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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Louco por compras ou doces? Entenda quando um comportamento é compulsão

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Imagem: iStock

Simone Cunha

Colaboração para o VivaBem

03/09/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Compulsões são comportamentos repetitivos para diminuir ou eliminar a ansiedade ou o desconforto associado às obsessões
  • A compulsão não está restrita ao uso de drogas e álcool, podendo estar relacionados a qualquer atividade que cause prazer
  • Os vícios têm a ver com a presença de um prazer positivo, um bem-estar inicial que começa pelos hábitos

Todo mundo tem preferências e gostos pessoais e, algumas vezes, exagera um pouco na dose. No entanto, isso não é motivo para preocupação, assim como gastar um pouco mais no shopping ou comer uma caixa inteira de chocolate em um dia meio baixo astral. Porém, existe um tipo de comportamento patológico que pode estar associado a uma série de transtornos, por isso não pode ser subestimado e merece diagnóstico correto: a compulsão.

Compulsões ou rituais compulsivos são comportamentos repetitivos ou atos mentais que a pessoa se sente compelida a executar para diminuir ou eliminar a ansiedade ou o desconforto. Portanto, para que seja caracterizada doença, precisa estar associada a outros comportamentos disfuncionais e causar sofrimento para o indivíduo que apresenta a compulsão e/ou terceiros envolvidos.

Para detectar o problema é essencial um diagnóstico clínico mediante relato do paciente e/ou terceiros envolvidos. E o quadro clínico é formado pela incapacidade de controlar a repetição do comportamento e a sensação de incompletude quando tal repetição não é exercida por completo.

Com o tempo e frequência, o comportamento compulsivo acontece sem nenhuma causa e /ou motivo. E é possível que uma pessoa transfira uma compulsão para outra: da compulsão alimentar para alcoolismo, compulsão por compras, jogos, atividade física, entre outros. Por isso, é importante tratar o ato compulsivo em si. "É preciso identificar que há um comportamento compulsivo, mas se a pessoa vai continuar com o comportamento ou deixa-lo depende do quadro maior em que está inserida essa compulsão", explica o psiquiatra Fernando Fernandes, pesquisador do Programa de Transtornos do Humor do IPq-HCSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo)

O que motiva o problema?

Esses comportamentos não estão restritos ao uso de drogas e álcool, podem estar relacionados a qualquer atividade que cause prazer. No entanto, dependentes de drogas também manifestam esse tipo de comportamento. Na prática, essa repetição comportamental pode acontecer por uma variedade de causas, que interagem entre si.

E são considerados fatores genéticos, ambientais, psicológicos e, por vezes, relacionados ao objeto alvo da compulsão. Mas é importante reforçar que, algumas drogas de abuso, quando alvo da compulsão, podem reforçar o comportamento devido ao adoecimento bioquímico cerebral causado pela dependência química. Aliás, o açúcar, o jogo com apostas ou o uso da internet e do celular, em alguns indivíduos, também são capazes de agir dessa forma.

Identificando a doença

Uma pessoa será considerada compulsiva quando o nível de envolvimento com determinado comportamento passa a comprometer outros aspectos da sua vida como sua produtividade, condição financeira, vida social e relacionamentos. Normalmente, a compulsão surge acompanhada de forte desejo, com senso de descontrole antes e durante a compulsão, e um sentimento de culpa pós-ação.

Portanto, se isso se transforma em um padrão, qualquer mínimo problema é desculpa para repetir o comportamento ou o uso da substância. Também é importante lembrar que na área da dependência e compulsão são comuns os casos de comorbidade. Sintomas ou queixas que caracterizam depressão, ansiedade, esquiva, preocupação excessiva, alteração no sono, transtornos alimentares podem ser encontrados.

É fundamental buscar tratamento

O diagnóstico pode ser difícil, afinal as pessoas têm vergonha em assumir tais comportamentos, com medo de serem julgadas, podendo demorar para procurar tratamento adequado. Mas, após diagnóstico, o tratamento deve ter um olhar multidisciplinar, sendo que pode levar um bom tempo para obter resultados satisfatórios. Além disso, para cada tipo de ato compulsivo haverá um diagnóstico e uma estratégia de tratamento diferente.

1. Psicoterapia
Essa abordagem favorece que o profissional conheça o paciente e o ambiente no qual ele está inserido, identificando os potenciais estímulos que representam gatilhos que incentivem a compulsão. A partir dessa análise, considera-se trabalhar o processo cognitivo e o significado das situações, ajudando-o a adotar um novo padrão de comportamento a partir do desenvolvimento de novas alternativas para lidar com os sentimentos frente as situações/gatilho para comportamento compulsivo.

2. Medicamentos
O uso de medicamentos também pode ser utilizado como um complemento à psicoterapia. Uma avaliação criteriosa para definir qual medicação e dosagem adequada necessariamente precisa ser feita por um profissional especialista, que irá avaliar não só os efeitos positivos, mas os potenciais efeitos adversos.

Compulsão X Vício

É muito importante compreender a diferença entre vício e compulsão. Os vícios, não inatos, se tornam repetitivos e fixos. Observa-se que se consolidam na memória, criando um caminho sólido no sistema nervoso, de modo que, em cada dada situação irá responder do modo padronizado. Já as compulsões correspondem a hábitos específicos que se perpetuam apesar de terem um caráter frequentemente inconveniente ou mesmo nocivo.

O vício costuma estar ligado a um fortalecimento ainda maior das conexões neuronais típicas de dificuldades das pessoas para se livrar deles, posto que, ao menos numa primeira fase, provocam enorme prazer, sendo que os efeitos nocivos só costumam aparecer depois de muito tempo. Nem todos os vícios implicam dependência química, porém parece que todos os vícios têm a ver com a presença de um prazer positivo, um bem-estar inicial que começa pelos hábitos.

Fontes: Carolina Hanna, psiquiatra do Hospital Sírio-Libanês; Christiane Karam, psicóloga da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein; e Fernando Fernandes, psiquiatra e pesquisador do Programa de Transtornos do Humor do IPq-HCSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo).