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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Abuso psicológico afeta tanto saúde mental quanto física: como identificar

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Imagem: iStock

Sibele Oliveira

Colaboração para o VivaBem

17/04/2020 04h00

Resumo da notícia

  • A violência psicológica traz consequências para a saúde mental e física
  • Ela pode causar problemas como depressão, ansiedade e até pensamentos suicidas
  • Também afeta o corpo provocando alterações no sono, distúrbios alimentares, abuso de álcool e outras substâncias
  • Para se curar dos males causados por uma violência psicológica, o primeiro passo é ter a consciência de que ela está ocorrendo
  • Na maioria das vezes é preciso procurar de profissionais da saúde. Ignorar o sofrimento tende a agravá-lo

Os abusos psicológicos fazem parte de rodas de conversa, são discutidos na mídia, em escolas e universidades, entre parentes e amigos. Muita gente conhece o mecanismo desse tipo de violência que prende tantas pessoas ao sofrimento e até aponta maneiras de como sair da situação. Mas pouco se fala sobre uma questão igualmente importante: os danos causados à saúde emocional e física.

E não são poucos. "A princípio, o que ocorre é uma reação estressada, ansiosa e de culpa em relação ao agressor. No entanto, com o passar do tempo, a pessoa pode desenvolver ansiedade com outros relacionamentos, retraimento social, baixa-autoestima e, consequentemente, depressão", resume Maycoln Teodoro, professor de psicologia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e membro da diretoria da SBP (Sociedade Brasileira de Psicologia).

O abuso emocional acontece dentro de relacionamentos familiares, profissionais e sociais, onde existe o objetivo de causar sofrimento a uma das partes. Críticas maldosas, acusações, xingamentos, ofensas, desprezo, ironia, ameaças veladas, silêncio como forma de punição, controle de todos os passos da vítima, frases ditas com o propósito de confundir e outros comportamentos são repetidos pelo abusador ao longo do tempo. Isso faz com que a pessoa abusada perca o equilíbrio necessário para se ter uma vida plena.

Mas ao contrário das doenças físicas que provocam sintomas fáceis de reconhecer, os sinais da violência psicológica são mais difíceis de interpretar. Segundo Luiz Cuschnir, psiquiatra e coordenador do Grupo de Gêneros do Ipq-FMUSP (Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), quem sofre abusos psicológicos geralmente se sente infeliz, mesmo que aparentemente tenha a vida que deseja, e costuma ficar triste sem saber o motivo.

A pessoa também pode apresentar sintomas característicos da depressão como vontade de chorar, anedonia (perda da capacidade de sentir prazer ou de se divertir), além de ansiedade, medo e desinteresse por tudo. Esse conjunto de sensações faz com que a vida perca o brilho. "Há um empobrecimento das vivências que correspondem a suas habilidades e capacidades, diminuindo o seu potencial vital. Sentimentos ou pensamentos de desvalia e de desamor, sem empatia, sem ressonância amorosa", completa o especialista.

O estresse e a ansiedade que a vítima sente são tão fortes que a fazem viver num estado de alerta permanente, gerado pelo medo de contrariar ou decepcionar o abusador. "Este tipo de relacionamento faz com que o abusado se sinta incapaz, amedrontado, com baixa autoestima e paralisado no relacionamento", afirma Teodoro. A violência psicológica pode ser tão dolorosa quanto a física ou a sexual.

Além da saúde mental, a física também sofre consequências diretas ou indiretas. "Por exemplo, a privação, baixa qualidade e excesso do sono propiciam efeitos hormonais que afetam vários sistemas. Além de problemas alimentares, dependências e abusos de substâncias e de álcool, disfunções gastrointestinais, afecções dermatológicas, problemas ortopédicos e posturais, etc.", cita Cuschnir.

Muita gente acredita que os abusos psicológicos são praticados apenas por psicopatas ou narcisistas perversos. Mas não são. É verdade que alguns transtornos podem potencializar esse comportamento, porém qualquer pessoa pode agir assim, por variados motivos. "Por exemplo, o racismo e o machismo possuem um papel importante neste tipo de abuso, pois criam um imaginário no qual uma pessoal se sente com direito de retirar a voz do outro por se julgar superior", analisa Teodoro.

Por que faz tanto mal?

O abuso psicológico faz um estrago na vida de quem o sofre. E a tarefa de curar as feridas que ele deixa é difícil porque muitas pessoas sequer percebem que estão sendo vítimas de uma violência. "Ele é o mais difícil de ser identificado por ser mais sutil. No entanto, existem pesquisas mostrando que ele é preditor do abuso físico, de sofrimento mental, e produz um estado de sofrimento que confunde a vítima", diz Teodoro. Isso faz com que a pessoa não consiga sair da relação abusiva por achar que o agressor age daquela maneira por querer seu bem.

