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Por que a maioria das mulheres não tem orgasmos?

O que é necessário para a mulher sentir prazer?  - Getty Images
O que é necessário para a mulher sentir prazer? Imagem: Getty Images

Gabriela Ingrid

Do UOL VivaBem

06/09/2018 04h00

Se você conhece alguma mulher que nunca teve um orgasmo ou até mesmo é uma delas, acredite, infelizmente o problema é mais comum do que se pensa. De acordo com um estudo realizado entre diferentes universidades norte-americanas e publicado no periódico Archives of Sexual Behavior em janeiro de 2018, as mulheres heterossexuais são o grupo que chega menos vezes ao orgasmo: somente 65% das vezes que mantêm relações. Por outro lado, no primeiro lugar estão os homens heterossexuais, com uma porcentagem de orgasmos de 95%, seguidos pelos gays (89%), os homens bissexuais (88%), as lésbicas (86%) e as mulheres bissexuais (66%).

Já que as mulheres lésbicas têm 20% mais chances de chegarem lá, supõe-se que o problema não tem nada a ver com biologia, afinal, elas são mulheres também. Mas então, o que de fato está por trás desses números?

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Estudos sobre orgasmo são recentes

Demorou muito tempo até a ciência levar a sério o orgasmo feminino. Enquanto o ápice do prazer entre os homens é estudado desde meados de 1930, as mulheres só foram ser estudadas de fato durante um orgasmo em 2011. Naquele ano, a repórter Katy Sukel se masturbou até alcançar o máximo de excitação sexual enquanto seu cérebro era mapeado por uma máquina de ressonância magnética.

Orgasmo feminino - iStock - iStock
Dificilmente a mulher acessa esse lugar mais selvagem, onde que ela se permite
Imagem: iStock

Os resultados mostraram a ativação do córtex pré-frontal durante a masturbação e enquanto ela realizava apenas exercícios mentais nos quais ela imaginava se tocar. A equipe de cientistas da Universidade Rutgers, nos Estados Unidos, responsável pelo estudo, foi a primeira a mostrar uma ativação dessa área no orgasmo feminino.

As pesquisas sobre o tema são tão recentes que pouco se sabe sobre os mecanismos do prazer entre as mulheres. Enquanto o prazer dos homens está relacionado à ejaculação e, consequentemente, à reprodução, por mais que ainda faltem estudos para comprovar, a estimulação sexual feminina é estritamente reservada para o deleite da mulher. "O orgasmo apenas deixa a penetração mais fácil, já que os músculos da pelve se contraem, o sangue é desviado para essa região, aumentando a lubrificação vaginal", explica Lucila Pires Evangelista, ginecologista da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein.

Segundo a médica, existe uma controvérsia se ele poderia também acelerar a ovulação, mas a parte hormonal da fisiologia da ovulação é tão complexa que o recrutamento dos óvulos já se inicia no ciclo menstrual anterior. "Provavelmente não poderia se resumir a alguns minutos de excitação sexual."

Apesar da falta de certezas, do material escasso que existe sobre o orgasmo feminino, o clitóris revelou ser o protagonista desse cenário.

Um estudo publicado em agosto de 2017 no periódico The Journal of Sex and Marital Therapy descobriu que aproximadamente 37% das mulheres precisam de estimulação clitoriana para chegar ao orgasmo, em comparação às 18% de mulheres para as quais a penetração vaginal é suficiente para fazê-las gozar.

O clitóris é o único órgão do corpo cuja função é estritamente proporcionar prazer. E não pense que ele é apenas aquela parte visível, chamada glande. Ao todo, ele mede de 9 a 11 cm e também é constituído por crura, bulbo e corpo cavernoso.

Clitóris quem?

Ao longo da história, o clitóris é pouco mencionado. E há quem diga que está aí um dos culpados pela falta dos orgasmos femininos. Enquanto os homens são incentivados desde pequenos a desenvolverem seu lado sexual e a manipular o órgão genital, as mulheres ainda crescem em meio a muitos tabus que dificultam se soltar na hora da transa. "A elas é ensinado que não se pode ter autonomia sexual. Desde pequenas, sentem o peso da repressão, crescem em meio a piadas constrangedoras, brincadeiras pejorativas em relação a sexo, etc.", constatou Ana Cláudia Simão, psicóloga sexual e de casal, em uma entrevista para a matéria "Como o autoconhecimento pode ajudar as mulheres a terem um orgasmo".

Anatomia Clitóris - Priscila Barbosa/Universa - Priscila Barbosa/Universa
Você conhece o seu clitóris? O órgão genital feminino ainda é um mistério para muitas mulheres
Imagem: Priscila Barbosa/Universa

De acordo com Mariana Stock, psicanalista, sociopsicóloga, terapeuta orgástica e fundadora da Prazerela, um espaço que oferece múltiplas atividades focadas no prazer feminino, a falta de conhecimento do próprio corpo por parte das mulheres é uma questão cultural.

