Uma entrega poderosa

Contato com cavalos pode transformar a vida do autista e o VivaBem convidou Isabelly para ter essa experiência

Gabriela Ingrid Do VivaBem
Carine Wallauer/VivaBem

Isabelly está aprendendo a ler o mundo

A menina de seis anos se apaixonou pela égua Melody

Um dos principais traços de quem tem o transtorno do espectro autista, ou TEA, é a dificuldade na comunicação e na interação social. Alguns animais, como cavalos e cães, são conhecidos por melhorar essa capacidade de crianças e adolescentes com autismo.

Para um indivíduo autista, as pessoas ao redor são extremamente complexas, já que a maioria fala e gesticula muito. E a criança tem dificuldade em decodificar todos esses sinais, ficando, muitas vezes, ansiosa.

Mas essa conexão se torna muito mais fácil com os bichos. De uma maneira simplificada, eles servem como uma espécie de ponte entre o autista e o terapeuta e cuidador, facilitando a relação.

Para encerrar o Abril Azul (mês de conscientização do autismo), o VivaBem convidou a garota Isabelly Brito Santos, de 6 anos, para fazer quatro meses de equoterapia na Sociedade Hípica Paulista, em São Paulo, e acompanhar seu desenvolvimento. Já na segunda aula, terapeutas e familiares viram evolução e o encanto de Isa pela égua Melody.

Os primeiros encontros de Isabelly

Garota foi diagnosticada aos 5 anos com TEA. Há um ano, ela começou tratamento tradicional

A criança com TEA é muito rotulada como agressiva e que não consegue se comunicar. Mas só porque ela não fala, não quer dizer que não se comunica. E com a equoterapia, mostramos que ela consegue se relacionar, sim, do jeitinho dela. Esse vínculo e afeto com o animal são muito positivos.

Mariana Fernandes Pereira, psicóloga e psicopedagoga do núcleo de equoterapia da SHP

Carine Wallauer/VivaBem Carine Wallauer/VivaBem

Equoterapia auxilia na linguagem e reconhecimento do próprio corpo

A terapia com cavalos é um tratamento alternativo bastante efetivo. Os resultados são vistos, principalmente, na socialização e comunicação dos portadores de TEA, condição que atinge 70 milhões de pessoas no mundo --sendo 2 milhões no Brasil.

De acordo com a psicóloga Mariana Fernandes Pereira, que está acompanhando a terapia de Isabelly, o que torna esse tratamento tão especial é que o cavalo tem um passo similar ao do humano. "Então, quando uma criança monta no animal, ela tem a sensação de estar caminhando com ele. Neurologicamente, essa criança está recebendo estímulos e aumentando níveis de serotonina, dopamina, noradrenalina, influenciando no humor e na ansiedade da criança, que fica mais calma após o tratamento."

Na equoterapia, os psicólogos também trabalham a atenção e até a comunicação. Além disso, de acordo com Pereira, o cavalo ainda estimula o tato e a manutenção do equilíbrio. Os resultados ainda demonstram que o método contribui para que as crianças aumentem a percepção do próprio corpo.

E não pense que a técnica envolve apenas montaria. As crianças também participam do cuidado diário com os bichos, o que acaba ajudando em outras áreas da vida, como o autocuidado. Melhoras ao se alimentar e na hora da higiene pessoal são percebidas, já que elas alimentam, escovam e participam do banho dos animais.

Já atendi crianças que começaram a se alimentar melhor por causa da relação com os bichos.
Mariana Fernandes Pereira, psicóloga da SHP


Um estudo realizado por pesquisadoras da Universidade Federal de Pelotas e publicado em 2016 na revista de Terapia Ocupacional da USP sugere que a equoterapia é eficaz para crianças com autismo, nas tarefas das áreas de mobilidade e autocuidado, mesmo quando realizada em um período menor que seis meses. Em média, recomenda-se de quatro meses a um ano para obter uma melhora significativa. Abaixo, mostramos a história de Guilherme, de 10 anos, que, em maio, completará um ano de tratamento.

