Aborrecentes ou aborrecidos?

Os jovens estão cada vez mais entediados, dependentes e até deprimidos... Entenda o que mudou nessa geração

Chloé Pinheiro Colaboração para UOL VivaBem

Historicamente dramáticos, intensos e impulsivos, nos últimos anos os adolescentes receberam novos rótulos: entediados, delicados demais, ansiosos e até deprimidos. Além disso, são mais dependentes e demoram para sair do ninho. Tanto que uma corrente de cientistas defende que a adolescência agora termina de verdade só aos 24 anos.

Tais mudanças preocupam os pais e ninguém parece saber muito bem o que fazer em relação a elas. Afinal, pressão em relação ao futuro, rebeldia e apatia não são traços da juventude há séculos? O que mudou? São perguntas que pedem respostas urgentes, pois se a adolescência deixa questões mal resolvidas e não é utilizada como treino para o restante da vida, fica mais difícil exigir sabedoria e inteligência emocional anos depois.

De onde vem o tédio?

Ele é uma queixa comum nessa fase e há uma explicação científica para isso. Como na adolescência o sistema de recompensa sofre uma queda na sua atividade, os níveis de dopamina, neurotransmissor relacionado ao bem-estar, também ficam em baixa no período. Isso significa que, embora o jovem experimente conflitos internos e a vontade de se desvincular dos pais e das coisas “de criança”, na prática ele fica mais aborrecido e sente menos prazer. Parece familiar?

Esse desânimo é normal, mas, com a internet e o videogame, há uma recompensa rápida, que descarrega dopamina na cabeça e, assim, proporciona prazer instantâneo. O excesso de estímulos, sejam eles likes, pontos ou apenas uma busca por distração rolando a timeline, custa caro. Primeiro, pois o jovem passa a ficar entediado mais facilmente. Depois, há um impacto na criatividade, na saúde mental e na atenção, pois o cérebro, assim como o celular, precisa recarregar, e para isso é importante sair da tela e ficar sem fazer nada um pouco.

Os estudos que analisam o impacto de horas de telas na saúde mental da juventude --sejam de videogame ou celular -- corroboram o papel da tecnologia nessa ânsia insaciável. Notam-se mais casos de depressão entre os que tinham um comportamento compulsivo em relação às telas.

O que é diferente agora?

É difícil dizer com certeza, até mesmo porque a saúde mental do jovem é um terreno desconhecido. Há poucos anos os especialistas e pesquisadores em comportamento nem pensavam no sofrimento do adolescente. Hoje, para se ter ideia, a depressão na adolescência deixou de ser exceção para se tornar motivo de atenção para os pais.

O que se sabe é que o estilo de vida moderno tem papel importante nessa mudança. Com fantasmas como o da violência urbana batendo constantemente à porta, os filhos crescem dentro de casa e em espaços privados. E, assim como o sistema imune precisa do contato com a sujeira para ser treinado, o cérebro precisa de experiências reais para que funcione melhor.

A superproteção é física e emocional. Mas o medo de frustrar os filhos em uma sociedade mais imediatista, que exige o melhor o tempo todo, leva os pais e responsáveis a falarem menos “não” desde cedo. Daí, com a chegada da adolescência, cheia de questionamentos, desafios e possibilidades, o filho não tem recursos para gerenciar essa liberdade toda e saber como e quando tomar decisões. Ou mesmo para saber como lidar com o término de um namoro, uma nota baixa, uma briga entre amigos, enfim... Qualquer desvio de rota da vida perfeita.

Me deixa impactada a falta de perspectiva e de sentido no presente que os jovens de hoje em dia apresentam. Você até pode ajudar quem está triste ou com raiva, mas é difícil combater o vazio

Leila Tardivo, psicóloga e professora da USP (Universidade de São Paulo)

Superproteção em todos os lugares

Engana-se quem pensa que a discussão sobre o excesso de proteção é exclusiva dos "ricos e mimados". Pelo contrário, nas escolas públicas também se observam mais casos de comportamentos como a automutilação. Só que, enquanto a preocupação do adolescente da escola privada é seu desempenho acadêmico e o próprio futuro, em regiões mais pobres ele nem considera que terá um futuro --e a escalada da desigualdade social reforça esse sentimento.

Em comum, os dois grupos têm um sofrimento agudo com o qual nem os pais, nem as escolas sabem manejar e que pode ser fruto, entre outros fatores, dessa dificuldade em lidar com as frustrações. Uma vida da qual se espera muito e outra descartável demais, ambas suscetíveis a quedas na autoestima que podem trazer uma percepção errônea de que se é um fardo.

