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Blog da Sophie Deram

OPINIÃO

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Alimentação anti-inflamatória pode reduzir risco de demências

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

13/01/2022 15h35

De acordo com um estudo epidemiológico realizado na Universidade de Atenas, na Grécia, e publicado na revista Neurology, um maior potencial inflamatório da alimentação pode estar associado a um risco aumentado de desenvolver demências em idosos, como a doença de Alzheimer.

Vale lembrar que não existe alimento que por si só pode ser considerado inflamatório ou anti-inflamatório, a literatura sempre avalia o padrão de alimentação.

Por isso, no estudo em questão, o potencial inflamatório da alimentação foi avaliado através de um escore DII (Diet Inflammatory Index, ou Índice Inflamatório da Dieta, em português) que considera 45 parâmetros alimentares (nutrientes e alimentos) e suas associações com biomarcadores pró-inflamatórios e anti-inflamatórios, como as citocinas.

Envelhecimento, demências e alimentação

No século XXI, o envelhecimento da população vem se tornando uma transformação social significativa com o aumento da proporção de idosos no mundo todo.

De acordo com dados da ONU (Organização das Nações Unidas), a população mundial com mais de 65 anos era de 962 milhões de pessoas em 2017 e as estimativas são de que esse número chegue a mais de 2 bilhões em 2050.

Com isso, problemas de saúde relacionados ao declínio cognitivo e demências, como a doença de Alzheimer também devem aumentar, pois o envelhecimento é caracterizado por uma mudança funcional da imunidade, processo chamado de imunosenescência. Esta leva à inflamação crônica de baixo grau, caracterizando-se por altos níveis de moléculas pró-inflamatórias, como as citocinas e outros mediadores.

Esse quadro está associado ao declínio cognitivo e risco de desenvolver demências, como doença de Alzheimer (doença neurodegenerativa mais comum, mas de causa desconhecida) e demência vascular (caracterizada por perda de função mental decorrente do bloqueio ou redução do fluxo de sangue para o cérebro).

Pesquisas anteriores mostram que a alimentação pode modular a inflamação, sendo um fator modificável do estilo de vida e uma possível ferramenta na neutralização do risco de comprometimento cognitivo e desenvolvimento de demências.

Partindo disso, os pesquisadores da Universidade de Atenas tiveram como objetivo explorar as associações entre o potencial inflamatório da alimentação e o risco de desenvolver demência na velhice, o que ainda é pouco explorado nos estudos, de acordo com eles.

Explorando a associação entre alimentação inflamatória e demências

Para avaliar a associação entre o potencial inflamatório da alimentação e o risco de desenvolver demências, o estudo contou com a participação de 1.059 idosos com mais de 65 anos, residentes na Grécia e voluntários na pesquisa de base populacional HELIAD (Hellenic Longitudinal Investigation of Aging and Diet, ou Investigação Longitudinal Helênica do Envelhecimento e Dieta).

Foi utilizado um índice para avaliar a inflamação da alimentação, criado com base em evidências anteriores e levando em consideração 45 parâmetros, incluindo a composição de energia, carboidratos, gorduras, proteínas, fibras, vitaminas, minerais, compostos bioativos (como os flavonoides).

Um valor foi atribuído a cada parâmetro alimentar de acordo com sua associação a marcadores inflamatórios: +1, 0 ou -1, respectivamente se associados positiva, nula ou inversamente.

Para avaliar o consumo alimentar dos idosos, foi aplicado um questionário de frequência alimentar (QFA). O QFA continha informações sobre os principais grupos de alimentos consumidos no último mês (laticínios, cereais, frutas, vegetais, carnes, peixes, leguminosas, óleos e gorduras, bebidas alcoólicas, estimulantes, doces).

De acordo com essa pontuação, os participantes foram divididos em três grupos: o primeiro grupo tinha participantes com alimentação de menor potencial inflamatório, cujas pontuações variaram de -5,83 e -1,76; o segundo grupo apresentou pontuações entre -1,76 e 0,21; e o terceiro grupo tinha pontuações mais altas, entre 0,21 e 6,01, e maior potencial inflamatório da alimentação.

Ou seja, os participantes com pontuações mais altas indicavam que tinham uma alimentação mais pró-inflamatória, enquanto pontuações mais baixas indicavam uma alimentação mais anti-inflamatória.

Alimentação inflamatória aumenta em 21% risco de desenvolver demências

Ao longo dos três anos de acompanhamento da pesquisa, de todos os 1.059 participantes, 62 desenvolveram demências, dos quais:

  • 53 desenvolveram doença de Alzheimer;
  • 5 demência vascular;
  • 3 demência de corpos de Lewy (doença neurodegenerativa caracterizada pela presença anormal de esferas nas células nervosas, denominadas corpos de Lewy);
  • 1 demência devido a transtorno psiquiátrico.

Com isso, foi revelada uma associação entre a alimentação inflamatória e o risco de desenvolver demências. Cada ponto a mais no potencial inflamatório da alimentação foi associado a um aumento de 21% no risco de incidência de demências.

Também foi visto que as pessoas com pontuações mais altas tinham três vezes mais probabilidade de desenvolver demências em comparação com os participantes com pontuações mais baixas.

Quanto às características dos participantes, aqueles com alimentação de maior potencial inflamatório eram mais velhos, com menos anos de escolaridade e relataram uma menor ingestão de calorias. Em comparação com as mulheres, os homens tiveram uma menor tendência a terem uma alimentação com potencial inflamatório mais alto.

Os pesquisadores concluíram que existe uma associação entre o desenvolvimento de demências e uma alimentação inflamatória, mas por se tratar de um estudo observacional, não é possível confirmar uma relação de causalidade entre esses elementos.

Outras limitações também são indicadas no artigo, como o período de acompanhamento (3,05 anos) relativamente curto; a possibilidade de a avaliação do consumo alimentar por meio do QFA apresentar falhas (inclusive devido a déficits cognitivos dos participantes); e a presença de erros potenciais por ter sido aplicado, para estimativa de ingestão alimentar, um banco de dados de alimentos do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos a alimentos gregos.

Comer bem para proteger a saúde cognitiva

Os pesquisadores indicam que essas descobertas podem ajudar a informar sobre uma alimentação adequada para a proteção da saúde cognitiva ao longo do tempo.

É importante e necessário aderir a uma alimentação saudável como parte de um estilo de vida promotor de saúde e qualidade de vida, mas não há motivos para fazer dietas restritivas nem fórmulas complicadas.

Para aumentar o potencial anti-inflamatório da sua alimentação, invista em comida fresca e caseira e temperos naturais, como vemos na alimentação mediterrânea. Desse modo, você poderá ter benefícios para o seu cérebro, o seu corpo e para a saúde em geral.

Vá à feira, compre alimentos frescos, cozinhe mais, faça as pazes com a comida e coma com prazer!

Bon appétit!

Sophie Deram