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Vamos Falar Sobre o Luto?

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Em busca de reinventar a morte, visitamos a maior feira funerária do mundo

Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Colunista do UOL

07/07/2022 04h00

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Minha amiga Gisela Adissi já foi diretora de um grande cemitério em São Paulo e hoje ajuda empresas do setor funerário a se modernizarem e a se engajarem no combate ao tabu em torno da morte.

Fundadora da consultoria Flow Death Care e co-fundadora do projeto "Vamos Falar Sobre o Luto?" —que hoje mantém essa coluna no VivaBem—, Gisela esteve recentemente em Bolonha, na Itália, para participar da maior exposição funerária do mundo (segundo os organizadores). Como moro em Paris, ela me convidou para acompanha-la à Tanexpo e eu, obviamente, aceitei. Que pessoa minimamente curiosa deixaria passar a oportunidade de ver o que acontece numa feira dessas?

Confesso que eu tinha a expectativa de encontrar por lá propostas inovadoras para mudar "a cara" da morte, ou melhor, para transformar cemitérios, funerárias, velórios etc. em ambientes mais receptivos e inspiradores. Salvo algumas exceções, como as urnas para cinzas em formatos inusitados, o que vimos foram versões industrializadas de serviços prestados por artesãos, tais como as impressoras de texto em pedra que facilitam a realização de um trabalho antes feito manualmente.

Talvez eu tenha uma alma antiga e por isso prefira as lápides escavadas por artistas. Sinto nessas inscrições impressas à mão a marca do humano e uma espécie de "energia" que emana da rocha. São pedras vivas, como as das sepulturas ancestrais que encontramos em velhos cemitérios, placas contadoras de histórias e da passagem do tempo. Passam-se os anos e elas ganham manchas, suas letras perdem o vigor e plantas surgem por toda parte —como prova de que que vida e morte são dois lados da mesma moeda.

Acredito que muito do nosso tabu em relação à morte tenha a ver com sua estética. Vida: chegamos ao mundo transportados por cegonhas. Morte: vamos embora conduzidos por um esqueleto encapuzado, de veste preta e foice na mão (o que, convenhamos, nos leva a pensar que resistir ao destino não deva ser uma boa ideia).

E qual seria o destino dela, da dama do capuz e foice da qual muitos não ousamos dizer o nome? Não há outra saída para a Morte a não ser se tornar cada vez mais fria e aterrorizante?

Feira funenária 2 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Meu avô paterno foi velado em casa, no conforto da intimidade, num cenário que sempre foi seu. Isso já faz alguns anos, aconteceu antes dos velórios passarem a ser realizados em salas impessoais, de paredes vazias e aparência asséptica que me parecem muito mais mórbidas que os cemitérios cobertos de jazigos, imagens, gramado.

Aliás, precisamos falar das flores. As mesmas flores que, num buquê, enchem a casa de alegria têm o poder de jogar sombra sobre o ambiente quando organizadas em uma coroa. E coroas, dizem os frequentadores de velórios ouvidos por minha amiga Gisela, cheiram mal.

Por que não reinventar as coroas? Por que não desenvolver uma essência capaz de neutralizar o cheiro delas? Gisela coordenou, para um cemitério, a criação de uma fragrância que, além de "esconder" o cheiro forte das plantas, tem poder calmante. E ela foi além: para tornar a sala de velório mais calorosa, sugeriu trocar a mesa metálica (sobre a qual o caixão ficava em exposição) por uma mesa em madeira com pés em acrílico, criando a impressão de que a estrutura flutuava. Outra recomendação foi garantir o máximo possível de entrada de luz natural na reforma da sala.

Os recursos da natureza são, além de mais ecológicos, mais quentes, são feitos de matéria viva. Onde há morte, há vida, ou houve —toda vida merece ser celebrada e é para isso que servem as cerimônias de despedida. Precisamos realizar despedidas melhores.

Feira funerária 3 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Não se trata de inventar alegria num momento no qual o sentimento predominante é de tristeza. Trata-se, na verdade, de acolher essa tristeza com mais cor e calor, de criar condições para que ela possa se manifestar com mais conforto, veracidade, elegância e beleza.

Saindo da feira funerária, antes de ganhar de brinde um chaveirinho com um minicaixão, fizemos fotos divertidas num stand instagramável, onde um cenário digno da Família Addams se oferecia aos visitantes. Sim, o humor salva. Rir, dizem, é o melhor remédio. Mas se na morte o que mais precisamos é chorar, acredito que falta nas despedidas fúnebres uma grande dose de delicadeza. Busquemos não uma gargalhada, mas um sorriso molhado e salgado de quem se sente autorizado (e inspirado!) a compartilhar suas lágrimas.

Como melhorar a estética de velórios e enterros? Trago a pergunta, algumas provocações minhas e algumas realizações da Gisela. Não temos a resposta final; essa deverá ser construída coletivamente. Por favor, deixe as suas sugestões nos comentários.