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Álcool e drogas: como adictos podem encontrar apoio em meio ao isolamento

Reunião na sede dos Alcóolicos Anônimos no bairro do Bexiga, em São Paulo (SP) - Fernando Donasci/Folhapress
Reunião na sede dos Alcóolicos Anônimos no bairro do Bexiga, em São Paulo (SP) Imagem: Fernando Donasci/Folhapress

Lilian Sobral

Colaboração para VivaBem

09/04/2020 04h00

Já ficou claro nas últimas semanas que a pandemia do novo coronavírus impõe um novo modo de viver e de se relacionar. Pelo menos por mais um período, o isolamento social segue sendo a arma mais poderosa contra o crescimento da covid-19, doença causada pelo vírus.

E nesse cenário, cada pessoa lida como pode: trabalha de casa, faz exercícios na sala, participa de reuniões virtuais, coloca a leitura em dia e tenta levar um dia de cada vez.

Mas a necessidade de distanciamento e isolamento traz um desafio extra para uma camada da população: a de pessoas que têm problemas com álcool ou drogas. "A fase é de incertezas e, nesse momento, se ativam os medos mais primitivos. Esse é um dos fatores que pode levar a pessoa a sentir fissura", explica Renata Brasil Araujo, presidente da Abead (Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas).

Com a dificuldade da presença física, surgem alternativas para prestar apoio a alcoólicos e adictos em drogas, mesmo que a distância. A própria Abead lançou uma ação que depende de pouquíssimo recurso tecnológico.

Até o próximo dia 12 de abril, a entidade disponibilizou para quem sofre de alcoolismo ou adição, além de seus familiares, um número de telefone (51 98053-6208) pelo qual, com uma simples chamada por WhatsApp, é possível agendar uma conversa gratuita com psicólogos e psiquiatras.

São 25 profissionais voluntários que podem orientar quem precise de apoio nesse momento. Só no primeiro dia de atendimentos, 17 pacientes contaram com esse apoio sem precisar sair de casa.

Um novo formato para reuniões

Além das iniciativas que surgem no momento de crise, existem os grupos de apoio que já atuam há décadas no Brasil e que agora precisam se readaptar. Um dos exemplos é a irmandade AA (Alcoólicos Anônimos do Brasil).

As reuniões presenciais são um dos principais recursos do grupo para acolher quem sofre com o alcoolismo. Mas com a necessidade de distanciamento social, uma simples busca no Google pela sigla AA já traz, como primeiro resultado, o alerta sobre a covid-19 e a importância de ficar em casa.

O AA tem cerca de 5.000 grupos espalhados por todos os estados do Brasil e, quando não há restrições de circulação, realiza aproximadamente 12 mil encontros por semana. A maior parte dessas reuniões acontece em salões de igrejas, escolas ou outros imóveis que, via decretos regionais, precisaram fechar.

"A reunião presencial é parte da recuperação. Quando pensamos no tratamento, ficar sóbrio e permanecer sóbrio é essencial e os grupos são um apoio muito importante a isso", explica Camila Ribeiro de Sene, presidente da Junaab (Junta de Serviços Gerais de Alcoólicos Anônimos do Brasil).

Por isso, foi preciso buscar uma alternativa para não desamparar essas pessoas, inclusive as que estão chegando agora no AA

Uma das primeiras ações foi a criação, pela Junaab, de uma grande reunião virtual diária, às 20h. Nesse espaço virtual, podem participar tanto pessoas que já faziam parte da irmandade, quanto quem sentiu necessidade de buscar apoio pela primeira vez nesse momento.

O anonimato segue garantido, pois quem participa da reunião não tem obrigação de abrir a câmera ou revelar seu nome. E para facilitar o uso da tecnologia, é possível acessar o grupo também por ligação, como em uma conferência telefônica.

Além disso, os grupos já formados do AA, que têm autonomia, estão sendo orientados a seguir com as reuniões usando as ferramentas que melhor se aplicam a eles.

No caso do NA (Narcóticos Anônimos), o mundo virtual também é o fio condutor desse novo momento. Dois integrantes da irmandade —que preferiram não divulgar seus nomes— que atuam nas relações públicas conversaram com a reportagem e contaram que, há seis anos, as reuniões virtuais já fazem parte da rotina de quem busca apoio para parar de usar drogas, inclusive maconha e álcool, como eles sempre frisam.

"Já mantínhamos o Sistema Rad, um sistema de recuperação a distância, que nesse momento, só cresceu", afirma um deles.

Pelo sistema, o NA já atendia por meio de reuniões virtuais pessoas que, por qualquer motivo, não poderiam frequentar uma presencial. Imagine alguém em tratamento que se machuca e precisa de repouso, por exemplo. Ou pessoas que trabalham sempre em movimento, como um caminhoneiro que quer seguir com a irmandade enquanto está na estrada.