Após um ano de equoterapia, Guilherme até cantarola

Mãe do garoto percebeu que ele ficou significativamente menos agitado

Quando comecei a atender o Gui, ele observava, apontava e gesticulava com dificuldade. Hoje ele aponta, vê e fala. Esse é um trabalho de percepção do ambiente e do corpo.

Mariana Fernandes Pereira, psicóloga da SHP.

Carine Wallauer/VivaBem Carine Wallauer/VivaBem
Divulgação/Bocalan Brasil Divulgação/Bocalan Brasil

Cães também auxiliam em terapias complementares

Além da equoterapia, outros tipos de terapias com animais ajudam quem tem autismo. A TAA (terapia assistida por animais), por exemplo, é bastante utilizada para facilitar o trabalho dos terapeutas. Apesar de não serem essenciais, terapias do tipo são complementares e ajudam muito.

No caso da TAA, os cães são treinados durante dois anos e, assim como na equoterapia, apenas animais calmos e com histórico de bom comportamento são selecionados para fazerem parte da terapia. “A garotada puxa a orelha, o rabo, aperta, então precisa ser um bicho que não vai ligar para isso”, diz o psiquiatra Estevão Vadasz, que introduziu a terapia assistida por cães no Protea (Programa Transtorno do Espectro Autista), há oito anos.

Esse vínculo do cão com a criança provoca produção de oxitocina no cérebro. A oxitocina é chamada de hormônio do amor, porque promove a socialização
Estevão Vadasz

Divulgação/Bocalan Brasil Divulgação/Bocalan Brasil

Na TAA, o cachorro facilita o trabalho do terapeuta. “Durante a sessão, o psicólogo e a criança se sentam no chão e o cachorro fica à vontade, deitado. Existem vários brinquedos distribuídos no local e, enquanto a criança começa a tocar no bicho e a fazer carinho, o terapeuta vai tentando se aproximar e estabelecer um vínculo com ela”, conta Vadasz. Esse vínculo permite que o especialista trabalhe tratamentos terapêuticos tradicionais do autismo.

Além da TAA, outra opção, menos comum no Brasil, é ter um cão de assistência em casa. O serviço mais famoso por aqui é prestado pela Fundação Bocalan, empresa com sede em São Paulo que entrega os animais de forma gratuita, por meio da ajuda de patrocinadores (o custo para treinar um animal chega a ficar em R$ 50 mil), a pessoas com certos tipos de deficiência e limitações. A equipe analisa o caso e, se aprovado, o indivíduo entra na fila de doações.

Carine Wallauer/VivaBem Carine Wallauer/VivaBem

Em três semanas de equoterapia, ansiedade de Isabelly já diminuiu

A mãe da garota também percebeu melhora na postura, assim como na fala da filha

“Oi” e “até lá” são as palavras que mais compunham o vocabulário da Isabelly quando a reportagem do VivaBem acompanhou sua primeira aula de equoterapia. Após três semanas, Gabrielle já relatou que a filha está começando a falar mais. “De alguma forma, agora ela sabe que terça-feira é o dia da aula, então ela acorda e já fala ‘cavalinho’ ou ‘pocotó’”, conta.

Segundo a psicóloga que acompanha o tratamento, é visível a diminuição da ansiedade da Isa após as aulas e a melhora na comunicação. “A mãe fala para ela ‘Olha a Mariana!’ e ela vem até mim. Há um crescimento de vínculo dela com a equipe. Agora queremos aproveitar isso e começar a dar função para as falas da Isa.” Mariana conta que a ideia é explicar para ela quando usar o “oi” e o “até lá”, que são as palavras mais repetidas pela menina.

Além desses benefícios, a mãe da Isa também observou melhora na postura da filha, que começou a ficar mais ereta após o início do tratamento, por conta da montaria. A garota também está mais próxima dos bichos. "Antes, ela nem sabia o que era um cavalo e agora ela quer abraçar qualquer animal que vê pela frente. Essa conexão entre eles é algo que vai ficar para a vida toda."

Carine Wallauer/UOL Carine Wallauer/UOL

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