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Nova demência se confunde muito com Alzheimer; como diferenciar?

Um estudo descobriu que 15% a 20% dos casos de Alzheimer na verdade são outra doença, a Late - iStock
Um estudo descobriu que 15% a 20% dos casos de Alzheimer na verdade são outra doença, a Late Imagem: iStock

Gabriela Ingrid

Do VivaBem, em São Paulo

12/08/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Late é uma demência descoberta recentemente que tem os mesmos sintomas do Alzheimer
  • Ela ocorre devido ao acúmulo no cérebro de uma proteína chamada TDP-43, o que afeta a capacidade de memória e pensamento
  • Já no Alzheimer ocorre a concentração da proteína tau e do peptídeo beta-amiloide
  • Como outras demências, a Late não tem cura, mas sua descoberta pode ajudar na evolução do tratamento dessas doenças

É só um idoso apresentar diversos episódios de esquecimento que o diagnóstico pula da boca da família: é Alzheimer. Mas nem sempre sintomas como perda de memória significam que o indivíduo tem a doença, tipo mais comum de demência e que o Ministério da Saúde estima afetar cerca de 1,2 milhão de brasileiros. Na verdade, de acordo com um estudo recente, de 15% a 20% dos casos que muitos acreditam ser Alzheimer são, de fato, uma nova forma de demência, chamada Late.

"Mais de 200 vírus diferentes podem causar o resfriado comum. Então, por que pensamos que há apenas uma causa e tipo de demência?", diz Peter Nelson, autor principal da pesquisa e cientista da Universidade de Kentucky (EUA).

A Late, assim como o Alzheimer, costuma aparecer em idosos e está associada a uma aglomeração de moléculas que prejudicam o funcionamento da região do cérebro responsável pela memória. Mas, enquanto o Alzheimer tem como marcadores o peptídeo beta-amiloide e a proteína tau, a Late tem relação com o acúmulo da proteína TDP-43.

Em sua forma saudável, o TDP-43 ajuda a regular a atividade gênica no cérebro. Mas quando essa proteína é produzida em excesso, ela forma aglomerados que prejudicam o funcionamento dos neurônios. Em 2006, por exemplo, ela foi associada a outra doença degenerativa, a esclerose lateral amiotrófica (ELA). Mas essa é a primeira vez que seu acúmulo é relacionado a problemas de memória.

Qual a diferença entre demência, Alzheimer e Late?

Antes que se faça mais confusão entre o que é Alzheimer, demência ou Late, é bom esclarecer que tanto o Alzheimer quanto a Late são um tipo de demência.

"Demência é um conjunto de doenças em que há declínio de duas ou mais funções cognitivas (memória, pensamento, orientação, capacidade de aprendizagem, linguagem e julgamento) com consequente comprometimento da capacidade de realizar tarefas de vida diária", explica Débora Pastore Bassitt, psicogeriatra coordenadora da enfermaria de geriatria do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).

Além do Alzheimer e da Late, ainda existem várias demenciais, como a vascular, causada por derrames e isquemias, a demência de Corpos de Lewy, que costuma ter sintomas parecidos com o Parkinson, e a frontotemporal, que tem características como falhas progressivas da linguagem ou perda de inibição e deixa a pessoa mais agressiva, inadequada, sexualizada.

O cérebro de alguém com Alzheimer (à esquerda) comparado ao de alguém sem a doença (à direita) - Science Photo Library - Science Photo Library
O cérebro de alguém com Alzheimer (à esquerda) comparado ao de alguém sem a doença (à direita)
Imagem: Science Photo Library

E já que todas essas doenças são um tipo de demência, elas podem ocorrer ao mesmo tempo, gerando o que os médicos chamam de "demência mista". A mais comum de todas é a coexistência do Alzheimer com as sequelas de acidente vascular cerebral (AVC).

Como saber o que é Late e o que é Alzheimer?

