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"Nada vai acontecer comigo": por que a ilusão de controle é tão perigosa

"Até parece que eu vou pegar esse vírus", pensa a pessoa que tem ilusão de controle - Robin Higgins / Pixabay
"Até parece que eu vou pegar esse vírus", pensa a pessoa que tem ilusão de controle Imagem: Robin Higgins / Pixabay

Diego Garcia

Colaboração para o VivaBem

14/04/2020 04h00

Estamos vivendo um momento inédito nesta geração que é uma pandemia que tem obrigado cidades do mundo inteiro a ficarem em quarentena. Médicos, pesquisadores, cientistas e governantes orientam o isolamento para contenção do contágio do vírus e diminuição do caos no serviço público de saúde e bem-estar da população. No começo as pessoas aceitam, se isolam, mas com o passar do tempo algumas começam a sair de vez em quando para ir ao mercado, percebem que ninguém em sua casa pegou o vírus e acreditam então que podem burlar essa orientação. A essa ação de achar que não estamos em perigo em uma situação porque "não aconteceu nada até agora", ou seja, de que é possível controlar o incontrolável, é chamada de ilusão de controle.

Segundo Tiago Ravanello, psicólogo e professor do curso de psicologia da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), a ilusão de controle ocorre quando assumimos que "isso só acontece com os outros", que "não precisamos nos preocupar com o que todos se preocupam", e que as leis e as consequências possivelmente nocivas de sua transgressão "não nos atingem", como se pudéssemos controlar através de nossas falas e nossas narrativas os efeitos da realidade. E quando se faz isso, ao mesmo tempo em que afirmamos a nossa força e poder, também corremos o sério risco de ter de enfrentar os limites dessa ilusão, tais como o conflito com a lei, as doenças que poderiam ser evitadas ou o desencontro com o outro que não foi convencido pela história contada.

Alfredo Toscano, psiquiatra e professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo define a ilusão de controle como uma falha de avaliação que leva a pessoa a superestimar os seus próprios atos e que "não está relacionada a disfunção em alguma área do cérebro, lesão nem a alteração da neurotransmissão cerebral, mas a um viés cognitivo, uma crença que a faz colocar a sua capacidade muito acima de seu desempenho".

Keitiline Viacava, neurocientista e doutora em psicologia, explica que entre as possibilidades em estudos para explicar o fenômeno, pode estar na frequência de coincidências entre a ação realizada e o resultado vivenciado. Por exemplo, uma pessoa pratica o isolamento social para se proteger da pandemia. Considere que todas as vezes que sai de casa, seja para ir ao supermercado ou ao trabalho, essa pessoa retorna se sentindo bem. "Eventualmente, pela frequência na coincidência entre a ação de sair de casa e o resultado percebido (ainda que não garantido) de não estar contaminado, a ilusão de controle pode emergir", complementa Viacava. Esse fenômeno foi observado e publicado em 2011, em um estudo realizado no Departamento de Psicologia da Universidade de Deusto, na Espanha.

Quais os problemas desse tipo de ilusão?

Segundo Toscano, pessoas com ilusão de controle podem ter diversos prejuízos na vida, como por exemplo sofrer um acidente por tentar dirigir um carro sem saber, dar uma aula ou palestra sem conhecer o assunto, aplicar mal o seu dinheiro, planejar mal as suas despesas ou até de contrair uma doença infecciosa por se equivocar ao acreditar que conhece as medidas apropriadas à sua proteção, colocando em risco a sua saúde e a de outras pessoas.

Já Ravanello acredita que até laços de amizade podem acabar por conta da ilusão de controle. "Não é incomum que relações sejam desfeitas apenas com o intuito de não sermos contraditos naquilo que acreditamos. Ora, a afirmação de uma verdade não precisa se dar pela exclusão de outras formas de visão ou experiência de mundo", declara.

Ele orienta que devemos levar em consideração o risco de que ter uma visão única, ou seja, um indivíduo ter uma verdade e os outros concordarem com essa verdade, resultará em uma parcialidade que limitará experiências para todos, formando uma "bolha de iguais". Pode ainda, em um sentido mais extremo, a pessoa ficar solitária ou ter um sentimento crescente de ser hostilizada pelo mundo.

Não se deixe enganar

Todos estamos sujeitos à ilusão de controle, ainda que crianças, adolescentes e idosos sejam os mais vulneráveis. "Por ser classificada como um viés cognitivo, a ilusão de controle ocorre de maneira automática, quase sem querer, sem que nos demos conta", pontua Viacava.

Para Toscano, o comportamento está ligado a imaturidade e pode acontecer, conforme disse Viacava, em várias fases da vida, como na fase infantil por causa do pensamento mágico da criança de que ela controla o que se passa ao seu redor (mas não se espera este funcionamento em um adulto), em adolescentes, que se sentem capazes de realizarem tudo que querem, menosprezando riscos, em maior ou menor grau, dependendo do adolescente, o que pode ser agravado pelo uso de álcool e outras drogas pela sensação de poder que acarretam ou ainda deficientes intelectuais que são acometidos por ilusão de controle em decorrência de imaturidade.

Por sua vez, Ravanello analisa que a ilusão de poder pode ter muitas faces e cada grupo social cria suas próprias formas de ilusão: em grupos ou sociedades machistas, que tendem a concentrar o poder de imposição da verdade pela força, há uma maior tendência à ilusão de controle ser assumida por homens. Em grupos sociais que superestimam o capital, vemos uma maior tendência por parte daqueles que estão em ascensão econômica. Nas universidades e instituições de ensino, não raramente essa maior incidência se dá com professores.

Consequências

Não é fácil a identificação deste comportamento por quem se ilude. Embora a pessoa venha a ter muitos problemas pessoais e relacionais, prejuízos de todo tipo, riscos e até consequências legais e policiais de seus atos, as pessoas que vivenciam a ilusão de controle não percebem o que de fato se passa com elas. Outra pessoa pode até detectar haver algo de errado, mas muitas vezes sequer entendem o que se passa, muitas vezes julgando se tratar de mau-caráter ou dissimulação, esclarece Toscano. "É necessário motivá-las a procurar ajuda, uma terapia para que desenvolvam a percepção de seus atos diante da realidade, o que certamente proporcionará um progressivo amadurecimento", orienta o psiquiatra.

Além disso, se muitas pessoas tiverem esse comportamento, ele pode prejudicar outras pessoas. No caso do isolamento social diante da pandemia de covid-19, interpretar que quebrá-lo não trará danos pode prejudicar a busca pela diminuição da curva de novos casos, o que pode causar superlotação nos hospitais e unidades de terapia intensiva. Por isso, é importante observar esse tipo de comportamento em que está próximo e tentar alertá-lo.