Em outros casos, ela acha que não está fazendo o suficiente pelo relacionamento. "A confusão entre cuidar, atender ou servir o outro faz a pessoa sentir-se forçada a atos ou funções que ultrapassam a possibilidade de escolha. Isso gera uma humilhação consciente ou camuflada por outros conceitos psicológicos que distorcem a percepção do que está ocorrendo", diferencia Cuschnir. E mesmo quando a vítima tem a consciência do que está acontecendo, é comum ela se submeter às regras do agressor, muitas vezes por dependência financeira, medo do abandono e de maus tratos ou de ter sua intimidade exposta.

À medida que comportamentos como hostilidade, frieza emocional, intimidações, humilhações em público vão sendo repetidos, as vítimas acabam aceitando tudo isso como se fosse algo natural, parte da rotina. Elas se acostumam a ser manipuladas (consciente ou inconscientemente), ter suas opiniões ignoradas, ser impedidas de sair de casa ou de encontrar amigos e familiares. Esse sofrimento vai minando a saúde dia após dia.

Não espere melhorar sozinho

Em primeiro lugar, é importante entender o tamanho e o impacto do abuso psicológico. Quando o sofrimento é muito pesado e a pessoa não tem recursos internos para se livrar dele, é o momento de buscar ajuda. Além de um psicólogo ou psiquiatra, pode ser necessário procurar um assistente social e um advogado. Os especialistas ajudam a vítima a perceber o abuso com mais nitidez. E essa consciência é fundamental para a cura, pois só é possível tratar as consequências da violência psicológica quando ela cessa.

Algumas pessoas conseguem ter essa consciência sozinhas, o que as ajuda a por um ponto final no abuso. Outras acreditam ser capazes de enfrentá-lo, mudando a si próprias ou levando o abusador a enxergar o que ele está fazendo. "O abuso psicológico tem dois lados envolvidos: a própria pessoa e quem está construindo com ela essa situação. Agir sobre isso e modificar chegando a uma 'recuperação' pode ocorrer quando pelo menos um muda", salienta Cuschnir. Uma mudança difícil, mas possível em alguns casos.

Essa é uma decisão que deve ser tomada com cuidado, pois querer mudar uma relação abusiva pode ter o efeito contrário. Ao imaginar que consegue mudar uma situação que tomou de si de maneira tão avassaladora, a pessoa pode provocar atitudes que impedem a mudança. "Mecanismos psicológicos de defesa criam artefatos para que os movimentos de mudanças não deem certo", explica o psiquiatra.

Embora algumas pessoas tenham consciência do abuso psicológico, o mais comum é a vítima acreditar que o abusador age daquela maneira por amor ou por querer o seu sucesso. "Como o padrão persiste no tempo, o abusado acaba aprendendo que sempre fará tudo errado e nunca conseguirá agradar o outro, causando a baixa autoestima. A consequência é uma dificuldade em tomar decisões e cumpri-las, como sair do relacionamento abusivo", observa Teodoro.

Tente se proteger

O que define o estado emocional da vítima não é a duração do abuso nem o grau de maldade ao qual ela foi exposta, até porque algumas pessoas são mais resilientes e sofrem menos o impacto desse tipo de violência. As mais sensíveis, além da deterioração da saúde mental, podem até ter ideação suicida. Portanto, quando houver medo e ansiedade constantes sempre que o outro estiver por perto, é bom abrir os olhos. O caminho para voltar a se sentir bem é procurar a ajuda de amigos e familiares e profissionais, pois eles ajudam a cortar o mal pela raiz.

Nunca se deve aceitar o sofrimento. "Se há um pacto na situação que tudo que é afetado com ela nutre ambos, as consequências permanecerão, sejam psicológicas, físicas, familiares, sociais, profissionais e espirituais. O propósito da vida de cada um pode ser 'maquiado' por uma pseudotolerância e ir contra o sentido que cada um dá para o valor da sua existência", conclui o psiquiatra. Para não prolongar esse sofrimento, vale colocar em prática algumas dicas:

  • Reavalie a própria vida;
  • Observe se os abusos se repetem, mesmo que seja em situações diferentes;
  • Busque o autoconhecimento;
  • Ouça o que os amigos e familiares têm a dizer;
  • Procure a ajuda de profissionais da saúde.