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Covid-19: é correto aplicar vacina no glúteo e não no braço, como faz Joinville?

Embora o braço seja o local mais indicado, o Ministério da Saúde admite que a vacina contra a covid-19 seja aplicada em quatro regiões do corpo - Getty Images/BBC News
Embora o braço seja o local mais indicado, o Ministério da Saúde admite que a vacina contra a covid-19 seja aplicada em quatro regiões do corpo Imagem: Getty Images/BBC News

André Biernath

Da BBC News Brasil em São Paulo

23/08/2021 20h15

Em boa parte do Brasil e do mundo, não existe muita discordância quando o assunto é o local de aplicação das vacinas contra a covid-19: as doses costumam ser injetadas no braço, num músculo chamado deltoide.

Mas o assunto se transformou num enorme debate nos últimos dias após as notícias de que os cidadãos de Joinville, em Santa Catarina, recebem o imunizante na porção superior das nádegas.

O tópico ganhou repercussão no Twitter, após uma postagem da jornalista Ana Siedschlag, editora-assistente da Bloomberg Línea:

Na sequência, alguns joinvilenses fizeram questão de postar fotos do momento em que eles foram imunizados contra a covid-19.

Outros moradores do município argumentaram que a prática de tomar vacina nessa parte do corpo é algo comum e rotineiro, que foi inclusive adotado em outras campanhas de imunização no passado.

A médica Isabella Ballalai, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), confirma a informação, mas faz uma correção em relação ao local exato onde é feita a picada.

"O Estado de Santa Catarina tem como tradição aplicar as vacinas na região do ventroglúteo, que não fica nas nádegas exatamente, mas um pouco mais acima, na lateral do quadril", diz.

O importante, segundo a especialista, é que a vacina seja injetada exatamente no músculo, e não em outras camadas mais superficiais de pele ou gordura.

Os alvos prediletos

Os músculos possuem uma série de atributos que fazem deles o local perfeito para receber muitos tipos de vacinas.

Para começo de conversa, a aplicação das substâncias nesse tecido não está relacionada a efeitos colaterais graves, como uma inflamação mais séria.

A escolha do músculo específico também é importante: os especialistas sempre tentam fugir de regiões com muitos nervos ou vasos sanguíneos, para diminuir o risco de qualquer dano colateral que a introdução da agulha possa causar.

Um documento publicado em abril de 2020 pelo Ministério da Saúde indica quatro lugares específicos do corpo para a aplicação de vacinas intramusculares: o braço, a coxa, o dorsoglúteo (atrás do quadril) e o ventroglúteo (na lateral do quadril).

Na bula, a maioria dos fabricantes sugere dar preferência ao músculo deltoide, localizado no braço, pois os estudos clínicos que serviram de base para a aprovação de seus produtos foram feitos seguindo o protocolo de aplicação nessa parte dos membros superiores.

Enquanto a imunização no braço predomina em boa parte do Brasil e do mundo, o ventroglúteo tem a preferência de muitas cidades catarinenses, como Joinville.

"É preciso ter mais de uma opção para contemplar as limitações e particularidades que podemos encontrar na população. Como uma pessoa que não têm os braços tomaria a vacina se não tivéssemos essas alternativas?", questiona Ballalai.

Uma reação em cadeia

Outro motivo que faz os músculos serem um alvo ideal é a boa quantidade de células do sistema imunológico encontradas ali, que são essenciais para a construção de uma resposta contra um vírus ou uma bactéria.

Em linhas gerais, as vacinas carregam antígenos (ou trazem instruções para que o nosso próprio corpo fabrique essas moléculas).

Após a aplicação da dose, essas substâncias são reconhecidas por duas unidades que estão presentes nos músculos e integram nosso batalhão de defesa: as células fagocitárias e as células apresentadoras de antígenos.

Após o contato inicial, essas células carregam o antígeno pelos vasos linfáticos até chegarem aos linfonodos, gânglios que concentram muitas células imunológicas.

Nesse local, os tais antígenos são finalmente apresentados aos linfócitos T e B, que são responsáveis por desenvolver uma resposta imune na forma de anticorpos e de células específicas.

Assim, o organismo fica preparado para contra-atacar caso o agente infeccioso de verdade resolva aparecer.

Para facilitar e agilizar o trajeto do músculo até o local onde a resposta de defesa será incubada, a escolha por injetar a vacina no braço, na coxa ou no quadril também é estratégica: bem próximo desses lugares nós temos linfonodos maiores, que estão localizados na virilha e na axila.

Tem que acertar no alvo

Como você pode ter percebido, as nádegas não são consideradas uma boa área para aplicar as vacinas.

