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O que pode ser?

A partir do sintoma, as possíveis doenças


Corrimento vaginal: mudanças de cor, odor e consistência indicam problema

Alteração na cor do corrimento vaginal pode indicar problemas como candidíase e vaginose - iStock
Alteração na cor do corrimento vaginal pode indicar problemas como candidíase e vaginose Imagem: iStock

Cristina Almeida

Colaboração para o VivaBem

03/12/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Fluxo vaginal é uma característica fisiológica feminina que se manifesta a partir da adolescência e dura por toda a idade reprodutiva
  • A anatomia das mulheres é propícia a infecções, o que abre espaço para que germes oportunistas se instalem na cavidade vaginal
  • As causas mais comuns de corrimentos são vaginose bacteriana, candidíase e uma das IST, a triconomíase
  • O tratamento se faz por meio de medicamentos orais ou locais, mas mudanças nos hábitos de vida também fazem parte da estratégia terapêutica

Para quem é mulher, notar uma gota de sangue na roupa íntima todo o mês é fato que não causa preocupação, a não ser que ela apareça fora do tempo esperado. Mas há outro tipo de situação que é comum, bastante desagradável e muitas vezes incomoda: perceber a presença de conteúdo vaginal na calcinha, especialmente se ele tiver algum tom e cheiro estranhos.

Ter corrimento é a segunda queixa mais comum nos consultórios dos ginecologistas —perdendo apenas para problemas com o ciclo menstrual. Estima-se que no período de 12 meses, uma em cada dez mulheres apresentará o sintoma. Parte delas se automedicará ou tentará uma solução caseira, o que não só atrapalha o correto diagnóstico como pode agravar o quadro. Os dados foram publicados no periódico médico Indian Journal of Sexually Transmitted Diseases and Aids.

O fluxo vaginal é uma característica feminina normal que se manifesta a partir da adolescência e dura por toda a idade reprodutiva. Nesse período, chamado de menacme, a mulher observará em si um corrimento esbranquiçado ou amarelo claro, que também é fino e inodoro. Essa umidade decorre da interação de vários fatores, que independem de uma glândula excretora. Daí ser inadequado referir-se a ela como secreção.

Entenda a flora vaginal

O aparelho genital feminino possui um microbioma, também chamado de flora vaginal, que é composto, majoritariamente, por células descamativas da mucosa local, fluídos do útero, do endométrio, do transudato (passagem de líquidos) das paredes vaginais, além de bactérias e outros micro-organismos e seus metabólicos, conforme explicou Rose Luce Gomes do Amaral, professora da Divisão de Ginecologia do Departamento de Tocoginecologia da Unicamp, e responsável pelo Ambulatório de Infecções Genitais do Caism (Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher).

A função desse microbioma é manter o equilíbrio desse ambiente, preservando a saúde local, protegendo-o da contaminação e proliferação de micro-organismos. Além disso, a depender dos níveis hormonais, o fluxo tem um papel na locomoção dos espermatozoides, facilitando a fecundação.

Como identificar alterações no fluxo vaginal

Apesar dessa natural proteção local, a anatomia feminina é propicia às infecções, já que a vagina é um orifício aberto situado próximo do ânus e da uretra. A atividade sexual também colabora para que algum germe oportunista se instale, causando algum problema.

Como o fluxo vaginal se altera ao longo do mês, pode ser difícil reconhecer alguma anormalidade. Porém, é bom saber que mudanças no aspecto do conteúdo vaginal geralmente são acompanhadas por ardor, coceira, dor durante as relações sexuais, dor ao urinar ou na parte inferior do abdome. Nesse caso, o corrimento poderá ter as seguintes características:

  • É mais abundante do que o normal;
  • É mais grosso que o habitual;
  • Tem aspecto de pus;
  • Tem aparência de nata de leite;
  • Tem cor de lavado de carne (vermelho desbotado/marrom), é esverdeado, amarelo ou contém sangue;
  • O cheiro característico desapareceu e agora é fétido (odor de peixe).

