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'Maria Tifoide', a mulher condenada a viver 26 anos em quarentena por doença assintomática

O caso de Mary Mallon (ou Maria Tifoide) ganhou notoriedade rapidamente nos meios de comunicação de Nova York - Fotosearch/Getty Images
O caso de Mary Mallon (ou Maria Tifoide) ganhou notoriedade rapidamente nos meios de comunicação de Nova York Imagem: Fotosearch/Getty Images

Boris Miranda

Da BBC News Mundo

07/03/2020 09h38

Ela era uma das mulheres mais difamadas dos Estados Unidos no início do século 20, e sua vida trágica se tornou um caso paradigmático do que são portadores assintomáticos, aqueles que carregam o vírus ou bactérias de uma doença, mas não apresentam nenhum sintoma.

Mary Mallon infectou com a febre tifoide cerca de 50 pessoas, das quais pelo menos três morreram. Só anos depois descobriu-se que ela era o elemento comum entre os muitos casos de infecção que afetaram famílias e confundiram autoridades e médicos.

Depois que foi detectado que ela carregava as bactérias infecciosas em seu corpo, Mallon se tornou a primeira portadora assintomática identificada da doença, também conhecida como febre entérica.

Marginalizada e criticada, ela até mudou de nome para continuar trabalhando.

Acabou, porém, condenada a viver em uma longa quarentena até sua morte.

História de uma imigrante

Mary Mallon era uma imigrante irlandesa que chegou aos Estados Unidos em 1883, ainda adolescente, para trabalhar como cozinheira e empregada doméstica.

Ela trabalhou inicialmente em Nova York e Long Island, onde ocorreram as primeiras infecções —mas, até aquele momento, ninguém as associava a ela.

Em 1907, já havia 30 casos sem explicação na área em que as cadeias de transmissão da doença começaram a ser rastreadas em busca da causa original.

Até aquele momento, as autoridades de saúde atribuíam o surto incomum a diferentes fatores, como água ou comida contaminadas.

Outro aspecto que alimentou a confusão foi que a febre tifoide geralmente afetava subúrbios e áreas pobres de Nova York e não, como depois começou a acontecer, lares de famílias com bons níveis de renda.

Essas famílias mais ricas podiam se dar ao luxo de ter uma empregada doméstica ou uma cozinheira, como Mary Mallon.

Descoberta

Naquela época, a ciência já havia feito avanços com relação aos fenômenos epidêmicos. Vacinas contra algumas doenças infecciosas já haviam sido desenvolvidas.

No entanto, a medicina americana não conhecia nenhum caso de portador assintomático de doenças como febre tifoide.

Portanto, diferentes hipóteses foram consideradas antes de se estabelecer que a origem do surto poderia ser uma pessoa capaz de transmitir a bactéria da doença por anos sem apresentar um sintoma febril e, além disso, sem saber que estava infectada.

George Soper foi o funcionário do Departamento de Saúde de Nova York que começou a suspeitar de Mary após o surgimento de novos casos em uma casa na Park Avenue, em Manhattan, em 1907.

O epidemiologista detectou que a mulher trabalhava com essa família e, em seguida, conseguiu estabelecer que os surtos anteriores ocorreram em casas onde ela também havia trabalhado.

Depois que Soper conseguiu realizar um exame em Mallon, foi detectada em seu corpo a presença da bactéria salmonella, que transmite a febre tifoide.

As análises somente puderam ser realizadas após a intervenção de funcionários do Departamento de Saúde e de alguns policiais.

Muitos anos depois, o mesmo médico relataria o quão difícil era obter uma amostra da mulher, a quem ele descreveu como alguém "mau caráter, teimosa e muito solitária".

Isolada

Uma vez estabelecido o status de Mallon, o caso ficou famoso na imprensa de Nova York.

E as autoridades locais não ignoraram o caso de pessoas que eram capazes de transmitir febre tifoide indefinidamente.

Mallon passou semanas em uma sala isolada em um hospital. Depois, foi determinado que ela fosse levada a um centro médico em uma pequena ilha para iniciar seu período de quarentena.

Por três anos (1907-1910), ela morou em uma cabana, onde recebia alimentos para cozinhar e comer sozinha.

Naquela época, a imprensa local criou um apelido para se referir à imigrante: Typhoid Mary (Maria Tifoide, em português). Também já havia dezenas de artigos sobre ela e sua saúde.

Mallon nunca aceitou ser culpada pelos contágios e tentou recuperar sua liberdade durante os três anos de isolamento forçado.

Finalmente, ela alcançou seu objetivo no início de 1910, com a condição de nunca voltar a trabalhar como cozinheira ou a lidar com a comida de outras pessoas.

Nova identidade

Por cinco anos e com dois nomes distintos, entretanto, Mary Mallon trabalhou em lugares diferentes como cozinheira —e era apenas uma questão de tempo para que um novo surto de pessoas infectadas aparecesse.

Aconteceu nada menos do que em um hospital, onde de repente 20 pacientes desenvolveram febre alta.

Novamente, foi Soper quem estabeleceu que a mulher era a origem do surto.

Embora um outro nome aparecesse nos arquivos do centro médico e a assinatura fosse diferente, o funcionário reconheceu o tipo de letra de Mallon.

Assim, em 1915, iniciaram-se outros 23 anos de quarentena para a paciente assintomática, que só terminariam com a morte dela.

Novamente, Mallon ficou isolada e cozinhando e sozinha.

Em 1932, Mary Mallon sofreu um derrame que resultou em paralisia. Ela morreu seis anos depois, aos 69 anos.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do que foi publicado na primeira versão do texto, a primeira quarentena de Mary Mallon durou até 1910, e não até 1010. O erro foi corrigido.