"Eu criei a Prazerela para que as mulheres reflitam sobre esse assunto e falem sobre isso. O prazer feminino foi muito reprimido e a sociedade não tem interesse nenhum em fazer as mulheres o encontrarem", comenta a especialista. De acordo com ela, o que interessa é que elas estejam à serviço do prazer alheio --no caso, do homem. E o momento em que as mulheres percebem a própria capacidade múltipla de gozar, é um estouro. "Não tem nem a ver só com sexo. É libertação, melhora a autoestima, estimula a clareza dos seus limites, faz você saber dizer não."

A casa, classificada como um local de resistência feminina pela fundadora, é importante porque é um espaço em que as mulheres se sentem seguras para refletir e criar repertório sobre o tema. "Num mundo em que tudo vai para esse lugar do pecaminoso, profano e de coisa feia, as mulheres morrem de medo de se conhecerem. Para elas, há uma linha tênue entre a mulher que goza e a que é uma puta", crava Stock.

Segundo ela, a maioria das mulheres que frequentam os cursos teóricos sobre autoconhecimento --também apresentados por mulheres -- chega achando que está tudo bem, mas quando começam a debater sobre o que é ser mulher, percebem que há muitas coisas erradas. "Após acessarem uma íntima parte do potencial do prazer com a ajuda das terapeutas, as alunas se aventuram numa terapia orgástica", conta Stock.

Anatomia Clitóris 2 - Priscila Barbosa/Universa - Priscila Barbosa/Universa
Compreender o próprio corpo é uma das chaves para sentir mais prazer
Imagem: Priscila Barbosa/Universa

Prazer sem fantasia

Quem nunca ouviu que a mulher sente um prazer muito mais emocional do que o homem? Mas será que é assim mesmo? "A velocidade de resposta ao estímulo sexual é menor nas mulheres", explica Flávia Fairbanks, ginecologista e obstetra formada pela Faculdade de Medicina da USP e com pós-graduação em Sexualidade Humana pela FMUSP. "Essa diferença, no entanto, não se refere, exclusivamente, às questões anatômicas (que são importantes, mas, de fato, estando tudo normal não impossibilitariam ou dificultariam o orgasmo). A resposta sexual feminina é complexa, multifatorial e facilmente sujeita à interrupção".

Entre as interrupções estão as próprias barreiras às quais as mulheres são condicionadas desde pequenas. "A mulher aprendeu que o prazer é psicogênico, que ela precisa vestir uma fantasia, pensar em algo, estar numa cena suja para se autorizar a gozar. Ela não goza com o corpo e sim com a fantasia", diz Stock.

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Segundo Fairbanks, para se despir dessas amarras, o autoconhecimento de seu próprio corpo e o bom controle psicológico são fundamentais para a melhora da qualidade de vida sexual. Por isso, manter a saúde física e emocional bem cuidada é a grande dica para aumentar a capacidade de obter prazer. "Não existe fórmula mágica. A parceria sexual de qualidade também é de extrema importância na abordagem sexual adequada, logo, envolver seu companheiro (quando esse existir e estiver disponível) em sua vivência sexual plena pode ser muito gratificante."

Orgasmo ativa regiões das emoções - iStock - iStock
A mulher aprendeu que o prazer é psicogênico, que ela precisa vestir uma fantasia
Imagem: iStock

Stock conta que as mulheres que conseguem ter algum orgasmo geralmente têm espécies de "espirros orgásticos". Segundo ela, mesmo que elas gozem, é um milésimo do potencial delas. O orgasmo potente acontece quando a gente se autoriza. Ele precisa ativar sistema nervoso autônomo (SNA), que só funciona quando não estamos no estado de vigília, medo, ameaça ou controle.

"O SNA opera quando estamos entregues, relaxadas, confiantes, sabendo que não vamos ser abusadas, que não estamos correndo risco... Mas em que momento estamos assim?", diz a terapeuta.

A ginecologista Lucila Evangelista concorda que corpo e mente devem entrar em comum acordo. "As duas coisas estão profundamente interligadas. O clitóris dá à mulher a capacidade fisiológica de ter orgasmos, inclusive múltiplos, porque depois que ela alcança um nível de excitação sexual chamado de plateau, é muito mais rápido e fácil ter um novo orgasmo", explica ela. O problema é que, apesar de o período refratário da mulher ser muito curto, ao contrário do homem, a resposta inibitória psicológica da mulher é muito forte, ou seja, se você não estiver aberta para senti-lo, não chegará lá."

É por isso que conversar sobre o assunto e se conhecer é uma forma de se sentir mais a vontade. Despir-se por completo dos julgamentos e da culpabilização é difícil, mas um trabalho essencial para o autoconhecimento.

Dificilmente ela acessa esse lugar mais selvagem, em que ela se permite. Só o fato de falarem sobre isso, já gera reflexão profunda e transformadora. "A conversa mostra que é possível uma mudança de perspectiva de passiva para um lugar de empoderamento, de potência. Um lugar político mesmo, de autonomia feminina", diz Stock.

De acordo com Evangelista, do ponto de vista físico, não existe efeito deletério direto na falta de orgasmos. Mas a satisfação sexual é um componente importante da sensação de bem-estar de uma pessoa, e, se esta parte fundamental da vida é bloqueada ou reprimida, ela estará mais vulnerável a problemas psicológicos que afetam profundamente a imunidade e consequentemente a saúde.

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