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Casamento às cegas: por que eles topam casar com quem conhecem há 30 dias?

Cameron e Lauren, participantes do "Casamento às Cegas" - Instagram/Reprodução
Cameron e Lauren, participantes do 'Casamento às Cegas' Imagem: Instagram/Reprodução

Gabriela Ingrid

Do VivaBem, em São Paulo

13/03/2020 04h00

O reality show "Casamento às Cegas" é o novo fenômeno da Netflix. O programa tem como objetivo provar se o amor é realmente cego, propondo que desconhecidos fiquem noivos sem ao menos se ver. A interação às cegas dura 10 dias. Depois, os participantes se conhecem de fato e, 28 dias após o pedido de casamento, ocorre a cerimônia. Obviamente, nem tudo deu certo, com alguns parceiros dizendo "não" no altar (ou até mesmo antes).

A experiência é quase como um estudo de caso. Afinal, quem toparia se aventurar em um teste como este? O próprio público se mostrou um pouco assustado com o que viu. Em questão de dias os participantes planejaram filhos e já disseram "Eu te amo". A sensação é que as pessoas do reality estão desesperadas para casar. Mas por quê?

Segundo Ana Suy, mestre em psicologia pela Universidade Federal do Paraná e professora da PUCPR, o programa tem muito do amor cortês, romântico e até um pouco ideal. "Fazemos uma construção fantasiosa de que o amor preenche algum vazio, como a solidão ou até a alegria. Mas não é só disso que se trata o amor".

Suy diz que as pessoas tendem a fantasiar que existe uma pessoa ideal e o reality traria a "pureza" do "ser" antes do "ter". "Óbvio, tudo que foge a essa expectativa de perfeição não são coisas que brilham aos nossos olhos de primeira —na psicologia, chamamos essas coisas de castração", diz. É por isso que vários casais realmente ficaram noivos sem se ver. Eles não viram as coisas que não queriam saber, e não estamos falando apenas do visual. Entram aqui as falhas que, claro, só percebemos convivendo com alguém —ou você acha que eles iam citar os defeitos durante as conversas às cegas?

Na hora de se conhecer de fato, alguns casais foram se separando ou se distanciando, chegando a evitar o "sim" no altar. "Vemos muito isso na vida real, em pessoas que se forçam a estar em uma relação apenas por medo de ficarem sozinhas. Elas preferem pagar o preço do sofrimento para terem o ideal intacto", diz Suy.

Camila de Cássia Ribeiro, psicóloga da Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo, explica que decisões como essa têm como base a insegurança. Segundo ela, o ser humano tem instintos primitivos de se relacionar, para garantir segurança, sobrevivência. Na infância, a relação com os pais garante essa segurança, mas ela é perdida por meio de frustrações. A sensação de desproteção tem uma consequência emocional no futuro, principalmente a insegurança. "Desde a infância o indivíduo sente um vazio que será potencializado e construído na fase adulta. O problema é que muita gente tenta preencher esse vazio com outra pessoa", diz Ribeiro.

Além disso, há uma pressão social e cultural de formar uma relação sólida, com filhos, principalmente para as mulheres. Mas quem disse que a solidez vem de um casamento? "Parece que os homens sozinhos são menos 'mal ditos' do que mulheres sozinhas. Elas têm que lidar com outras coisas, como a questão da maternidade, se vai vir ou não, se vai congelar óvulos. Desde sempre a anatomia mesmo e as condições culturais tem um peso a mais para elas", diz Suy.

Forçar relações faz mal

Relacionar-se por medo de ficar sozinho pode gerar namoros e casamentos infelizes, segundo as psicólogas. "O indivíduo diminui os critérios de busca por um companheiro e mantém uma relação fria e distante. Isso traz frustrações, infelicidade, mas não consegue terminar por medo, insegurança", diz Ribeiro.

O "ideal" também pode ser um pesadelo abusivo. "Quando duas pessoas se tornam uma é porque alguém deixou de existir. Quando duas estão em uma perfeita harmonia é porque alguém está se mutilando psiquicamente", diz Suy. Segundo a especialista, é fácil essas pessoas se aniquilarem para caberem naquele lugar, porque precisam ser amadas.

Mas o outro nunca será o que esperávamos dele, assim como nós não somos o que ele espera. "Se nos decepcionamos, mas conseguimos suportar que o outro também pode se decepcionar, isso é liberdade", diz Suy.

É por isso que, se há infelicidade, medo de ter um tempo só para si e de encarar as próprias fragilidades, é bom procurar ajuda. "Tem que tentar identificar seus próprios sentimentos, sair com os amigos, fazer algo que goste. É importante buscar seus momentos prazerosos de lazer sozinho", sugere Ribeiro.

Se é pergunta é "Como saber se estou na relação porque quero ou se é para fugir da solidão?", a resposta não é tão simples. Segundo Suy, não é possível tirar a prova real do amor. Tanto o Tinder quanto o reality, que são exemplos das relações "modernas", estão do mesmo lado, o de encontrar a tampa da panela. Mas o amor não é algo que se procura (pelo menos não na maioria das vezes).

"Quando você procura alguém como se fosse do RH de uma empresa, só encontra gente chata, porque as que estão de acordo com a nossa fantasia não nos interessam realmente", diz Suy. A psicóloga diz o real é se interessar por alguém de surpresa. "É o cotidiano, o que nós somos. Pensamos que alguém vai nos completar, mas ele não vem para isso. Vem para fazer falta. O amor não vai ser poupado das dificuldades da vida, só sofremos mais quando pensamos assim. Amor e dor são parceiros", diz ela.

No aplicativo, no reality ou na vida real é importante se conhecer e ter amor-próprio. Suportar a solidão faz parte, afinal, só cabe um dentro do nosso próprio corpo.