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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


O lado B de ser sensível e o que fazer para não sofrer tanto com isso

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Imagem: iStock

Cristina Almeida

Colaboração para o UOL VivaBem

09/08/2019 04h00

Homem algum é uma ilha. A frase, atribuída ao escritor inglês John Donne, revela que o isolamento faz mal porque é da natureza humana viver em comunidade. Afinal, foi a partir desta que os humanos evoluíram e tiveram maiores chances de prosperar. Escrita há mais de 500 anos, essa máxima continua atual, mas não contemplou um ponto importante: lidar com os outros pode ser um desafio imenso, especialmente para pessoas muito sensíveis.

Há mais de duas décadas, dois psicólogos americanos, Elaine N. Aron e Arthur Aron, observaram que 15% a 20% da população apresentam um perfil de alta sensibilidade ambiental. Para eles, esses indivíduos podem ser definidos como pessoas altamente sensíveis (PAS). A partir da análise de determinadas características, o casal concluiu que ser tão vulnerável pode revelar uma predisposição genética à hipervigilância.

Em razão desse estado de alerta, as PAS respondem de forma exagerada a todo tipo de estímulo. Barulhos, conversas, mudanças de temperatura, pessoas, odores, a crítica do chefe ou mesmo um post no Instagram podem se tornar tão incômodos e desagradáveis que levam a alterações de humor e até mesmo à mudança de ambiente.

A jornalista Silvia Martins, de São Paulo, conta que, no trabalho, basta uma conversa, um telefone tocar ou um ruído na rua para que ela seja afetada. "Isso incomoda, dá dor de cabeça e a sensação que tenho é a de que estou doente. Não consigo trabalhar nem fazer coisas que gostaria só para evitar pegar o metrô ou estar no meio das pessoas em um show", diz. O fato é que essa reação emocional tem outro lado: ela é sempre vista pelos outros como desproporcional e isso cria um ruído nas relações.

Um conceito dinâmico

Segundo os psicólogos americanos, a mecânica por trás desse comportamento seria o fato de que o Sistema Nervoso Central (SNC) absorve, processa e organiza as informações de forma diferente. Contudo, a comunidade científica questionou essa teoria, sobretudo porque ela bate de frente com aquilo que se considera ser sensível: esta forma de ser não admite uma definição estática. Ao contrário, seu conceito é dinâmico e varia, a depender de uma série de diferentes fatores individuais.

Na verdade, a nossa personalidade se desenvolve a partir de fatores biológicos (temperamento) --que herdamos de nossos pais -- e ambientais (caráter), que atuam sobre a nossa biologia fazendo que essas características sejam exacerbadas ou atenuadas. A partir desses fundamentos é que nossa personalidade se moldará de forma mais introspectiva ou extrovertida, e nos tornaremos mais ou menos vulneráveis aos desafios da vida.

Nas pessoas extremamente sensíveis, "o que está sempre presente é uma grande insegurança e até mesmo uma ansiedade, cujas raízes se fincam nas experiências da infância", diz Yuri Busin, psicólogo especializado em Neurociência do Comportamento e diretor do CASME (Centro de Atenção à Saúde Mental - Equilíbrio). Aliás, o casal Aron afirma que as PAS, quando crianças, nunca passaram desapercebidas e, em algum momento, foram definidas por pais, professores e familiares como "diferentes" e "sensíveis".

Sensível demais: como lidar

O casal Aron afirma que quando uma pessoa se identifica como sendo uma PAS, ela necessita trabalhar quatro situações específicas: autoconhecimento, ressignificação (dos fatos do passado), "cura" e estratégias de proteção e prevenção. Veja as dicas dos psicólogos consultados nesta matéria que você pode adotar a partir de hoje para minimizar os efeitos negativos de ser sensível demais:

- Libere-se do preconceito Saúde mental não é o oposto de loucura. Caso sinta que precisa de ajuda, procure um profissional. Um psicólogo pode guiá-lo na identificação dos aspectos que estão atrapalhando a sua qualidade de vida. Há serviços de psicologia até no SUS (Sistema Único de Saúde), e o CFP (Conselho Federal de Psicologia) dispõe de um cadastro de psicólogos que fazem atendimento on-line no site https://e-psi.cfp.org.br/. Isso para o caso de o acesso a esses profissionais ser mais difícil para você;

- Foque no presente Umas das ferramentas utilizadas pela TCC (Terapia Cognitivo Comportamental) é a prática do Mindfulness. A técnica estimula a focar no momento presente, direcionando a atenção no que está acontecendo agora, e deixando de lado os pensamentos e as emoções desordenadas;

- Desenvolva habilidades interpessoais O autoconhecimento tem também como benefício o aprendizado necessário para ter e manter relacionamentos mais estáveis e respeitosos;

- Trabalhe as emoções Ao saber como reconhecer suas emoções, você será capaz de controlar as respostas aos estímulos exteriores;

- Aprenda a lidar com a dor e o sofrimento Estresse, frustrações, perdas e dor fazem parte da vida. Ninguém é aprovado o tempo todo, ninguém é aceito o tempo todo. Aceitar as coisas como elas são reduz a carga emocional dos acontecimentos do cotidiano.

O lado B da sensibilidade

Ser sensível permite perceber de uma maneira intensa as boas coisas da vida, mas vivenciar as situações e sentimentos de forma exagerada gera uma situação de instabilidade comportamental, interpessoal e cognitiva, o que pode ser causa de muito sofrimento.

O neurologista Fábio Porto, do IPq-HCFMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), alerta que é importante não desprezar esse tipo de manifestação. "Isso porque essa hiperreatividade emocional pode não ser apenas um aspecto de determinado temperamento, mas relacionar-se a problemas nas funções reguladoras dos sistemas cerebrais". Ele se refere, especificamente, a um dos sintomas do Transtorno de Personalidade Borderline (TPB).

Será que sou borderline?

"Essa é uma hipótese possível. Contudo, tal tese não pode se fundamentar em apenas um sinal", observa Wilson Vieira Melo, doutor em psicologia e presidente da FBTC (Federação Brasileira de Terapias Cognitivas). O especialista acrescenta que somente um psiquiatra ou psicólogo podem avaliar se este é o caso, especialmente porque outros sintomas do TPB devem ser investigados. Confira alguns deles a seguir:

  • Instabilidade nos relacionamentos;
  • Extremos de idealização e desvalorização;
  • Problemas com a autoimagem;
  • Medo do abandono e da rejeição por parte de parceiros, familiares amigos;
  • Impulsividade;
  • Comportamentos mutilatórios ou parassuicidas;
  • Sentimento crônico de vazio;
  • Pensamentos paranoides ou persecutórios transitórios;
  • Raiva intensa aflorada etc.

Fontes: Wilson Vieira Melo, presidente da FBTC (Federação Brasileira de Terapias Cognitivas) e doutor em Psicologia pela UFRS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), com estágio na Universidade de Virgínia (EUA); Yuri Busin, psicólogo, doutor em Neurociência do Comportamento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e Diretor do Centro de Atenção à Saúde Mental - Equilíbrio (CASME); Fábio Porto, neurologista do IPq-HCFMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo). Revisão técnica: Wilson Vieira Melo. Com informações de: The Highly Sensitive Person, de Elaine N. Aron (Ed. Broadway); Hedda B. Wyller et alli. The relationship between sensory processing sensitivity and psychological distress: A model of underpinning mechanisms and an analysis of therapeutic possibilities. Scand Psychologist. 2017.