Paternidade tardia pode elevar risco de doenças para grávidas e bebês

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O senso comum costuma dizer que o homem pode ser pai sem problemas em idades mais avançadas. O ator George Clooney, por exemplo, se tornou aos 56 anos. O apresentador Serginho Groisman, aos 65. Mick Jagger, líder dos Rolling Stones, teve seu último filho aos 72.

Mas a ciência tem demonstrado cada vez mais que o relógio biológico também atinge as células reprodutoras masculinas e que, assim como acontece com as mulheres, a paternidade tardia tem seus riscos.

Em junho, um estudo apresentado no encontro anual da Sociedade Europeia de Reprodução Humana e Embriologia, em Viena, na Áustria, apontou que a contagem de espermatozoides, bem como a sua qualidade, diminui com o passar do tempo, especialmente a partir dos 51 anos.

Conduzido pelo Instituto de Saúde da Mulher da University College London, na Inglaterra, a pesquisa, tratada como uma mensagem de saúde pública para homens não postergarem deliberadamente a paternidade, analisou os registros de 4.271 indivíduos do sexo masculino envolvidos em 4.833 ciclos de tratamento de fertilização in vitro (FIV) e injeção intracitoplasmática de espermatozoides (ICSI) entre 2009 e 2018.

Para a análise, eles foram subdivididos em grupos por faixas etárias: até 35 anos, 36 a 40, 41 a 44, 45 a 50 e mais de 51 anos - idades masculina e feminina inferior a 35 anos foram utilizadas como grupos de controle de referência para comparação.

A investigação mostrou que a taxa de gravidez diminuiu com o aumento da idade paterna, passando de 49,9% no grupo até 35 anos para 42,5% no 36-40; 35,2% no 41-45; 32,8% no 46-50, e 30,5% no mais de 51 anos.

Além disso, constatou que apenas 42% dos homens acima de 51 anos tinham contagem de espermatozoides dentro da faixa saudável - maior que 39 milhões no volume total ejaculado - definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em comparação com 61% daqueles em faixas etárias mais jovens.

Trabalho apontou que as mulheres que têm filhos com homens mais velhos têm riscos maiores de desenvolver diabetesGetty Imagens

Efeitos negativos na saúde

Outro estudo, este realizado pela Escola de Medicina da Universidade Stanford, dos Estados Unidos, e publicado há alguns meses no periódico British Medical Journal (BMJ), concluiu que bebês nascidos de pais mais velhos estão mais suscetíveis a parto prematuro, baixo peso ao nascer e baixo índice de Apgar (escala que avalia frequência cardíaca, esforço respiratório, tônus muscular, reflexos e cor dos recém-nascidos).

O trabalho também apontou que as mulheres que têm filhos com homens de mais idade apresentam riscos maiores de desenvolver diabetes gestacional e pré-eclâmpsia (distúrbio da pressão arterial que ocorre a partir da 20ª semana de gravidez).

Com base nos dados do Sistema Nacional de Estatísticas Vitais, programa de compartilhamento de informações fornecidas pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças e pelo Centro Nacional de Estatísticas de Saúde dos EUA, os cientistas analisaram mais de 40,5 milhões de nascidos vivos no território americano entre 2007 e 2016.

Eles dividiram a idade média dos pais em cinco grupos etários: menores de 25, 25-34, 35-44, 45-54 e maiores de 55 anos, examinando as medidas de saúde infantil em cada uma dessas categorias.

Como resultado, observaram que bebês com pais acima dos 45 anos tiveram uma chance 14% maior de nascerem prematuramente, 18% maior de terem convulsões e eram 20,2 gramas mais leves na comparação com filhos de pais com idade entre 25 e 34 anos.

Também verificaram que a taxa de diabetes gestacional foi 34% maior nas grávidas com parceiros mais velhos.

Para Márcio Coslovsky, especialista em reprodução assistida e sócio-diretor da Clínica Primordia, do Rio de Janeiro, estes estudos ajudam a desmistificar que a paternidade pode acontecer facilmente em qualquer idade.

"Há muito tempo se percebe que os casais estão investindo na carreira e, por isso, adiam a gravidez para um segundo momento. Apesar de a preocupação recair mais sobre as mulheres, os homens apresentam uma piora a cada cinco ou dez anos na condição e na quantidade dos espermatozoides", analisa o médico, membro da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA) e da Sociedade Europeia de Reprodução Humana e Embriologia (ESHRE).

Qualidade de espermatozoides diminui com o tempo, segundo pesquisadoresGetty Imagens

Menor qualidade

Coslovsky explica que, diferentemente das mulheres, que nascem com um número de óvulos para a vida toda e cuja fertilidade entra em declínio a partir dos 35 anos e chega ao fim na menopausa, os homens produzem espermatozoides até morrer, só que, conforme o tempo passa, sem a mesma qualidade.

"Normalmente, isso já começa a acontecer a partir dos 40 anos. Neste período, a gravidez espontânea fica mais difícil e a perda (aborto) mais fácil. A taxa de sucesso das fertilizações também cai."

Temis Felix, presidente da Sociedade Brasileira de Genética Médica e Genômica (SBGM), comenta ainda que, nas mulheres, o envelhecimento aumenta a incidência de doenças cromossômicas nos bebês, como a síndrome de Down, enquanto, nos homens, é a de mutações genéticas.

Como exemplos ela cita acrondroplasia (uma das formas mais comuns de nanismo), neurofibromatose (causa múltiplos tumores no organismo) e síndrome de Apert (provoca desenvolvimento anormal do crânio).

"Possivelmente isso ocorre por conta de problemas no mecanismo de reparo do DNA, já que, com a idade, vamos perdendo essa função", indica. "É importante que homens e mulheres saibam dessas questões e procurem aconselhamento pré-concepcional, com ginecologista, urologista e geneticista, caso queiram engravidar em idades mais avançadas. Sabemos que a maioria das gestações não são planejadas, mas deveriam ser", acrescenta.

Coslovsky, especialista em reprodução assistida, complementa que indivíduos do sexo masculino precisam ter a mesma atenção que os do sexo feminino quando o assunto é ter filhos. E, para os que pensam em adiar a paternidade, ele dá um conselho: congelamento de espermatozóides, serviço que, em sua clínica, teve um aumento de 68% entre 2010 e 2018.

"É um procedimento simples, muito mais do que o de óvulos, e que pode ajudar e muito no futuro", finaliza.