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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Alguém frustrou suas expectativas? Veja como lidar com esse sentimento

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Imagem: iStock

Priscilla Auilo Haikal

Colaboração para o VivaBem

12/12/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Criar expectativas é um mecanismo de motivação que se desenvolve desde o nascimento e é influenciado pelas relações que temos ao longo da vida
  • Raiva, tristeza e até mesmo agressividade são algumas das reações de sofrimento comuns quando alguma expectativa não se concretiza
  • Para amenizar essas reações, devemos tentar conhecer e aceitar o outro como ele é e nunca pelo filtro de como nós achamos que ele deveria ser
  • Um dos principais desafios é lidar com o fato de que, no fundo, não temos controle sobre nada e nem ninguém

Por mais que doa, chateie, irrite, desanime, desestimule e entristeça, a frustração faz parte da vida. Não adianta teimar ou birrar, como tudo no mundo, isso acontece. Mas mesmo sendo inevitável, a não concretização de expectativas criadas por nós costuma gerar bastante desconforto e reflexão em relação ao outro que causou tamanha decepção.

Por quê? Será que estamos mal acostumados a receber negativas? Ou as pessoas se tornaram muito egoístas e não se importam mais com o sentir do próximo? Talvez seria a falta de ligar o "dane-se"?

Em meio a tantas mensagens e fórmulas prontas que pipocam nas mídias sociais para estar sempre de bem e de boas, fica difícil ponderar o que realmente é importante levar em conta quando nos deparamos com uma contrariedade. O VivaBem conversou com alguns especialistas para saber as origens desse sentimento e como fazer para tirar o melhor proveito de situações adversas.

Origem lá atrás

A criação de expectativas é tida como um mecanismo de motivação próprio da nossa subjetividade, que assim como outras características da personalidade, se desenvolve desde o nascimento e é influenciado pelas relações que temos ao longo da vida. O fundamento está ligado com demandas primitivas, a partir da condição de dependência do outro.

"O bebê nasce como ser dependente para o atendimento e satisfação das suas necessidades fisiológicas iniciais —função normalmente desempenhada pelas figuras dos cuidadores. Desde o começo se dirige ao outro na espera de ser atendido e aliviado, por meio do choro ou manha, e posteriormente através de palavras", explica Débora Pinheiro, psicóloga e responsável técnica pelo Centro de Psicologia Aplicada (CPA) da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

E esse processo nos acompanha antes mesmo de nascermos. Nossos pais também geraram expectativas em relação a nós, que podem ter sido percebidas e, por vezes, internalizadas. "Ou seja, tem a ver com desejos e previsões para o futuro que se aplicam a pessoas e contextos de vida", afirma Wanderlei Oliveira, integrante do Laboratório de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde da FFCLRP-USP (Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo).

Essas são ideias e esperanças que nos impulsionam, nos movem pra frente, e segundo tendências da psicologia positiva, têm papel essencial na construção do sentido individual da existência. "Estão ligadas com a perseverança em tempos limites ou de adversidade, e no estabelecimento de crenças que dias melhores virão. Todo ser humano precisa ter metas, objetivos e expectativas, pois sem esses elementos internos, não há sucesso e tampouco o sentimento de autorrealização", detalha.

Inclusive faz parte do comportamento humano de socialização. "Serve ao cérebro como maneira de ativar desejos, planos e projetos. Somos seres sociais que modificamos o meio em que vivemos e recebemos do meio uma resposta. Na frustração, é muito comum termos de volta sensações de medo, insegurança, derrota e menos valia, que automaticamente provocam alterações comportamentais", indica Cristina Brosali, psicóloga da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo.

#Chatiado

Raiva, tristeza e até mesmo agressividade são algumas das reações de sofrimento comuns quando alguma expectativa não se concretiza. Por normalmente ser vivida como uma falha, que afeta narcisicamente a pessoa, há uma diminuição da crença em si mesmo, por vezes no outro, e nas potencialidades envolvidas.

"Como o que era esperado da situação não foi correspondido, ficamos muito frustrados e não conseguimos enxergar o quanto temos de participação nisso. É mais fácil depositar no próximo aquilo que não deu certo. De certa maneira, é uma ação de defesa" Cristina Brosali, psicóloga da BP

Deixar acontecer naturalmente é uma das saídas indicadas para evitar entrar no "modo Garoto Enxaqueca". Afinal, na experiência psíquica humana, não existem objetos, pessoas ou situações que possam ser plenas no atendimento das expectativas, conforme pontua a psicóloga Débora Pinheiro.