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Por que isso acontece?

De acordo com Luiz Felipe Dziedricki, ginecologista e obstetra, professor da Faculdade de Medicina da PUC-PR, muitos fatores podem estar envolvidos no aparecimento de corrimentos anormais.

"Pode ser um corpo estranho, o uso de hormônios, o próprio período fértil e até gestação, entre outras situações", fala o especialista. "Até mesmo o passar do tempo pode se relacionar ao problema, já que alterações hormonais, como as da menopausa, igualmente levam à redução do conteúdo vaginal", completa.

Veja a seguir outras possíveis causas relacionadas ao corrimento anormal:

  • Uso de substâncias alcalinas;
  • Roupa íntima muito apertada ou de material que não permite a "respiração" da região genital (tecidos sintéticos, como nylon);
  • Uso de duchas vaginais;
  • Uso recorrente de sabonetes e perfumes íntimos;
  • Higiene inadequada (excessiva ou insuficiente);
  • Fatores psicossexuais;
  • Dermatoses;
  • Reações alérgicas.

A maioria dos especialistas afirma que o uso diário do protetor de calcinhas também pode ter o mesmo efeito, por impedir a respiração da região genital. Contudo, um estudo da Unicamp publicado no International Journal of Gynecology & Obstetrics mostrou que essa prática não leva à alteração significante da flora vaginal. O que normalmente ocorre é que as mulheres que já têm corrimento usam os protetores para camuflar o problema —por isso há essa associação entre uma maior incidência de alterações no fluxo vaginal em mulheres que usam o protetor diário. Como não existe um consenso, o melhor é conversar com seu ginecologista para saber a frequência que você pode usar o protetor diário.

As causas e o que significa cada cor do corrimento

O desequilíbrio da flora vaginal e IST (Infecções Sexualmente Transmissíveis) se destacam nos consultórios como os causadores mais comuns de alterações no fluxo vaginal. Entenda melhor o que significa cada coloração, suas características e principal possível causa.

CORRIMENTO BRANCO AMARELADO

  • Característica Volume pequeno e inodoro.
  • Possível causa Esse é o fluxo fisiológico, ou seja, normal.

CORRIMENTO BRANCO ACINZENTADO OU AMARELADO

  • Característica Fluxo fino, odor desagradável (de peixe podre) que aumenta após as relações sexuais e no período menstrual. Há prurido e irritação.
  • Possível causa Vaginose bacteriana, que segundo os especialistas ouvidos pelo VivaBem é uma das principais causas de alteração no fluxo vaginal. O problema decorre do desequilíbrio do microbioma da região, que propícia a proliferação exacerbada de bactérias que, por consequência, alteração o pH da vagina.

CORRIMENTO BRANCO (COM ASPECTO DE NATA)

  • Característica Branco abundante, com aspecto de nata. Tende a vir associado à coceira moderada a intensa, ardor e vermelhidão local.
  • Possível causa Candidíase, doença provocada por um fungo --o Candida Albicans --, que geralmente é muito incômoda.

CORRIMENTO AMARELO ESVERDEADO

  • Característica A secreção é abundante, acompanhada de odor fétido (nem sempre), coceira, irritação e bolhas na região vaginal.
  • Possível causa Triconomíase, uma IST gerada pelo protozoário Trichomonas vaginalis. O corrimento é amarelo esverdeado, mas no exame físico pode ser observada uma aparência espumosa. A doença pode alterar ou não o odor local.

CORRIMENTO MARROM OU COM SANGUE

  • Característica Presença de sangue, com fluxo fino ou espesso.
  • Possível causa O tom marrom escuro ocorre no começo ou no final da menstruação e é normal. Já o corrimento com cor semelhante ao da água que escorre de uma carne lavada, que também parece um vermelho desbotado, pode ser provocado por alterações hormonais ou neoplasia (tumor), que precisa ser investigada.

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Quando é hora de procurar ajuda?

Toda vez que você se sentir desconfortável com a umidade vaginal, o que compreende seu volume, cor, cheiro ou qualquer outro motivo.

