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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


"Borderline quase me levou ao suicídio, mas dei a volta por cima"

JAABIR RAMLUGON/BBC THREE/ISTOCK
Imagem: JAABIR RAMLUGON/BBC THREE/ISTOCK

Ashitha Nagesh

10/09/2018 15h31

"Há quatro anos, eu tentei me matar.

Fiz planos e não contei nada para meus amigos ou parentes. Mandei a todos eles mensagens antecipadas, perguntando como estava sendo o seu dia e dizendo que eu esperava que as próximas semanas fossem legais. Alguns responderam.

Eu ainda lembro as mensagens, que para eles eram só uma conversa normal. Acho que eles não conseguiriam perceber que eu estava em estado de absoluta agonia.

Enquanto eu caminhava em direção ao local onde achava que minha vida acabaria, tirei uma foto rápida dos arredores e postei, sem comentários, no Facebook. Hoje, eu acho que aquilo foi o meu último grito de socorro.

Parte de mim esperava que alguém reconhecesse onde eu estava, percebesse e viesse ao meu resgate. Mas não foi assim que aconteceu. Como esperado, as pessoas em geral apenas comentaram que a paisagem era bonita.

Eu estava prestes a pular quando, no último minuto, um funcionário da guarda costeira me convenceu do contrário. Era parte do trabalho dele andar pela área e impedir que as pessoas fizessem o que eu estava prestes a fazer.

Tenho 32 anos e convivo com problemas de saúde mental desde os 12 anos, perto da época em que meu pai morreu.

Foi uma morte repentina, de trombose, e caiu como um relâmpago na nossa família. Ele adoeceu na sexta-feira e morreu no domingo.

Minha infância foi bastante feliz, até que a morte do meu pai mudou algo dentro de mim. Passei a me sentir desconectado do resto do mundo. Fiquei cada vez mais sobrecarregado pela mágoa e fui tendo dificuldade em conversar com as demais crianças da escola. E, como eles não conseguiam me entender, me chamavam de 'estranho'. Quanto mais eu me distanciava, mais eles me provocavam.

Não demorou até que começasse o bullying pelo fato de eu ser gay. Eu ainda não tinha saído do armário, mas mesmo assim eles me batiam para ver se - nas palavras deles - 'veados sentem dor'. No fundo eu já sabia que era gay, mas o bullying tornou ainda mais difícil eu admitir isso, até para mim mesmo. Por dentro, eu estava desmoronando.

Na época eu não percebia, mas já estava desenvolvendo comportamentos associados ao transtorno de personalidade borderline (TPB). Cada pessoa com TPB vivencia isso de modo diferente, é claro, mas eu flutuava entre estar muito depressivo e entre sentir que eu conseguiria enfrentar o mundo inteiro. É exaustivo, porque eu variava entre esses dois estados no mesmo dia, às vezes na mesma hora. Me sinto intensamente feliz e, de repente, algo me entristece muito.

O transtorno me faz ver as coisas em preto ou branco: ou é tudo absolutamente perfeito ou um desastre total. O mesmo vale para as pessoas. Eu sei que as situações não são assim, mas não consigo vê-las de outro modo.

Por isso sempre foi tão difícil fazer amigos, e mais difícil ainda mantê-los. Sei que é difícil para as pessoas conviverem comigo, porque eu com frequência levo as coisas para o lado pessoal ou as tiro de contexto e deixo tudo muito negativo. Se alguém me elogia, eu automaticamente enxergo como um insulto.

Felizmente, tenho quatro amigos verdadeiros que me acompanharam em todos os momentos - além do apoio incondicional da minha mãe.

A sensação de não saber ao certo o que estava errado comigo, apenas que eu estava profundamente infeliz e reagindo de modo extremo a tudo, me acompanhou durante todo o período da escola e da universidade. Depois, consegui um emprego bom e estável em TI - mas os sentimentos não iam embora.

Até que, em 2009, eu tive um colapso nervoso no trabalho. Minha mãe, de quem sou muito próximo, tinha adoecido e isso me deixou fora de mim. Mesmo assim, não reconheci os alertas que o meu corpo estava me enviando. E segui tentando empurrar a dor da minha mente.

Não funcionou. Tive outro colapso alguns anos depois, em 2014. Minha mãe estava melhor, mas eu, para ser sincero, estava farto da vida.

