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Blog da Sophie Deram

OPINIÃO

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Não é só peso! Comportamento alimentar na gravidez merece mais atenção

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

03/03/2021 04h00

O estilo de vida e a alimentação durante a gravidez têm muita influência na saúde, seja do bebê seja da mulher.

A ciência tem mostrado que o excesso de peso antes da gestação e o ganho de peso excessivo durante esse ciclo de vida aumentam os riscos de a criança desenvolver diabetes, doenças cardíacas, obesidade, entre outros problemas de saúde.

Muita atenção tem sido dada ao peso da gestante, enquanto o comportamento alimentar é deixado de lado nos estudos.

Na tentativa de preencher essa lacuna, um grupo de pesquisadoras liderado por Nadia Micali, cientista interessada no estudo dos transtornos alimentares, desenvolveu um estudo publicado na revista The American Journal of Clinical Nutrition.

Eles perceberam que 1 a cada 3 mulheres perde o controle com a comida durante a gravidez e investigaram as consequências disso para as mães e para os seus filhos.

Perda de controle com a comida na gravidez

A perda de controle com a comida é uma experiência subjetiva. A pessoa, independentemente da quantidade de alimentos consumida, sente que não consegue se controlar. Essa é também uma característica da compulsão alimentar, um transtorno alimentar.

Nem todo mundo que apresenta perda de controle tem compulsão alimentar, sendo necessárias outras características para o seu diagnóstico. De qualquer forma, os comportamentos de descontrole podem indicar um comer transtornado. Ou seja, são práticas alimentares disfuncionais ou inadequadas, mas que não apontam para um transtorno alimentar propriamente dito por apresentarem frequência e intensidade menores.

No entanto, também apresentam prejuízos para a saúde e seus impactos sobre os bebês e grávidas ainda não haviam sido estudados.

Diante disso, as pesquisadoras analisaram dados do The Avon Longitudinal Study of Parents and Children - ALSPAC (Estudo Longitudinal de Pais e Filhos de Avon). Esse estudo foi projetado para avaliar os efeitos do meio ambiente, da genética e de outros fatores na saúde e no desenvolvimento de crianças.

Todas as gestantes que viviam na área geográfica de Avon, no Reino Unido, com previsão de parto entre 1º de abril de 1991 e 31 de dezembro de 1992, foram recrutadas e 11.132 mulheres participaram da pesquisa.

As mulheres forneceram informações sobre a frequência com que comiam determinados alimentos na 32ª semana de gestação. Nesse mesmo momento elas foram solicitadas a relatar se haviam experimentado algum episódio de perda de controle alimentar, sendo categorizadas como: sem perda de controle, perda de controle ocasional e perda de controle frequente.

As mulheres também foram questionadas se haviam feito dieta durante a gravidez atual e se estavam insatisfeitas com sua forma física.

O ganho de peso da gravidez e o peso da criança ao nascer foram obtidos de prontuários obstétricos. E o peso e a altura de 5.515 crianças foram medidos nos próximos 15 anos e meio.

Descontrole alimentar na gravidez pode levar a um maior ganho de peso da mãe e do bebê

Das mais de 11.000 mulheres, 582 ou 5,2% delas relataram perda frequente de controle com a comida. E 3.466 (31,1%) experimentaram perda de controle ocasional.

Esse percentual de mulheres que relataram uma perda frequente do controle alimentar, ganharam, em média, 3,74 kg a mais durante a gestação e tiveram o triplo de chance de ganhar mais peso que o recomendado para gestantes quando comparado com as mães que não apresentaram perda de controle.

As mulheres que relataram descontrole alimentar frequente também apresentaram maior peso na oitava semana após o parto (4 kg a mais, em média) e os seus filhos apresentaram chances duas vezes maiores de terem obesidade aos 15 anos. Aquelas que experimentaram perda de controle com a comida, frequente ou ocasional, geraram filhos mais pesados.

Essas mulheres fizeram mais dieta na gravidez e se mostraram mais insatisfeitas com sua forma física quando comparadas com aquelas sem perda de controle. Elas também relataram uma maior ingestão calórica, de carboidratos e de gordura, com uma alimentação caracterizada por um alto consumo de alimentos com excesso de açúcar e alimentos processados, ao mesmo tempo que relataram consumir menos alimentos considerados "tradicionais".

"Pare de comer por dois" não vai resolver

Esse estudo fornece boas evidências dos efeitos maternos e infantis da perda de controle com a comida durante a gravidez. Esses achados são importantes para a prevenção do excesso de peso das mães e de seus filhos e apontam para a necessidade de um novo olhar sobre a obesidade.

Durante a gestação não adianta dizer para a mãe "pare de comer por dois", muito menos fazer dietas e usar estratégias para emagrecimento, que devem ser especialmente desencorajadas nesse ciclo de vida. Nesse momento, mesmo que a grávida apresente excesso de peso, a intenção é sempre ganhar peso para o bom desenvolvimento do bebê e para a saúde da mãe.

As recomendações indicam que o ganho de peso durante a gestação deve ser um pouco menor em caso de excesso de peso e obesidade, e maior se a gestante for avaliada com baixo peso. Mas cada caso é um caso e na avaliação também deve se considerar a saúde geral da mulher e a estimativa de peso da criança.

Nessa fase, é muito importante que a gestante coma bem para fornecer todos os nutrientes necessários para o bom desenvolvimento do bebê e dela mesma. Isso deve ser incentivado. Porém, quando existe um comportamento alimentar como o descontrole diante da comida, é preciso mais que recomendações para comer bem.

Em situações como essas, não temos apenas questões nutricionais envolvidas, mas também psicológicas e emocionais. Por isso, estar em paz com a comida e com o corpo será primordial para uma gestação mais tranquila.

É preciso cuidar da mente e do corpo e, se necessário, fazer um pré-natal não apenas com o médico obstetra, mas também com uma equipe multidisciplinar composta por nutricionista, psiquiatra e psicólogo, profissionais que poderão trabalhar questões relacionadas à alimentação, aos anseios, preocupações e angústias da gestação.

Assim, é possível ter uma melhor saúde física e mental para o bom desenvolvimento do bebê e da mãe.

Bon appétit!

Sophie Deram