A questão é que o sistema, em meio à pandemia, cresceu. Até o fechamento deste texto, já havia mais de 800 reuniões semanais cadastradas para atender qualquer pessoa que queira. Além disso, alguns grupos, que nesse caso também são autônomos, seguem montando reuniões virtuais privadas, aumentando ainda mais o número de atendimentos disponíveis.

A grande oferta de encontros virtuais do NA também auxilia quem está no início da caminhada a seguir uma das sugestões da irmandade, de frequentar nos primeiros dias o máximo de reuniões possíveis. Nada é regra ou imposição, mas a recomendação é: 90 reuniões, nos 90 primeiros dias, conforme explicam os integrantes.

Pelo computador, é possível encontrar reuniões a, praticamente, qualquer hora, até em outros países, facilitando o acesso de quem está chegando agora. E, é claro, as orientações via telefone (0800 888 6262) e o conteúdo que o grupo mantém em sua página do Facebook, também ampliam esse suporte.

O meio virtual está abrindo mais possibilidades para o NA Conforme contam os dois integrantes, em breve a irmandade vai disponibilizar reuniões abertas ao público em geral, onde quem quiser pode conhecer um pouco mais sobre os processos de recuperação. Algo que ajuda no combate ao estigma. E eles vão além: "Já estamos planejando uma convenção virtual", contam.

Tanto o AA quanto o NA são irmandades internacionais. A troca de experiência com os grupos de outros países ajudou na construção de soluções para seguir acolhendo membros e novos membros no Brasil.

A pandemia chegou por aqui depois de causar isolamento em diversas outras partes do globo, o que fez com que os grupos brasileiros antecipassem a necessidade de pensar em alternativas.

Famílias acolhidas

Em meio ao isolamento, o amparo aos amigos e familiares também é fundamental. Mas nesse caso, entra um desafio extra. Em muitas casas, o familiar está isolado no mesmo espaço que seu parente que tem problemas com álcool e drogas.

Conforme explica Nilce Totino, secretária-geral na Grupos Familiares Al-Anon do Brasil, esse foi um ponto crucial para decidir que a melhor forma de seguir mantendo apoio a essas pessoas seria reforçar o atendimento por e-mail.

"Com esse recurso, qualquer pessoa que precise pode escrever numa ferramenta segura, protegida por senha e sem o risco de ter uma conversa por telefone ser escutada", diz.

Assim como no AA e no NA, os grupos do Al-Anon são autônomos e têm se organizado individualmente para manter as reuniões em diversos formatos virtuais. Para garantir a segurança e o anonimato dos participantes, a irmandade também elaborou uma circular com uma espécie de guia que traz sugestões sobre as melhores formas de adotar os novos formatos.

Ferramentas contra o gatilho

Além do apoio de um grupo, para alcoólicos, adictos em drogas, amigos e familiares, existem algumas ferramentas e técnicas que podem ajudar neste momento em que o isolamento social pode se tornar gatilho.

Os especialistas consultados para este texto citaram algumas:

  • Evite a oferta de bebida dentro de casa. Especialmente para quem está nos primeiros estágios de recuperação, não manter garrafas por perto pode ajudar bastante.
  • Conheça técnicas de manejo da fissura. Algumas dicas são a de se concentrar na respiração e buscar prestar atenção ao seu redor (por exemplo contar objetos ou descrever as imagens que consegue ver).
  • Se já participa de algum grupo de apoio, use aplicativos de mensagem e o telefone para manter contato com os outros membros.
  • No AA e no NA, os membros são incentivados a buscar um padrinho ou madrinha, que é alguém que pode ajudar na condução do processo de recuperação. Manter contato com essas pessoas por aplicativos de mensagem ou telefonemas também é fundamental.
  • Se for familiar de uma pessoa que tem problemas com álcool ou drogas, evite o embate. Tente sair dessas situações e lembre-se que há coisas que não são resolvidas na hora, mas sim em momentos de calma.
  • Para todos: lembre-se que vai passar.

Serviço

  • ABEAD - Ação solidária

Atendimento virtual e gratuito com profissionais voluntários, aberto a pessoas com problemas com drogas, álcool, familiares e amigos.
Agendamento via ligação de WhatsApp: (51) 98053-6208

  • Alcoólicos Anônimos do Brasil

Reuniões virtuais a distância, abertas também para novos membros. O encontro acontece via aplicativo GoToMeeting e a sala é aberta 15 minutos antes do encontro.
Diariamente, às 20h (horário de Brasília)
Link de acesso e códigos para acesso telefônico no site https://www.aa.org.br/reuniao-a-distancia

  • Narcóticos Anônimos

Reuniões virtuais diversas, via Sistema de Recuperação a Distância.
Linha de ajuda e orientação, aberta também a novos membros, segue funcionando no 0800 888 6262
Também é possível encontrar apoio via página oficial do grupo no Facebook

  • Grupos Familiares Al-Anon do Brasil

Atendimento a novos membros preferencialmente pelo e-mail alanonresponde@terra.com.br