vírus, não bastaria testá-las. Seria necessário acompanhá-las e refazer o teste periodicamente para ter certeza de que não desenvolveram sintomas após alguns dias", aponta a microbiologista Natália Pasternak.

Além disso, a pesquisadora explica o tipo do exame deve ser considerado. "O teste molecular RT-PCR, que é o melhor que temos atualmente, detecta o RNA do vírus, mas não diz se está ativo ou não. Pode ser que ele esteja inativado, cheio de anticorpos em volta, e aí a pessoa não estaria transmitindo".

Outro ponto é a subjetividade dos sintomas. "Em um estudo como esse, você precisa confiar no que essa pessoa falou ou acompanhá-la todos os dias para checar se ela não teve tosse fraca ou coriza, por exemplo. Nem todos têm sinais fortes. Há quem não perceba, mas os sintomas podem estar lá", afirma Pasternak.

Por fim, o estudo teria que checar, retroativamente, todas as pessoas com quem o paciente possivelmente assintomático teve contato para concluir se houve contágio. "É uma análise complexa e justamente por isso há pouquíssimos dados disponíveis", completa a pesquisadora.

Cuidados devem continuar os mesmos

Portanto, ainda não há motivos para relaxar na prevenção contra o vírus e se aproximar despreocupadamente de pessoas que ainda não tem os sintomas —elas podem, sim, desenvolvê-los mais tarde e estar transmitindo o vírus. Não dá para saber.

Os cuidados de higiene, distanciamento social e o uso de máscara ao sair de casa, conforme recomendam os especialistas, devem continuar normalmente.

"A máscara de pano pode diminuir a disseminação do vírus por pessoas assintomáticas ou pré-sintomáticas que podem estar transmitindo o vírus sem saber", afirma a a SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia), em nota.