Foi quando tentei me matar. Só contei para a minha mãe o que quase havia acontecido uma semana depois. Não queria que ela se preocupasse, mas eu estava fora de mim e ela percebeu que algo estava errado. No fim das contas, ela me apoiou muito. Foi bom ter contado tudo a ela.

Percebi que não podia continuar a viver como antes - não era algo que eu podia deixar de lado e esquecer. Um ano depois, em 2015, decidi que não queria mais esconder quem eu era e me assumi como gay. Esperava que, assim, eu poderia me livrar da dor e da raiva pela homofobia que sofri na infância.

A maioria das pessoas próximas foram muito receptivas, principalmente a minha mãe. Ao mesmo tempo, porém, sair do armário foi uma experiência agridoce. Parte de mim esperava sentir um grande alívio e, repentinamente, uma grande felicidade. Mas não foi o caso - e a decepção pelo fato de as coisas não terem todas se resolvido na minha cabeça me jogou em mais um período de tristeza.

Foi quando procurei um médico e fui formalmente diagnosticado com TPB.

O diagnóstico foi só o começo. O médico me receitou um estabilizador de humor, mas eu sabia que teria de me virar por minha conta por uns dois anos, enquanto estava na fila do serviço público esperando para fazer a terapia comportamental dialética (de tratamento de comportamentos suicidas). Eu estava triste, mas pelo menos agora eu sabia por que me sentia assim.

Depois de tentar suicídio, me assumir e buscar ajuda profissional, deixei meu emprego em TI e passei a ser voluntário em um hospital de Londres e, depois, em uma ONG de saúde mental. Me senti bem em ajudar outras pessoas em situação similar à minha.

Até que, em 2017, ouvi falar de um grupo de caminhada feito por outra ONG de saúde mental, perto de onde eu morava. Decidi tentar. E foi incrível.

Apesar de ser uma pequena caminhada, andar com um grupo de pessoas que passavam por coisas parecidas me fez sentir muito menos sozinho - e o exercício me fez bem também. Além disso, o cara que liderava o grupo parecia tão confiante que me deixou inspirado. Ele tinha uma vida boa de um modo que para mim era um sonho.

Quanto mais eu participava das caminhadas, mais energia tinha. E conversava com o líder do grupo, a ponto de conhecê-lo bem. Sentia minha autoconfiança crescer, e as caminhadas semanais viraram a minha razão para sair da cama pela manhã.

Em abril deste ano, o líder do grupo disse que ia mudar de emprego. Fiquei devastado. Achei que as caminhadas, que viraram um colete salva-vidas para mim e tantas pessoas, seriam interrompidas. Mas ele me assegurou que já tinha um substituto em mente: eu.

Você consegue imaginar a minha felicidade? Disse sim imediatamente - eu finalmente teria a oportunidade de fazer algo de que gostava muito, ajudar pessoas com problemas mentais e, o que era crucial, receber um salário. Hoje, passo a semana planejando rotas e me assegurando de que todas sejam diferentes e interessantes.

As coisas ficaram melhores também porque, no final do ano passado, comecei a terapia comportamental dialética. Uma vez por semana, converso com meu terapeuta sobre minha infância, o bullying e a morte do meu pai.

Isso me fez encarar as coisas de modo mais objetivo. Consegui perdoar as crianças que fizeram bullying contra mim - algo que soa inacreditável, mas consigo ver que elas próprias talvez tivessem muitos problemas e estavam transferindo-os para mim.

Percebi que sentir raiva não me ajudou em nada. Era só uma fonte de tormento. Hoje, até penso em me tornar terapeuta.

E hoje eu também tenho um namorado, o Dale. Somos absurdamente felizes juntos, o que é uma sensação incrível. Nos encontramos graças a um site de relacionamentos voltado a pessoas com problemas mentais - o que significa que ambos entendemos o que o outro passou. Neste mês, comemoramos nosso primeiro aniversário de namoro.

Precisei de muito tempo e esforço para chegar até aqui. Avancei muito desde aquele dia em que estive à beira do precipício, totalmente desesperançoso e pronto para abandonar tudo, e hoje me sinto genuinamente feliz.

Só espero conseguir continuar ajudando outras pessoas a se sentirem assim também."