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Fofoca: o que o hábito de falar dos outros diz sobre nós mesmos

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Imagem: iStock

Heloisa Noronha

Colaboração para o VivaBem

07/02/2020 04h00

Há uma frase, atribuída ao renomado psicanalista austríaco Sigmund Freud (1856-1939), que determina: "Quando Pedro me fala de Paulo, sei mais de Pedro que de Paulo". Embora sua autoria seja discutida —há quem sustente que a frase é da ensaísta canadense Lise Bourbeau —, é certo que a declaração atinge em cheio quem tem mania de fofocar.

É válido ressaltar que fazer fofoca consiste em um hábito socialmente arraigado em praticamente todas as culturas —afinal, somos curiosos por natureza e, consequentemente, interessados na vida alheia. Porém, os fatores nos quais envolvemos os mexericos —em especial, quando falamos dos outros ou passamos o "disse me disse" adiante — revelam muito a respeito de nosso caráter, nossa personalidade e até como anda a nossa vida. E o que isso mostra, acredite, não é nem um pouco bonito.

Pode até acontecer, mas raramente "fuxicar" tem um viés positivo. Maledicência, intuito de causar intrigas, especulações, confabulações sem fundamento e até a divulgação da intimidade das outras pessoas costumam permear essas conversas. Para Blenda de Oliveira, psicóloga e psicanalista, a maioria das fofocas é tóxica e desrespeitosa porque simplesmente não há autorização de quem é envolvido para passar a informação adiante. "E mais: essa informação às vezes sequer corresponde à realidade. Sabe aquele ditado 'quem conta um conto, aumenta um ponto'? Pois é, o que se espalha, em diversos casos, sofre alterações e chega aos ouvidos alheios de forma deturpada. E assim segue", comenta.

Os fofoqueiros, via de regra, sofrem de baixa autoestima e apresentam uma necessidade enorme de chamar a atenção dos demais. "Ao propagar os mexericos, acabam tornando-se pessoas 'importantes', pois são eles que detêm aquela informação e que têm poder sobre ela", fala Joselene L. Alvim, psicóloga clínica especialista em neuropsicologia pelo setor de Neurologia do HCFMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).

"São pessoas imaturas, agressivas emocionalmente, inseguras e carentes, que precisam usar a fofoca como meio de atrair e seduzir seu interlocutor", destaca a psicóloga e psicanalista Renata Bento, membro da SBPRJ (Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro).

Soma-se a isso a inveja, já que, à medida que o fofoqueiro desvaloriza o outro e suas qualidades, subliminarmente está emitindo a mensagem que é melhor do que aquela pessoa e deixando subentendido que jamais faria algo semelhante. Não se trata de um mecanismo consciente. Aliás, uma análise mais apurada indica que a intenção da mensagem não tem nada a ver com a realidade.

Segundo a psicanalista Gisele Gomes, professora de Teoria Psicanalítica Freudiana na RNA Clínica e Escola de Psicanálise, em São Paulo (SP), quando falamos sobre alguém ou sobre uma característica sua que nos "incomoda", estamos falando sobre nós mesmos. "Isso acontece porque a fofoca tem, em sua essência, o mecanismo de defesa da projeção, que em psicanálise é uma forma do indivíduo defender-se dos próprios desejos imputando-os a outro sujeito", pontua Gomes.

Ou seja, é basicamente atribuir aos outros defeitos, sentimentos e desejos que a pessoa recusa ou desconhece em si mesma e que habitam seu inconsciente. "Permeada por julgamentos, a fofoca também traduz os valores e preconceitos que o fofoqueiro carrega dentro de si e é uma forma de reproduzi-los ou fortalecê-los em seu círculo de convivência", completa a especialista.

Mas há um lado bom em fofocar?

Em 2012, uma pesquisa da Universidade da Califórnia, em Berkeley, nos Estados Unidos, gerou controvérsia ao sustentar que a fofoca tem um papel fundamental na manutenção da ordem social. O estudo, divulgado na versão online do Journal of Personality and Social Psychology, concluiu que os mexericos ajudam as pessoas a diminuírem o estresse e a policiar o mau comportamento alheio.

O método utilizado —dividir um grupo de 462 pessoas entre participantes de um jogo e observadores — levava em conta relatar ou não quando um jogador tentava enganar o outro e, portanto, analisou somente a fofoca em torno de condutas notoriamente condenáveis. "Discordo da conclusão da pesquisa. Informar que um indivíduo é desonesto é um compromisso social e não fofoca", opina Sirlene Ferreira, psicóloga clínica.

Para Gomes, a fofoca também pode partir de uma estrutura psíquica perversa que prejudica a sociedade. "A fofoca pode ser considerada uma espécie de perversão social. O uso indiscriminado das redes sociais e as fake news estão aí para chancelar esta premissa", diz. Até mesmo os laços sociais supostamente construídos ou reforçados em torno de futricas são frágeis —afinal de contas, dá para confiar em quem passa adiante uma fofoca? Será que quem hoje fala de um colega para você, não vai falar de você para outros amanhã?

Já Ferreira afirma que o costume de fofocar pode refletir problemas emocionais pontuados por ansiedade e/ou estresse. "Nesses casos, a fofoca é uma demonstração de um mundo interno doente. O fofoqueiro necessita muitas vezes de ajuda para compreender o que é o mundo imaginário e o mundo real, principalmente se levarmos em consideração que a fofoca é, muitas vezes, fomentada por fantasias", observa.

A fofoca pode trazer algo de positivo quando ligada à necessidade de contar histórias, conforme Oliveira. "Se não há a intenção de prejudicar alguém, por exemplo, não há nada de mau. É o que ocorre entre amigos num happy hour falando do chefe ou dos colegas tem a ver com o dia a dia e não existe a vontade ferir ou fazer alguém passar vergonha ou ver sua imagem destruída", diz.

Outro benefício é usar o hábito, uma vez que quem o tem toma consciência de sua existência, como um exercício honesto de autoconhecimento. "À medida que uma pessoa fala mal da outra, ela isenta a si mesma de prestar atenção em alguns aspectos seus que necessitam ser melhorados. Refletir sobre tais aspectos não é um trabalho agradável, pois de certa forma causa sofrimento. Em vez de buscar melhorar, ela fala mal do outro. É uma saída que traz alívio momentâneo, pois a dificuldade da pessoa ainda permanece dentro dela. Por isso ela sempre criará fofocas como estratégia", declara Alvim.

Assim, a compreensão dessa atitude e desse mecanismo pode ajudar a pessoa a refletir melhor sobre si mesma —em alguns casos, uma psicoterapia pode ser producente para reforço da autoestima. "Ocupar-se com a vida de outra pessoa parece ser coisa de quem não consegue ter uma existência plena. Um indivíduo que se aceita, que se sente bem na própria pele e, por consequência, tem boa autoestima e segurança vai se preocupar menos cada a vida alheia", pondera Bento.

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