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Blog da Sophie Deram

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Assistir muito à televisão pode aumentar o risco de trombose

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

23/02/2022 04h00

Passar muito tempo sentado em frente a telas é um elemento do estilo de vida sedentário típico da nossa sociedade e pode estar associado a um maior risco de desenvolver doenças cardiovasculares.

É o que pesquisadores da Universidade de Bristol, no Reino Unido, mostraram. De acordo com eles, pessoas que assistem à televisão por cerca de 4 horas diariamente têm um risco aumentado em 35% de ter tromboembolismo quando comparado a quem passa apenas duas horas e meia em frente à televisão. Os resultados foram publicados no European Journal of Preventive Cardiology.

Assistir à televisão e o desenvolvimento de doenças cardiovasculares

As doenças cardiovasculares constituem um grupo de distúrbios do coração e dos vasos sanguíneos e são a maior causa de morbidade e morte prematura em todo o mundo.

Entre eles, temos a trombose, em que um coágulo ou trombo impede total ou parcialmente o fluxo sanguíneo de vasos, veias ou artérias. Quando isso acontece em uma artéria, temos a trombose arterial, que tem como uma das causas a aterosclerose.

A aterosclerose é caracterizada pelo enrijecimento das artérias devido ao depósito de gordura, cálcio e outras substâncias que causam o espessamento da parede arterial e formam placas de ateroma. Essas placas também podem gerar coágulos sanguíneos, ou trombos, que impedem ou dificultam a passagem do sangue, provocando doenças cardiovasculares como infarto e derrames.

Outra forma de trombose é o tromboembolismo venoso (TEV), que inclui:

  • Trombose venosa: coágulo de sangue em uma veia profunda, geralmente nas pernas, que pode viajar para os pulmões e causar embolia pulmonar.
  • Embolia pulmonar: coágulo de sangue nos pulmões.

A trombose arterial e a TEV são doenças intimamente relacionadas, que compartilham fatores de risco (como obesidade e tabagismo) e vias fisiopatológicas (como coagulação, ativação plaquetária e dislipidemia).

Está bem estabelecido que a atividade física tem uma relação inversa com a trombose arterial, enquanto a inatividade física ou o comportamento sedentário prolongado estão consistentemente associados a um risco aumentado dessa doença, além de outras doenças cardiovasculares.

Já as evidências sobre a relação entre a inatividade física e o risco de TEV são inconsistentes e contraditórias.

Para tentar esclarecer isso, os pesquisadores Sector K. Kunutsor, Richard S. Dey e Jari A. Laukkanen, da Universidade de Bristol, consideraram o hábito de assistir à televisão como um importante componente da inatividade física ou tempo sedentário de lazer e resolveram avaliar sua associação com o risco de desenvolver TEV.

Assistir à televisão por cerca de 4 horas aumenta em 35% o risco de TEV

Os pesquisadores realizaram uma revisão sistemática para coletar todos os estudos de coorte publicados sobre o tema e depois integraram seus resultados, o que chamamos de meta-análise. Essa combinação permite fornecer resultados mais precisos e confiáveis do que um único estudo.

Por fim, foram utilizados para a meta-análise três estudos, envolvendo um total de 131.421 participantes com 40 anos ou mais sem TEV pré-existente.

Nesses estudos, a quantidade de tempo gasto assistindo à televisão foi avaliada por questionário e os participantes foram categorizados como telespectadores prolongados (assistiam à televisão por pelo menos quatro horas por dia) e telespectadores que nunca ou raramente assistiam à televisão (menos de 2 horas e meia por dia de visualização).

A duração média dos três estudos variou de 5,1 a 19,8 anos. Nesse período, 964 participantes desenvolveram TEV.

Ao analisarem o risco de desenvolver TEV e sua associação com o hábito de assistir à televisão, concluíram que telespectadores prolongados apresentaram um aumento de 35% no risco de desenvolver TEV em comparação com quem nunca ou raramente assistia à televisão.

A associação foi independente de idade, sexo, IMC (índice de massa corporal) e atividade física, pois todos esses fatores são fortemente relacionados ao risco de TEV.

Ou seja, mesmo após o ajuste para esses fatores de confusão, foi encontrada uma forte associação entre assistir televisão por tempo prolongado e o risco de desenvolver TEV.

Possíveis explicações para a associação entre assistir muito à televisão e o desenvolvimento de TEV

Assistir à televisão é um hábito bem conhecido por sua relação com efeitos adversos à saúde, como outras doenças crônicas, além das doenças cardiovasculares, por ser um comportamento sedentário.

Especificamente quanto à TEV, os pesquisadores acreditam que assistir à televisão por muito tempo aumenta a probabilidade de desenvolver TEV, pois pode:

  • Contribuir com fatores de risco para a TEV, como aumento do peso corporal, pressão alta e colesterol alto.
  • Aumentar a inflamação sistêmica, que pode acontecer devido a estresse, infecções e doenças crônicas. Nessa condição, o sistema imunológico fica pronto para desenvolver uma resposta inflamatória, aumentando a produção de citocinas e proteínas pró-inflamatórias.
  • Aumentar a viscosidade do plasma sanguíneo e provocar agregação plaquetária, dificultando a passagem do sangue pelos vasos sanguíneos.
  • Provocar estagnação do sangue no interior das veias por diminuição do retorno venoso.

Outra possível explicação diz respeito aos comportamentos alimentares não saudáveis diante da televisão, porém isso é colocado como uma hipótese e ainda precisa ser efetivamente investigado.

Se precisa ficar muito tempo em frente às telas, faça pausas

Há limitações para esta meta-análise, como o pequeno número de estudos disponíveis, de forma que mais estudos são necessários. Além disso, os resultados são baseados em estudos observacionais e não comprovam que exista uma relação de causa e efeito entre assistir à televisão de forma prolongada e ter TEV, mas de qualquer modo mostram a existência de uma associação.

Cabe lembrar que embora a atividade física também tenha demonstrado reduzir o risco de TEV, os resultados desse estudo sugerem que o aumento do risco de TEV associado ao hábito de assistir à televisão é independente da atividade física.

Dessa forma, os pesquisadores sugerem que além de praticar atividade física com regularidade, devemos limitar o tempo que passamos em frente à televisão.

Quando isso não for possível, eles recomendam, como uma forma de prevenção, que sejam feitas pausas frequentes durante atividades sedentárias prolongadas.

Por exemplo, se seu trabalho envolve ficar sentado por horas diante da tela do computador, reserve intervalos para se levantar, colocar o corpo em movimento de vez em quando e, assim, contribuir para melhorar a circulação sanguínea.

Fora isso, pensando na sua saúde em geral, sugiro que busque um estilo de vida saudável, coma bem, consuma mais comida fresca e caseira, cozinhe mais e cultive uma relação de paz com a comida e com seu corpo!

Bon appétit!

Sophie Deram