A falta de propósito e de amor-próprio facilita a exposição a comportamentos de risco, como o sexo desprotegido, o envolvimento em relacionamentos abusivos e o excesso no consumo de álcool e drogas. Ricos ou pobres, eles não têm nada a perder.

Problemas na voz dos adolescentes

No Dante Alighieri, escola que reúne parte da elite paulistana, quatro alunas fizeram uma pesquisa com mais de 200 estudantes de duas escolas, uma pública e uma privada, em busca de respostas sobre a própria identidade.

“Víamos amigos ao nosso redor passando por situações como depressão, transtornos alimentares e ansiedade”, conta Maria Clara Batista Nascentes, de 16 anos, uma das autoras do projeto. “E nós mesmos também enfrentávamos problemas do tipo”, complementa Alessandra Hister Portinari Maranca, da mesma idade e parceira de Maria Clara no projeto.

Elas descobriram, por exemplo, que aparência e consumo são os principais pilares para a formação de identidade dos jovens de sua esfera social, que por outro lado sentem dificuldade em superar obstáculos e ouvir negativas. A falta de intimidade com o não, praticamente a marca dessa geração, nasce cedo, fruto dos esforços bem-intencionados dos pais de garantirem uma vida 100% feliz aos filhos.

Só que é impossível não se frustrar nunca, então os jovens sofrem mesmo assim --e, sem preparo, muitas vezes por razões que soam fúteis aos ouvidos adultos. 

O que está sendo feito a respeito

Em maio, começou a valer a lei de combate ao bullying, que coloca entre as atribuições da escola a promoção da paz e o combate à violência. Mas, como vimos, a história vai além do bullying, por isso as instituições de ensino devem agir em outras frentes, como no estímulo ao diálogo e em atividades que permitam que o jovem expresse suas dores e aprenda a lidar com a tecnologia.

No Bandeirantes, colégio particular de São Paulo que precisou lidar com o suicídio de dois alunos neste ano, uma psicóloga foi chamada para conversar com pais e programas de prevenção ao suicídio estão sendo implementados. No geral, a rede privada começa a abrir caminho para essas discussões, que são também trazidas pelos próprios alunos, como ocorreu com a pesquisa do Dante Aligheri.

Só que também não dá para reduzir a sensibilidade dos adolescentes de hoje a uma questão de mimo excessivo. Tanto que, se para o círculo de amizades das garotas por trás da pesquisa o problema é a pressão pelo futuro e a dificuldade de lidar com frustrações, nas escolas públicas o cenário é diferente --e talvez ainda mais desafiador.

Entre os alunos do setor público, o destaque da pesquisa feita por elas foi a constatação de que os jovens que valorizam a própria competência tendem a ter menos autonomia e autoconfiança, provavelmente porque tem menos infraestrutura e meios de efetivar essa competência. Ou seja, a desigualdade social outra vez fala mais alto aqui.

Mas em uma escola onde o professor está perdendo alunos para o tráfico e as crianças são desde cedo expostas à violência, a saúde mental não é uma prioridade e nem há recursos para que seja. Aprender a sofrer deveria ser tão importante quanto aprender a fazer contas e interpretar um texto. Mas é difícil pedir isso quando ainda há tantos buracos a preencher.

O papel dos pais

Parece clichê, mas os pais devem agir, ora, como responsáveis. No reino animal, a adolescência é o período onde o animal é ensinado pela mãe a caçar e a viver sozinho, por isso ele não pode passar sem supervisão e experiências reais. E, nesse cenário, dar o exemplo. Crianças são expostas logo cedo à tecnologia para que não atrapalhem, fiquem quietas, e crescem em famílias onde os adultos também são usuários pesados dos dispositivos.

A supervisão e a preocupação não devem ser confundidas com colocar os mais jovens numa bolha. Pelo contrário, a ideia é acompanhá-los enquanto eles se preparam para os reveses das próximas décadas de vida. E isso passa necessariamente por dizer não e estabelecer limites para filhos que acabam vencendo os pais pelo cansaço --e não dá para negar que todos estamos mais cansados.

Se está difícil fazer isso, procure ajuda profissional. Abordagens como a terapia cognitivo-comportamental podem ajudar a restabelecer a paz. Mas nada adianta se o mundo adulto como um todo não estiver preparado para acolher o sofrimento adolescente e diferenciá-lo das mudanças de humor típicas da idade. E isso começa de uma maneira simples: ouvindo mais o que eles têm a dizer e passando tempo juntos e desconectados

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