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Blog da Sophie Deram

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Obesidade com metabolismo saudável aumenta o risco de doenças do coração?

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Imagem: iStock

Colunista do VivaBem

27/10/2021 04h00

Uma equipe de pesquisadores franceses realizou um estudo com dados de pacientes de vários hospitais da França para avaliar a associação entre a obesidade metabolicamente saudável e diferentes tipos de doenças cardiovasculares.

Eles mostraram que adultos com obesidade, mas sem problemas metabólicos, não apresentaram um maior risco de ter infarto, AVC (acidente vascular cerebral) isquêmico ou morte cardiovascular do que aqueles adultos metabolicamente saudáveis e sem obesidade, apesar de apresentarem maior risco de desenvolverem outros problemas do coração, como insuficiência cardíaca e arritmias cardíacas.

Obesidade, saúde metabólica e doenças do coração

Já sabemos que a obesidade é um fator de risco para as doenças do coração e que pode estar associada a problemas metabólicos, como hipertensão, colesterol alto e diabetes.

Porém, esses problemas metabólicos variam bastante entre as pessoas com obesidade. Parte delas, inclusive, é considerada "metabolicamente saudável" por não apresentarem nenhuma dessas anormalidades metabólicas.

Parte dos estudos sobre o tema tem mostrado que pessoas com obesidade, ainda que metabolicamente saudáveis, podem apresentar risco aumentado de eventos cardiovasculares quando comparadas àquelas com peso normal e sem problemas metabólicos. Da mesma forma, homens e mulheres com peso normal, mas com anormalidades metabólicas também podem apresentar um maior risco de desenvolver problemas cardiovasculares. No entanto, esses resultados parecem conflitantes e merecem mais investigações.

Por isso, um grupo de pesquisadores do Centre Hospitalier Universitaire Trousseau em Tours, na França, resolveu avaliar as associações entre pessoas com obesidade metabolicamente saudável e diferentes tipos de eventos cardiovasculares.

Eles acessaram um banco de dados com informações de todos os pacientes internados em hospitais franceses de janeiro a dezembro de 2013 com pelo menos 5 anos de acompanhamento, totalizando 2 873 039 pessoas.

Pessoas metabolicamente saudáveis foram consideradas como sendo aquelas sem hipertensão, dislipidemias e diabetes, e pessoas metabolicamente não saudáveis as que apresentaram pelo menos um desses problemas de saúde.

Obesidade metabolicamente saudável e o risco de desenvolver problemas do coração

Dos quase 3 milhões de pacientes selecionados, 272 838 (ou 9,5%) tinham obesidade e 2 600 201 (90,5%) não apresentaram essa condição de saúde.

Entre os que tinham obesidade, 32,8% (quase um terço) eram metabolicamente saudáveis e 67,2% apresentaram algum problema metabólico. Dos que não tinham obesidade, 72,7% eram metabolicamente saudáveis, enquanto 27,3% não o eram.

Durante o período do estudo, foram relatados 77 924 casos de infarto do miocárdio, 84 042 de AVC, 391 637 de insuficiência cardíaca, 100 633 mortes por problemas cardiovasculares, além de 257 289 pacientes com fibrilação atrial.

Em comparação com as pessoas com obesidade e alterações metabólicas, as pessoas com obesidade metabolicamente saudável apresentaram um risco cardiovascular mais baixo. Já em comparação com os pacientes sem obesidade e metabolicamente saudáveis, elas apresentaram um risco 34% maior de desenvolver insuficiência cardíaca e 33% mais chances de terem fibrilação atrial (um tipo de arritmia cardíaca).

Por outro lado, as pessoas com obesidade metabolicamente saudável não tiveram um risco maior de apresentarem eventos cardiovasculares como infarto, AVC ou morte por doença cardiovascular.

Os pesquisadores também observaram que os resultados foram um pouco diferentes em homens e mulheres. A obesidade metabolicamente saudável em homens foi associada a um maior risco de eventos cardiovasculares em comparação com homens metabolicamente saudáveis e com peso normal.

Já as mulheres com obesidade e boa saúde metabólica tiveram um risco menor para a maioria dos eventos quando comparadas com aquelas de peso normal e saudáveis metabolicamente.

Com ou sem obesidade, o melhor é focar na saúde e não no peso

O estudo concluiu que os pacientes atendidos nos hospitais franceses com obesidade metabolicamente saudável não tiveram um maior risco de infarto, AVC ou morte cardiovascular que as pessoas com saúde metabólica e sem obesidade, ainda que os primeiros tenham tido maiores chances de terem insuficiência cardíaca ou fibrilação atrial.

Ou seja, os resultados mostram que a obesidade pode aumentar o risco de certos eventos cardiovasculares, mas também indicam que ter uma boa saúde metabólica, independentemente de ter ou não obesidade, pode ser um fator protetor para outras doenças do coração.

Não são apenas as pessoas com obesidade que precisam se cuidar, mas todos nós. Entender isto também pode ser um passo importante para um novo olhar sobre obesidade, quero dizer, para que se previna e se trata esse problema de saúde com base na ciência e no respeito ao paciente, sempre buscando:

Focar na saúde e não no peso. Pessoas de todos os tamanhos e formas podem ser saudáveis, e magreza não é sinônimo de saúde. Por isso, mais interessante do que focar em um número na balança, é buscar um estilo de vida mais saudável, o que inclui dar ênfase a uma boa alimentação (variada, equilibrada e sem dietas restritivas!) e à prática regular e prazerosa de atividade física, além de cuidar da saúde mental, aprender a lidar com o estresse, dormir bem e tudo o mais que possa contribuir com o nosso bem-estar geral e qualidade de vida.

Considerar a obesidade como um problema de saúde e não como uma responsabilidade individual. É muito comum acreditar que a pessoa com obesidade encontra-se nessa situação porque não tem força de vontade. Porém, a obesidade não é uma responsabilidade meramente individual, muitos fatores estão envolvidos com ela, como questões sociais, econômicas, ambientais, psicológicas, genéticas. Assim, um problema tão complexo merece ser tratado com abordagens mais amplas e humanizadas.

Combater o estigma de peso. A pessoa com obesidade sofre muito preconceito de toda a sociedade e o estigma de peso acontece quando ela é julgada pelo tamanho do seu corpo, atitude discriminatória que pode acontecer nas escolas, na mídia, em casa e até nos serviços médicos, quando, por exemplo, um profissional relaciona todos os problemas de saúde de alguém ao seu peso. Há quem pense que essa atitude estimula à perda de peso, mas, na verdade, leva a um distanciamento e recusa em buscar serviços de saúde, ou seja, não contribui para que as pessoas se cuidem.

Por isso, se você está precisando de ajuda para cuidar da sua saúde, conte com a ajuda de profissionais em quem confie e que prezem pelo respeito ao paciente e por uma conduta pautada na ciência com consciência, com destaque para mudanças comportamentais e nos ganhos em saúde.

Bon appétit!

Sophie Deram