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Jovem descobre que tem síndrome de Down aos 22 anos: "Aceitei numa boa"

Bárbara Therrie

Colaboração para VivaBem

24/05/2020 04h00

Com atrasos no desenvolvimento cognitivo e dificuldades de aprendizagem, o assistente de produção, Jamesson Bueno França, 29, foi tratado boa parte da vida por médicos e psicólogos como um paciente com atraso mental. Sem diagnóstico fechado, ele fez quatro exames para saber se tinha síndrome de Down —um quando bebê e outros três já adulto. Para surpresa de todos, o último deu positivo, e ele descobriu aos 22 anos que tem síndrome de Down. Nesses seis anos de descoberta, ele escreveu um livro sobre a condição e namora uma moça com o mesmo diagnóstico.

"Minha mãe, a Val, conta que a gravidez foi tranquila, que os ultrassons nunca constataram nenhum problema de saúde, os médicos diziam que estava tudo bem. Nasci no dia 30 de agosto de 1990. Minha mãe diz que, aos três meses, eu parei de mamar no peito dela porque não tinha muita força para sugar. Ela notou que demorei para firmar o tronco e o pescoço, e tinha o corpo muito mole.

Apesar de não ter nenhuma característica ou traço físico evidente, o pediatra suspeitou que, por causa desses sinais, eu tivesse síndrome de Down. Fiz o primeiro cariótipo com oito meses, mas o resultado deu negativo.

Ela sempre desconfiou que eu tivesse algum problema e comparou o meu desenvolvimento ao de um primo próximo. Ele andou primeiro do que eu, ele com 11 meses, e eu com 1 ano e oito meses.

Minha mãe notou que eu tinha dificuldade de aprendizagem quando entrei na escolinha aos sete anos. Na leitura e na escrita até que eu ia bem, mas em exatas, meu desempenho era muito ruim. Até hoje tenho dificuldades para fazer contas simples de matemática.

Ela procurou vários médicos na tentativa de entender por que eu não me desenvolvia como as outras crianças. Eles diziam que eu tinha um atraso mental, mas não conseguiam fechar um diagnóstico.

Era avaliado por um conselho de professores para não reprovar

Na primeira escola em que estudei, fui para a classe especial. As professoram notaram que meu desempenho foi um pouco melhor do que o dos meus colegas. Elas sugeriram de eu fazer um teste e ir para a classe comum. Fui, fiquei da primeira à quarta série, não aprendi tanto quanto os outros alunos, mas consegui evoluir dentro do possível.

Como comia muito devagar, todos os dias, 15 minutos antes de o intervalo começar, a diretora me levava para a sala dela para comer e depois me deixava no recreio com os outros alunos.

Não tinha muitos amigos próximos, mas todos me tratavam bem, nunca sofri bullying.

Na quarta série, precisei fazer fonoaudiologia por recomendação do pediatra porque falava muito rápido e as pessoas não conseguiam entender.

Na quinta série, troquei de escola e continuei estudando em classe comum, mas tive muitas dificuldades e reprovei. Para não reprovar todo ano, passei a ser avaliado por um conselho. Os professores se reuniam e avaliavam o meu desempenho como um todo e não apenas as notas que tirava em provas e trabalhos.

No ensino médio, uma professora de química achou que eu não aprendia por preguiça, que não me esforçava o suficiente. Ela chamava minha atenção para estudar. Isso me incomodava porque não conseguia entender a disciplina e mesmo assim ela insistia. Ficava chateado e não tinha vontade de ir à escola.

Em casa, era muito dependente da minha mãe e tinha dificuldade para fazer coisas básicas, como amarrar o cadarço e colocar a roupa do lado certo. Ela me levava à terapeuta para fazer testes psicológicos. A psicóloga trabalhava questões envolvendo minha autoestima e autonomia.