Nas demandas dirigidas ao outro, haverá momentos de prazer e realização e outras circunstâncias de frustração e sofrimento. "Em vez de considerar isso um defeito, vale tentar entender que os desencontros fazem parte dos relacionamentos. É da natureza complexa das relações. Quanto mais o sujeito compreender que se trata de uma condição humana, mais fácil será lidar com conjunturas inesperadas."

Oliveira destaca que são situações onde existem desfechos variáveis, como a realização integral, parcial ou a não realização. E em geral, as pessoas tendem a considerar apenas o primeiro cenário, deixando de lado uma preparação para os outros dois tipos de resultados possíveis. Assim, lidar com o que não estava previsto conduz a experiências de muita raiva ou exacerbada tristeza. "Ao mesmo tempo, as dificuldades, incertezas e reviravoltas são experimentadas como falhas pessoais, que afetam as crenças de autoeficácia ou da estima por si mesmo."

Nada mais é do que entender que faz parte da vida não alcançar tudo o que se espera e tentar usar essa energia para traçar outros caminhos. "Também é importante persistência e resiliência para se fortalecer e superar a frustração, procurando crescer a partir dela", defende Lucia Emmanoel Novaes Malagris, professora permanente no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Essa barra que é esperar de você

Na avaliação de Fernando Gastal de Castro, professor associado do Instituto de Psicologia da UFRJ, um dos aspectos que dificulta essa compreensão é a falta de solidariedade. "O outro é sempre o outro com suas particularidades", diz. "Como vivemos numa realidade competitiva, baseada no alcance dos méritos, de valorização do sucesso e das recompensas decorrentes unicamente do esforço pessoal, estamos nos fechando num individualismo centrado em nós mesmos e na autossuficiência que não permite frustrações, tampouco imprevistos". Para ele, esta é uma atitude que desconsidera especificidades sociais, pessoais e históricas e ignora as razões para um agir e pensar diferente, e principalmente, o que o próximo tem a nos oferecer.

O docente descreve que toda experiência subjetiva ultrapassa o aqui e o agora em direção ao que chama de horizonte de expectativas, que interfere no momento presente, mas que também está ligado com um passado de vivências anteriores. É uma configuração mutável, que se transforma a partir do contato, da reciprocidade das trocas, e da capacidade de se abrir e dialogar com os outros. "A questão está ligada ao tipo de sentimentos que vivemos a partir das expectativas (de compaixão, revolta ou indiferença), a forma de existência que estabelecemos as interações (com as pessoas e com o mundo) e a maneira que projetamos nossos horizontes."

Outra dica é considerar que todos carregam em si habilidades construtivas e destrutivas, logo é prudente não antecipar ou prever impressões sobre as pessoas. "Devemos nos disponibilizar para conhecer e aceitar o outro como ele é e nunca pelo filtro de como nós achamos que ele deveria ser", pondera Débora Pinheiro. Na opinião da especialista, o principal sentimento é o de não criar expectativas de perfeição nas relações humanas. "Elas são aquilo que podem ser na sua justa medida, dependendo das características íntimas de cada pessoa envolvida".

O que se há de fazer?

A psicóloga lembra que um passo importante é levar em conta que os mal-entendidos fazem parte das interações sociais. "Ruídos estão presentes, cada parte da relação contribui com sua parcela de expectativas. Como escreveu o poeta Carlos Drummond de Andrade, cada qual enxerga a vida conforme 'seu capricho, sua ilusão, sua miopia'."

Basicamente é internalizar que as pessoas são independentes de nós, não possuem obrigações de corresponder aos anseios que são nossos ou que criamos para elas. Como analisa Oliveira, "existe uma tendência a avaliarmos os outros a partir de nossas métricas, ou réguas internas, nos esquecendo de que os sujeitos são seres autônomos, livres e com seus próprios desejos em termos de autorrealização."

O pesquisador indica também a preparação para um desfecho negativo. E isso não quer dizer ser pessimista, apenas entender que o outro é livre. "O desafio interno é lidar com a verdade de que, no fundo, não temos controle sobre nada e nem ninguém. Em tempos de coaching e mentorias para ser mais feliz, é comum a apresentação de receitas prontas, modos de viver ou se expressar para lidar com as frustrações. Mas elas também fazem parte da vida e devem ser integradas à existência."

É um processo que ajuda a criar musculatura emocional para os reveses e para tudo aquilo que não estava no nosso script interno, por meio do autoconhecimento, autorreflexão e exercícios ligados à psicoterapia, em busca de compreender fraquezas e valorizar pontos fortes. "Quanto mais exigentes e rígidos formos com nossas expectativas, maior a chance de isolamento pela falta de entendimento e aceitação com os anseios do próximo. O outro é mediador indispensável sobre o que sou e o que eu posso vir a ser; e eu sou um mediador indispensável para o outro, o que ele é e o que pode vir a se tornar", conclui Castro.