Além disso, é preciso saber que há um número considerável de doenças vaginais que não apresentam sintomas, como a clamídia, a ureaplasma e a micoplasma. Os especialistas sugerem que se faça uma visita ginecológica duas vezes ao ano. Nelas, você deve questionar o médico sobre a necessidade de ser feita uma pesquisa para essas doenças assintomáticas.

Como é feito o diagnóstico?

No consultório, após ouvir a queixa da paciente, o médico deve fazer o exame ginecológico para avaliar o conteúdo vaginal. A depender de como o consultório é equipado, alguns médicos podem até colher o material na mesma hora para analisá-lo no microscópio. Contudo, em grande parte das vezes, são solicitados exames específicos.

Como é o tratamento

Cada causa tem um esquema de tratamento, mas geralmente ele é medicamentoso, por via oral (comprimido) ou local (cremes vaginais). Os fármacos comumente usados são antifúngicos ou antimicrobianos específicos. Orientações sobre hábitos de vida também podem compor a estratégia terapêutica.

"Evite se automedicar ou fazer consultas por telefone, apenas descrevendo seus sintomas ao médico ou farmacêutico", adverte Patrícia Pereira dos Santos Melli, médica assistente-doutora do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia do HCFMRP/USP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo). "O uso de uma medicação inadequada pode destruir a flora local, o que traria mais prejuízos à paciente", diz.

Dá para prevenir?

A própria anatomia feminina torna as mulheres muito vulneráveis aos corrimentos anormais. Portanto, mesmo que sejam adotados cuidados preventivos, eles podem aparecer. Para reduzir as chances de uma infecção, o Guia de Higiene Feminina da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) indica principalmente as seguintes medidas:

  • Use camisinha;
  • Fique atenta à higiene após a evacuação e relações sexuais;
  • Escolha sabonete neutro e, de preferência, líquido para lavar a região íntima;
  • Evite o uso de sabonetes perfumados;
  • Prefira papel higiênico sem perfume;
  • Use com moderação lenços umedecidos;
  • Evite duchas vaginais;
  • Reduza o uso de protetores de calcinha ao mínimo possível;
  • Diminua os banhos de espuma;
  • Escolha sabões e amaciantes suaves para lavagem da roupa íntima;
  • Certifique-se de que a roupa íntima está totalmente seca antes de usar e que ela secou em local arejado e seco;
  • Evite usar talcos;
  • Atente-se à escolha do vestuário - eles devem ser confortáveis e permitirem ventilação da área genital. Roupas de algodão cumprem bem esse papel;
  • Converse com seu médico para saber com que frequência pode usar absorventes diários;
  • Nunca consuma antibióticos sem orientação médica;
  • Colabore com o equilíbrio do sistema de defesa do seu corpo, mantendo uma dieta equilibrada, dormindo bem, reduzindo o consumo de álcool e tabaco;
  • Adote medidas de controle do estresse.

Fontes: Rose Luce Gomes do Amaral, professora da Divisão de Ginecologia do Departamento de Tocoginecologia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), responsável pelo Ambulatório de Infecções Genitais do CAISM (Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher) da Unicamp; Patrícia Pereira dos Santos Melli, médica assistente-doutora do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia do HCFMRP/USP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo); Luiz Felipe Dziedricki, ginecologista e obstetra, professor da Faculdade de Medicina da PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná). Revisão técnica: Rose Luce Gomes do Amaral.

Referências: Guia Prático de Condutas - Higiene Genital Feminina/Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia); Swetha Venugopal, Kannan Gopalan, Asha Devi, e A. Kavitha. Epidemiology and clinico-investigative study of organisms causing vaginal discharge. Indian J Sex Transm Dis AIDS. 2017; Giraldo, PC; Gomes do Amaral, RL; Juliato, C; Eleutério, J JR; Brolazo, E; Gonçalves, AK - The effect of "breathable" panty liners on the female lower genital tract. International Journal of Gynecology and Obstetrics, 2011.