A explicação para isso é relativamente simples: essa região costuma ter uma camada importante de tecido adiposo, que é constituído majoritariamente por células que armazenam gordura.

Se o imunizante é injetado nessa camada gordurosa, há o risco de uma inflamação e, pior ainda, de o antígeno da vacina demorar ou não ter contato com as unidades de defesa.

Com isso, o sistema imune não consegue dar início a todo aquele processo que culmina na produção de anticorpos e respostas celulares que nos protegem contra a infecção (ou os efeitos mais graves dela).

Nessa seara, vale destacar ainda que, no contexto da covid-19, estamos lidando com vacinas de tecnologias inéditas na saúde pública, como é o caso dos imunizantes de Pfizer/BioNTech, Janssen e AstraZeneca/Oxford, cujos testes foram bastante rígidos e padronizados.

Em outras palavras, isso significa que sabemos que elas funcionam bem quando injetadas nos músculos, mas não há informações suficientes para sabermos se o efeito é o mesmo se os antígenos vão parar no tecido adiposo.

Geralmente, cada rota de imunização (nos músculos, no tecido adiposo, na mucosa oral ou nas vias respiratórias, por exemplo) gera uma resposta distinta.

Se você leu a reportagem até agora, deve estar se perguntando: por que as coxas não costumam ser destino comum das picadas de vacina na campanha contra a covid-19?

Geralmente, elas são o local preferido em crianças menores de 3 anos, que ainda não desenvolveram músculos suficientemente grandes nos braços ou no quadril. Mas a picada aqui costuma ser bem mais dolorida.

Vale lembrar também que existem outras formas de apresentação dos imunizantes: é o caso, por exemplo, das gotinhas que protegem contra a poliomielite.

Outra via alternativa, que inclusive é vista como uma promessa contra o coronavírus, é a vacina inalatória, introduzida pelo nariz. Mas ainda são necessários mais testes para comprovar a segurança e a eficácia desse método.

Uma questão de conveniência

Para muitos, aplicar a vacina no braço é algo mais fácil e prático: num primeiro olhar, parece muito mais tranquilo arregaçar a manga da camiseta ou da blusa do que baixar as calças e mostrar o topo do bumbum.

Para algumas pessoas, expor essa parte do corpo ainda pode ser algo bastante incômodo e sensível, especialmente quando a vacinação acontece em lugares públicos e abertos.

Um terceiro fator tem a ver com a rapidez da fila: ao padronizar a vacinação no braço, o processo fica mais agilizado, o que facilita o andamento da campanha, ainda mais quando falamos da necessidade de contemplar centenas de milhões de pessoas num curto espaço de tempo.

Por outro lado, quando saíram as primeiras notícias sobre a prática comum em Joinville, muita gente imaginou que a aplicação acontecia no meio das nádegas, o que não é verdade.

"Ninguém precisa ficar de bunda de fora", esclarece Ballalai.

A aplicação da dose na região ventroglútea (na lateral do quadril) só exige erguer a camiseta e abaixar um pouco as calças — para quem gosta das redes sociais, é possível postar as fotos do momento da vacinação sem qualquer constrangimento.

"Vacinar no ventroglúteo ainda tem a vantagem de ser bem menos dolorido, o que aumenta a adesão das pessoas", aponta a médica.

Apesar dos pontos positivos, a vice-presidente da SBIm destaca a importância do treinamento da equipe dos postos de vacinação.

"O profissional tem que analisar caso a caso. Em indivíduos muito obesos, pode ser mais difícil a agulha atingir o músculo da região do quadril", destaca.

Posicionamento oficial

A BBC News Brasil entrou em contato com a assessoria de comunicação da Prefeitura de Joinville, que respondeu aos questionamentos por meio de uma nota.

Os representantes do município dizem que a prática de dar a vacina contra a covid-19 na região ventroglútea acontece desde janeiro de 2021.

"Essa rotina de aplicação é a mesma realizada nas demais campanhas de imunização, como contra o influenza [vírus causador da gripe], por exemplo", escrevem.

O secretário municipal de Saúde, Jean Rodrigues da Silva, também afirma que a estratégia foi desenvolvida com base "na segurança do processo e na qualidade do atendimento".

"Em Joinville, a vacinação é realizada mediante agendamento online, em 84 salas de imunização climatizadas. Até o momento, imunizamos mais de 80% da população com mais de 18 anos com a primeira dose e seguiremos avançando", conta.

Por fim, os cidadãos que não quiserem tomar a vacina no quadril podem pedir para que a dose seja aplicada no braço.