Fazia natação, judô e teatro para me socializar e ser mais independente, mas quando cresci, minha insegurança aumentou. Tinha medo de atravessar a rua e de sair de casa sozinho.

Imagem: Arquivo pessoal

Minha mãe sempre tentou descobrir o que eu tinha, ela sabia que havia algo de diferente em mim. Em 2013, ela ficou sabendo que os convênios passaram a cobrir alguns exames genéticos. Procurou uma geneticista, ela fez um exame clínico aprofundado e notou alguns traços bem leves de síndrome de Down.

Minha mãe disse que eu já tinha feito o exame quando bebê, mas a médica explicou que a medicina havia evoluído muito em 20 anos e pediu três novos exames. Os dois primeiros deram negativo e o terceiro confirmou o diagnóstico, do tipo translocação.

Descobri que tenho síndrome de Down aos 22 anos de idade. Aceitei numa boa, nunca me revoltei ou vi como algo ruim.

A notícia pegou toda a família de surpresa. A médica não indicou nenhum tratamento, apenas pediu para fazer um acompanhamento clínico periodicamente.

Escrevi um livro e namoro a Jaque, que também tem síndrome de Down

A partir do diagnóstico, me interessei mais por esse mundo e escrevi o livro infanto-juvenil "Sobrevivendo à Escuridão". O livro conta a história de quatro amigos, dois com Down e dois sem, que passam por várias aventuras juntos. A mensagem do livro é chamar atenção para a inclusão social das pessoas com a síndrome na sociedade.

Nesse processo, encontrei a Associação Reviver Down e passei a participar de palestras e a ter mais contato com pessoas com a síndrome. Em 2018, a associação promoveu uma balada Down para os adolescentes. Não fui, mas minha mãe foi e conheceu a Jaqueline, minha atual namorada. Ela também tem síndrome de Down.

Uma colega comentou com a Jaque que tinha uma pessoa legal para apresentá-la, que gostava de ler e escrever como ela, mas ela foi categórica em dizer que não queria namorar.

Eu e a Jaque nos conhecemos na segunda balada. Nós conversamos de mãos dadas, dançamos e nos tornamos amigos. Alguns meses depois, a levei ao cinema e a pedi em namoro. Nosso namoro é como de qualquer outro casal. Quando estamos juntos, vamos ao shopping, cinema, restaurantes e balada.

Imagem: Arquivo pessoal

Com o diagnóstico da síndrome de Down, minha vida só melhorou. Amadureci bastante e hoje sou uma pessoa mais segura. Estudei inglês, morei dois anos com minha mãe, meu padrasto e minha irmã em Londres. Em 2018, consegui meu primeiro emprego em uma multinacional, trabalho no setor de almoxarifado.

Estou com 29 anos e hoje tenho um entendimento melhor do meu eu, das minhas limitações e dos meus pontos fortes. O diagnóstico era uma resposta que faltava na minha vida.

Meu sonho é lançar meu livro para que a minha mensagem chegue a mais gente, para que tenhamos uma sociedade que acolha melhor as pessoas com Down, com mais respeito e menos preconceito".

A pedido de VivaBem, Gisele Oliveira, geneticista clínica e especialista em genética médica, respondeu quatro questões sobre a condição:

O que é a síndrome de Down?

A síndrome de Down é uma condição genética causada pela presença extra de um cromossomo 21. A espécie humana possui 46 cromossomos: 46, XY para o sexo masculino e 46, XX para o sexo feminino. Desses 46 cromossomos, todos estão aos pares, numerados do número 1 ao número 22 (cromossomos autossomos) e um par de cromossomos sexuais.

Cada par representa um cromossomo herdado da mãe e outro do pai. Quando ocorre um erro na divisão celular nos gametas (óvulo e espermatozoide) ou no zigoto (o que irá formar o embrião), ao invés de 1 par de cromossomos 21, existem 3 cromossomos, um trio.

