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Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Perdão não é só sobre esquecer o que houve: 9 pontos para levar em conta

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Imagem: iStock

Amanda Cruz

Colaboração para o VivaBem

20/02/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Perdão é um ato mais interno do que para a pessoa a qual queremos perdoar
  • Esperar que o perdão traga uma página em branco só trará frustrações
  • Se livrar da raiva quando perdoamos pode reduzir a pressão sanguínea e diminuir os riscos de doenças cardíacas

Só quem já conseguiu perdoar verdadeiramente alguém sabe a sensação de leveza e tranquilidade que isso traz. E essa sensação vem, inclusive, acompanhada de outras vantagens para nossa saúde física e mental. Porém, para conquistar tudo isso, é preciso respeitar o processo e se permitir, porque esse ato tem mais a ver com nós mesmos do que com a pessoa que enxergamos como objeto de nosso perdão.

A noção de perdão em nossa cultura é carregada de uma conotação moral, é considerado um ato de amor que produz uma transformação nas pessoas, que redime e nos torna melhores do que antes. "A ideia é bonita, está presente na poesia, mas deixa de lado algo psiquicamente mais importante, que é a ideia de que o verdadeiro perdão envolve reparação", explica psicólogo e psicanalista Christian Dunker, professor titular do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo). Porém, uma coisa é certa: vale a pena se dedicar a essa empreitada.

Como conseguir perdoar?

É comum imaginarmos o ciclo do perdão completo quase como uma página em branco. Sem mágoas, sem ressentimentos, mas também sem história, algo impossível de alcançar. Então, imagine que o processo do perdão é como olhar para suas dívidas simbólicas. Assim como você tem o banco, que registra o que comprou, gastou, quanto precisa devolver e retribuir, todos temos um passivo com pessoas, situações, lugares, com nossos sonhos, o que se deixou de fazer. Por isso, a inspeção dessa dívida simbólica é importante.

"Quem fica obcecado com a página em branco é porque não quer ver o extrato bancário, porque está com medo. Esse é o primeiro momento, olhar e ver o real tamanho da dívida simbólica, porque ao mantermos isso fechado, os juros aumentam, o valor se inflaciona e vira um monstro que, na realidade, não existe, mas existe na fantasia", elucida Dunker.

Depois é chegada a hora de pensar nos atos reparatórios. Cada pessoa tem um jeito. Como pagar aquela dívida, em que moeda? De que forma? Isso não importa, o que vale é acontecer a reparação da experiência prejudica. "Pense com calma em como prefere consertar isso. Existem pessoas que podem ajudar a fazer isso, conversas que ajudam. Muitas vezes em conversas com amigos, pessoas que confiamos e mudamos nosso entendimento, procurando um ângulo em que a história possa ser recontada", ele reforça.

9 pontos para ter atenção ao perdoar

Perdoar é muito bom, mas exige bastante autoanálise, atenção e dedicação. Para Frederick Luskin, pesquisador sobre esse tema e diretor do Forgiveness Projects (Projeto do Perdão), da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, existem nove pontos importantes para seguir e refletir na hora de embarcar nessa jornada:

  1. Saiba exatamente como você se sente sobre o que aconteceu e seja capaz de articular o que está acontecendo com essa situação atualmente dentro de você. Em seguida, conte a algumas pessoas em que confia
  2. Crie um compromisso consigo mesmo para fazer o que for necessário para se sentir melhor.
  3. O perdão é para você e mais ninguém. O perdão não significa necessariamente reconciliação com a pessoa que o magoou ou tolerar a ação dela. O que você procura é a paz.
  4. Obtenha a perspectiva correta sobre o que está acontecendo. Reconheça que sua angústia primária vem dos sentimentos feridos, dos pensamentos e das perturbações que você está sofrendo agora, não do que o ofendeu ou machucou há dois minutos -- ou dez anos. O perdão ajuda a curar esses sentimentos feridos.
  5. No momento em que você se sentir chateado, busque formas simples de controlar o estresse fazendo algo que gosta para aliviar o corpo ou combater essa resposta.
  6. Desista de esperar coisas de outras pessoas. Reconheça as "regras obrigatórias" que você tem para você mesmo e para os outros de como tudo deve ser.
  7. Deposite sua energia em procurar novas maneiras de alcançar seus objetivos, além da experiência que o machucou. Em vez de repetir mentalmente sua mágoa, procure novas maneiras de conseguir o que deseja.
  8. Lembre-se de que uma vida bem vivida é sua melhor "vingança". Em vez de focar em seus sentimentos feridos e, assim, dar à pessoa que causou dor sobre você, aprenda a procurar o amor, a beleza e a bondade ao seu redor. O perdão é sobre poder pessoal.
  9. Encerre sua história de queixas e comece a focar da sua escolha pelo perdão.

Como o perdão pode fazer bem para quem perdoa

Conseguir se livrar da mágoa pode ajudar principalmente na redução do estresse e na mudança da percepção de perigo em relação às outras pessoas. "Quando não perdoamos, o mundo é um lugar mais assustador. É mais provável que você sinta desconfiança e que se ofenda mais facilmente", diz o psicólogo Luskin. O perdão nos ajuda a entender também que podemos lidar com a nossa dor para que tenhamos maior probabilidade de confiar novamente. Abaixo, veja outros benefícios do perdão, de acordo com Luskin:

  • Reduz a pressão sanguínea em pessoas muito estressadas;
  • Ameniza a tensão muscular;
  • Diminui os riscos de doenças cardíacas;
  • Melhora o sistema imunológico;
  • Reduz o estresse e a depressão.

Uma análise de diversos estudos feita por pesquisadores do Departamento de Epidemiologia e Saúde Pública da University College London, na Inglaterra, mostrou que raiva e a hostilidade podem aumentar a incidência de doenças cardíacas em pessoas saudáveis. Os pesquisadores inclusive sugerem que intervenções voltadas para a administração da raiva e da hostilidade sejam adotadas como parte de programas de prevenção de doenças cardíacas. "O perdão é extremamente eficaz no controle da raiva, pois seu objetivo é exatamente esse: libertar a pessoa que perdoa dos efeitos nocivos que surgem quando nos vemos prisioneiros dessas emoções", conta Flora Victoria, mestre em psicologia positiva aplicada pela Universidade da Pensilvânia.

Existem também inferências indiretas do perdão. Um processo de perdão abandonado pela metade gera um nível elevado de culpa. Já a culpa é uma variante da angústia. "Quanto mais angustiados, mais expostos ficamos para doenças psicosomáticas, desenvolvimento de sintomas psicológicos, dificuldade em ter contato com o outro de forma empática. Nos individualizamos, ficamos solitários conforme não criamos laços", destaca Dunker.