Para ter certeza definitiva se o que o indivíduo tem é Alzheimer ou Late, seria necessário abrir o cérebro dele e verificar a existência de acúmulo de beta-amiloide ou emaranhados de tau, para a primeira doença, ou uma abundância de TDP-43, para o diagnóstico preciso da segunda condição.

"Mas como isso não é possível, realizamos o diagnóstico provável e progressivo", diz Álvaro Pentagna, neurologista do Hospital São Luiz Itaim. O médico, na verdade, faz uma avaliação do histórico do paciente, além de testes cognitivos e exames de imagem. "Também é preciso descartar causas secundárias para os sintomas de falhas cognitivas e comportamentais, como hepatites virais e deficiência de vitamina B12."

Além de os marcadores serem diferentes, na Late os problemas de perda de memória começam a ocorrer a partir dos 80 anos —enquanto no Alzheimer tendem a surgir por volta dos 65.

O que as novas descobertas significam

Atualmente não há cura para o transtorno neurocognitivo maior, como é chamada a demência. Mas alguns remédios ajudam a tratar os sintomas e a melhorar a qualidade de vida do paciente durante a progressão da doença.

De acordo com Paulo Bertolucci, chefe do setor de neurologia do comportamento e professor titular da disciplina de neurologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), estudos como esse da Late são um passo importante em busca de maior eficácia no tratamento das demências.

"Até agora, as medicações criadas para bloquear a progressão do acúmulo de moléculas responsáveis pelo Alzheimer, principalmente a beta-amiloide, por exemplo, deram errado. A descoberta da relação da TDP-43 com os sintomas pode explicar os motivos das falhas nos tratamentos e eventualmente levar a outros mais eficientes e específicos", diz o neurologista.

Alzheimer, beta-amiloide - iStock - iStock
O acúmulo de beta-amiloide no cérebro é uma das causas do Alzheimer
Imagem: iStock

Segundo o médico, ainda não está claro qual a contribuição dessa proteína nos problemas cognitivos, mas só de a ciência conseguir identificar se a causa é beta-amiloide, tau ou TDP-43, já é um avanço.

"Com o diabetes foi a mesma coisa. Demoramos até entender que essas pessoas tinham baixa produção de insulina. Mas agora conseguimos controlar a doença. Com o Alzheimer ou a Late será assim. Um dia chegaremos lá", diz Bertolucci, esperançoso.

Pentagna afirma que a descoberta da Late não muda, na prática, o diagnóstico do Alzheimer e outras demências. Mas o estudo ajuda a ciência a encontrar o caminho certo para o melhor tratamento. "Estudos como este ainda são frustrantes, pois não respondem muita coisa, afinal, estamos engatinhando. Mas estamos indo para o lugar certo. Uma hora encontramos qual a pergunta certa que devemos fazer."

Nelson, um dos autores do estudo que revelou a Late, compara a pesquisa à descoberta da eletricidade: "As pessoas tinham visto raios antes, é claro, mas Benjamin Franklin ajudou a formalizar um conceito que aumentou nossa capacidade de estudar eletricidade". Segundo o cientista, ao desenvolver um senso de foco científico em torno desses dados, os pesquisadores esperam iniciar um amplo campo de trabalho para avançar nossa compreensão dessa forma de demência e, finalmente, abrir novas oportunidades de tratamento.

"A Late provavelmente responde a tratamentos diferentes do Alzheimer, o que pode ajudar a explicar por que tantos remédios falharam em testes clínicos", diz Nelson. "Agora que a comunidade científica está na mesma página sobre a Late, pesquisas adicionais sobre o 'como' e 'por que' podem nos ajudar a desenvolver drogas específicas para a doença que tenham como alvo os pacientes certos."

Enquanto isso, resta às pessoas focar na prevenção. "Medidas gerais de saúde, como parar de fumar, fazer exercícios físicos regularmente, manter o peso ideal, controlar doenças cardiovasculares e fazer dietas adequadas, têm importante papel na prevenção de demências em geral", diz Bassitt. "Em países desenvolvidos houve queda de 15% de novos casos em uma década".