Existem etiologias diferentes para a síndrome de Down. Ela pode ser causada por trissomia livre, onde existem 3 cromossomos 21 separados dentro do núcleo celular (a maioria dos casos); por isocromossomo ou cromossomo em anel, onde braços longos de 2 cromossomos 21 se unem; e translocação robertsoniana (em cerca de 2 a 4% dos casos), quando o braço longo do cromossomo 21 é unido a um outro cromossomo, mais comumente o cromossomo 14.

Durante o momento da fertilização, pode acontecer um erro, causando o mosaicismo, que é a existência de duas linhagens celulares diferentes em um mesmo indivíduo. As etiologias não diferem no quadro clínico, as características são as mesmas.

Quais as características da síndrome?

Pode ocorrer baixa estatura, rosto arredondado, cabelos finos e ralos, hipertelorismo (olhos mais separados), pregas epicânticas (no canto interno do olho), fendas palpebrais oblíquas para cima, flacidez da musculatura facial com protrusão lingual (a língua é constantemente colocada para fora da boca), prega palmar única (uma única linha que corre pela palma da mão), encurtamento da falange média do quinto dedo, hérnia umbilical, entre outros.

Existe uma maior probabilidade de acontecer atraso no desenvolvimento neuropsicomotor ou até mesmo deficiência intelectual, atraso de fala e hipotonia (diminuição do tônus muscular e da força). Alguns pacientes podem apresentar cardiopatias de leves a complexas. Outros podem ter convulsões e até mesmo quadros compreendidos dentro do transtorno do espectro autista.

Alguns pacientes podem ter os traços típicos e outros não, pois as características físicas dependem muito da bagagem genética familiar, que é peculiar de cada indivíduo.

Como é feito o diagnóstico?

O diagnóstico da síndrome de Down é feito por meio de um exame chamado cariótipo, realizado em linfócitos (células brancas do sangue), que serve para verificar a quantidade e a qualidade dos cromossomos. Pelo cariótipo é possível, ainda, diferenciar entre trissomia, translocação e mosaicismo.

O cariótipo pode dar negativo porque pode haver mosaicismo e somente uma linhagem celular crescer durante a fase de cultura (o motivo pelo qual isso acontece é peculiar de cada linhagem celular).

Comumente, o cariótipo é feito em sangue periférico (o sangue que circula pelo organismo) e ele pode ser negativo porque a linhagem celular com o cromossomo 21 pode não estar presente no sangue, mas na pele.

Quando necessário, na presença de um quadro clínico fortemente positivo e um resultado negativo do cariótipo, algumas outras técnicas podem ser utilizadas para o diagnóstico.

Existem ainda outros exames, como a pesquisa de regiões do cromossomo 21 por meio de reação da enzima polimerase (PCR), que se trata de uma técnica usada para fazer milhares de cópias de uma única porção de DNA. Qualquer dificuldade técnica, desde a extração do DNA até a falta de polimerização, pode causar um resultado negativo.

Há também a pesquisa de microarranjos (CGH/SNP-array), que analisa todo o conjunto de material genético de um indivíduo num único experimento sem a necessidade de cultura de células. Todas as alterações identificadas são pesquisadas em bancos de dados internacionais que catalogam dados como a localização de genes e sua função. Muitas das alterações representam variações de número de cópias sem significado clínico ou de significado clínico desconhecido. Qualquer dificuldade técnica pode causar um resultado negativo.

Sendo assim, é possível um paciente ter síndrome de Down, fazer mais de um teste genético e dar negativo.

Quais os tratamentos?

Por ser uma alteração cromossômica numérica, o diagnóstico pode ser feito em qualquer momento, a partir da concepção.

Não há tratamento específico, somente sintomático, que irá depender do quadro clínico. Alguns pacientes precisam de terapia ocupacional para melhorar a coordenação; fonoterapia para aprimorar a fala; fisioterapia para auxiliar o tônus/força muscular; e até equoterapia para ajudar no equilíbrio.

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