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Brasileiros em navio tentam voltar para casa: "Medo de ficar à deriva"

Ligia (à esq.) e Cristina, brasileiras que estão "presas" em um cruzeiro na Itália - Arquivo pessoal
Ligia (à esq.) e Cristina, brasileiras que estão "presas" em um cruzeiro na Itália Imagem: Arquivo pessoal

Janaina Garcia

Colaboração para VivaBem

03/04/2020 04h00

Se está ruim para você, que reclama de ter que cumprir dentro de casa a quarentena de prevenção à covid-19 —doença causada pelo coronavírus—, longe dos amigos ou do ambiente corriqueiro de trabalho, imagine ter de passar pela experiência diariamente dentro de uma cabine de navio, com pouco ou nenhum acesso à luz do sol, e o mais angustiante: sem ter informações precisas sobre quando voltará à sua rotina?

Essa é a situação relatada por um grupo de pelo menos dez brasileiros que está há pelo menos dez dias confinado, à revelia, em um navio de cruzeiro que atracou no porto de Civitavecchia, na província de Roma, na Itália —país que, até bem poucos dias atrás, foi o epicentro das mortes e contaminações por coronavírus no mundo, com mais de 14 mil vítimas desde 28 de fevereiro até essa quinta-feira (2).

A reportagem de VivaBem conversou com passageiras desse cruzeiro, que teve início em 29 de fevereiro em Mumbai, na Índia, e tinham previsão de descer em Veneza no último sábado (28). No meio do caminho, passaram por Dubai, onde, em 9 de março, embarcaram cerca de 500 passageiros.

Confinamento há dez dias

No dia 23, de passagem pela Grécia, o navio teve de desembarcar, para cuidados médicos, uma passageira argentina de 63 anos que testou positivo para o coronavírus. Desde então, o comandante estabeleceu o confinamento dos demais passageiros como medida de segurança.

Antes de Civitavecchia, os passageiros foram impedidos de desembarcar em Veneza. Em lockdown, a Itália fechou seus portos a transatlânticos estrangeiros e suspendeu as operações de seus cruzeiros como forma de tentar conter a propagação da covid-19.

Os passageiros que seguem na embarcação têm autorização da tripulação apenas para deixar suas cabines nas medições diárias de temperatura, de manhã e à tarde.

Cruzeiro Costa Victoria - Divulgação - Divulgação
Cruzeiro Costa Victoria tem pelo menos 10 brasileiros a bordo
Imagem: Divulgação

"Tivemos o caso de uma passageira argentina que testou positivo para o coronavírus quando passamos pela Grécia; ela desceu em Creta e precisou ser hospitalizada. Desde então, entramos todos em confinamento, com exames diários de temperatura, mas não temos nenhuma resposta da empresa quando cobramos uma posição dela sobre nossa repatriação", explicou a analista de tecnologia Lígia Cossina, 36, de São Paulo.

Transatlântico chegou a ter quase 1.500 pessoas

De acordo com Cossina, o transatlântico Costa Victoria, da empresa italiana de cruzeiros Costa Crociere, chegou a ter 726 passageiros de diferentes nacionalidades e 776 tripulantes. Atualmente, o número estaria em 160 —só de brasileiros, além dos dez passageiros, há também três tripulantes.

"Estamos há alguns dias esperando uma posição do cruzeiro sobre a nossa repatriação, mas não vem nenhuma informação concreta; vários grupos já desembarcaram, mas temos nos sentido praticamente abandonados aqui", completou a analista.

Integrante do grupo de passageiros brasileiros, a aposentada Cristina Helena Simões, 59, explicou que uma agente de viagens externa ao cruzeiro contatou a embaixada italiana no Brasil, onde teria ouvido que o Consulado-Geral em Milão obteria informações sobre o grupo.

A chegada à província de Roma aconteceu no dia 25 de março.

"Temos TV nas cabines, mas precisamos ficar nesses espaços o dia todo, confinados; recebemos alimentação três vezes ao dia, mas passageiros com restrições alimentares não estão sendo adequadamente atendidos, porque há uma certa desorganização interna; para piorar, a internet é super cara, o que prejudica nosso contato com os familiares. Não sabem dizer se estamos em quarentena, se não estamos, se têm alguma previsão de sairmos disso, ou não. Ficamos sob estresse, ansiedade e angústia o tempo todo", classificou a analista.

Já a aposentada, que apontou os mesmos problemas que a colega brasileira, ponderou que pesa também a preocupação sobre o destino da embarcação com o grupo.

"Sentimos uma completa falta de recepção das autoridades italianas, pelo que conseguimos acompanhar do noticiário local, e percebemos que o navio está sendo abastecido, limpo... Caso a embarcação tenha de sair daqui, simplesmente não sabemos aonde ela vai parar", avaliou, para completar: "Se nenhum porto aceitar nosso desembarque, nosso medo é o de ficar literalmente à deriva. Nossa emergência é voltar para o Brasil."

Conforme as duas passageiras, a maioria dos passageiros brasileiros é de pessoas com mais de 60 anos —um dos grupos de risco para a covid-19.

Itamaraty diz acompanhar o caso

A reportagem procurou o Ministério das Relações Exteriores brasileiro para saber se há conhecimento do caso e o que será feito a respeito.

Por meio de nota, o Departamento de Comunicação Social da pasta admitiu ter conhecimento do caso.

"No momento, temos conhecimento dos seguintes casos de brasileiros com problemas para regressar de cruzeiros para o Brasil:

- "Costa Luminosa", com quatro brasileiros em quarentena de 14 dias em hotel na Itália.

- "Costa Victoria", com dez brasileiros aguardado desembarque para entrarem em quarentena de 14 dias em hotel na Itália (pago pela operadora do cruzeiro)".

Ainda na nota, o ministério informou que "o Consulado do Brasil em Roma está acompanhando o caso e mantendo contato com os brasileiros". "Espera-se que possam ser repatriados pela operadora do cruzeiro após o período de quarentena."

Grupo espera retornar até segunda-feira

No final dessa quarta-feira (1º), a brasileira Lígia disse que o grupo manteve contato com o consulado brasileiro em Roma a fim de saber se os dias já passados em confinamento no navio contam como quarentena, uma vez, além do isolamento, que eles têm tido aferições diárias de temperatura. A preocupação do grupo em ir para um hotel na Itália é o grande número de casos de covid-19 no país e a maioria de passageiros idosos.

"Tivemos conhecimento sobre essa proposta de 14 dias em algum hotel na Itália, mas já tinham nos dito isso semana passada, e nada aconteceu. Como na última segunda (30) recebemos uma carta nos informando que seríamos movidos para uma nova quarentena, e como estamos indo para o 10º dia de quarentena no navio, propusemos que eles ao menos nos mandem para o Brasil em voos comerciais previstos para este domingo ou segunda —ir para um hotel agora é uma questão extremamente complexa", analisou.

A proposta, que questiona se a quarentena no navio já seria suficiente para o embarque do grupo em um voo comercial nos próximos dias, seria levada pelo consulado às autoridades sanitárias italianas.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do informado, há um Consulado-Geral em Milão e não uma embaixada brasileira.