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Por que o Nordeste concentra maior parte de doenças raras do Brasil

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Imagem: iStock

Gabriela Ingrid*

Do VivaBem, em Fortaleza

01/03/2020 09h46

Quem passou pelo Aterro da Praia de Iracema, em Fortaleza (CE), no fim da tarde sexta-feira (28), encontrou um trenzinho ocupado por crianças, adolescentes e adultos diagnosticados com doenças raras. A ideia era conscientizar a população das condições, que segundo o Ceniso (Censo Nacional de Isolados) estão bastante concentradas no Nordeste.

O levantamento identifica populações brasileiras com alta frequência de doenças genéticas ou expostas a fatores de risco genéticos ou ambientais (como o vírus zika), e é realizado desde 2014 pelo Inagemp (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Genética Médica Populacional), do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).

A explicação para aglomerações na região Nordeste tem uma explicação cultural e religiosa. "Há muito casamento entre familiares aqui, principalmente entre primos, o que aumenta as chances de o filho nascer com alterações genéticas, diz Erlane Ribeiro, geneticista e coordenadora do Hospital Infantil Albert Sabin, referência no tratamento de doenças raras no Ceará.

De acordo com o médico geneticista Ciro Martinhago*, doutor pela Unesp (Universidade Estadual Paulista) e parte da equipe de genética do Hospital Albert Einstein (SP), o risco de algum erro genético na população em geral fica em torno dos 2% ou 3%. Mas, entre parentes, esse risco pode chegar a 12%. Isso acontece porque a maior parte dessas doenças são recessivas e precisam tanto do gene da mãe como do pai para se manifestar.

Um grande exemplo do resultado de relações consanguíneas está em Tabuleiro do Norte, município do Ceará. Ribeiro lembra de um paciente que morava na cidade e foi diagnosticado com Doença de Gaucher em 2006. "Ele não acreditou que tinha algo raro, porque várias pessoas de sua família eram como ele". A geneticista pediu para que ele levasse os parentes até Fortaleza para realizarem os testes. "Chegou um ônibus com 90 pessoas, fiquei desesperada. Mas coletamos as amostras e mandamos para um laboratório no Rio Grande do Sul".

A médica ainda mandou um especialista até Tabuleiro do Norte para avaliar mais pessoas e descobriu o cluster da doença. Segundo ela, a frequência normal de Gaucher no mundo é de uma pessoa para 40 mil, mas no município é um para quatro mil. A explicação seria que a cidade foi fundada por imigrantes portugueses de origem judaica, em 1690.

Existe uma hipótese de que dois irmãos que se estabeleceram no local tinham mutações nos genes e se casaram com duas irmãs que portavam as mesmas alterações. Os genes foram passados aos filhos geração após geração, principalmente porque os membros da família mantiveram o costume de se casar entre si.

Depois da descoberta, a população local foi orientada sobre as consequências dos casamentos consanguíneos. "Mas não temos o direito de obrigar ninguém a não casar ou não ter filho. Até porque as pessoas também têm possibilidades de ter filhos normais". A médica apenas pede para que, se tiverem filhos, levem para tratar o quanto antes.

Os casos de estupro entre familiares também são um problema. A cada 13 estupros cometidos contra meninas e adolescentes por desconhecidos, outros 18 são praticados por familiares. Em um estudo de 2017 sobre gravidez na infância e adolescência, a maior parcela delas na faixa de dez a 14 anos reside no Nordeste (37,6%). A pesquisa foi conduzida por profissionais do Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e de Promoção da Saúde, do ministério.

"Tivemos aqui uma menina grávida com 10 anos e com um bebê com alteração cromossômica. Ela tinha sido estuprada pelo primo, no interior do estado", diz Ribeiro. Mas, claro, nem todos os casos de doenças genéticas são frutos de relações consanguíneas. No geral, cada caso é único e precisa de uma investigação específica. A vantagem de descobrir os clusters é justamente saber para onde levar o tratamento."A questão é que todo mundo vai ter alguma alteração genética na vida. Só não sabemos se já aconteceu ou vai acontecer, ou se está relacionada com alguma doença", diz a geneticista.

*A repórter viajou a convite da Biomarin

*Fonte consultada em matéria do dia 14/01/2020