Mostra "cega" público por 45 minutos e tem deficientes visuais como guias
Como míope desde criança, com pouco mais de sete graus em um olho e quase seis no outro, tenho um pesadelo recorrente: de repente, perco os óculos enquanto ando por uma movimentada avenida e fico, desnorteada, tentando encontrar o caminho de volta para casa. Sem as minhas lentes --as de contato ou as da armação--, só enxergo vultos embaçados. À noite, as luzes dos faróis parecem mais obras de arte impressionista.
Eis que no último sábado (20) me vi cega (que ironia) por 45 minutos. Explico: fui visitar a exposição "Diálogo no Escuro", em cartaz no Unibes Cultural. A mostra propõe uma inversão de papéis. Visitantes percorrem ambientes totalmente escuros tendo como guias deficientes visuais.
Ao chegar à porta que leva ao local onde a vivência ocorre, fui apresentada aos meus companheiros de jornada, Fabiana e Pietro --não há um mínimo de pessoas para entrar, mas cada grupo deve ter, no máximo, oito pessoas. Eles se conheciam, eu estava sozinha. Antes de adentrar a sala, ouvimos algumas instruções, nossos pertences são guardados e recebemos uma bengala.
Com ela na mão esquerda enquanto a direita tateia a parede, somos convidados a iniciar. Tomei a dianteira da fila e fui seguindo pelo corredor
--que escurece a cada passo até se tornar puro breu; a partir daí, não enxergamos mais nada até o final-- em direção ao primeiro cenário.
--que escurece a cada passo até se tornar puro breu; a partir daí, não enxergamos mais nada até o final-- em direção ao primeiro cenário.
Nesse local, uma voz recepciona os convidados. A nossa, no caso, foi a do André [Ferreira, 40], um radialista que, aos 27 anos, foi acometido por um tumor cerebral que o cegou. Ele seria nossos olhos durante o trajeto. Sem visão há mais de uma década, André tem os outros sentidos bem mais apurados do que os de alguém que enxerga perfeitamente. Já está acostumado a assimilar caminhos e objetos pelo tato, por meio dos sons, por mínimos detalhes. Ali, André é rei.
Enquanto vamos andando, descobrimos cada espaço --não vou especificá-los para não estragar a experiência de ninguém--, identificamos números, ruas, frutas, ruídos, cheiros, móveis. Esbarramos uns nos outros, tocamos com cuidado e intimidade forçada mãos e rostos que não seriam tocados em um primeiro contato. Pedimos auxílio para estranhos. Eu, muito tímida, pensei que uma situação como essa me deixaria constrangida.
Estava errada. Aquele contexto desafiador me fez pensar que, no corre-corre cotidiano, esquecemos de três palavras fundamentais que os deficientes visuais precisam lembrar todos os dias: cooperação, confiança e empatia.
MAIS SOBRE A EXPOSIÇÃO
Os ingressos para a mostra "Diálogo no Escuro" custam entre R$ 10 e R$ 30, mas a visitação será gratuita durante a Virada Sustentável, evento que ocorre em todas as regiões de São Paulo desta quinta (25) a domingo (28). Para outras informações, acesse o site do Unibes Cultural.
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