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Rico Vasconcelos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Se 60% dos brasileiros não usam, qual o papel da camisinha na prevenção?

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Imagem: iStock

Colunista de VivaBem

17/03/2023 04h00

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Se você parar uma pessoa qualquer que esteja passando na rua e pedir para ela lhe dizer um método de prevenção contra o HIV e outras ISTs (infecções sexualmente transmissíveis), em praticamente 100% das vezes terá como resposta a camisinha.

Ao longo dos 42 anos de epidemia de HIV/Aids, a camisinha foi exaustivamente recomendada, mas precisou se reinventar para o seu uso parecer atraente. Eleita na década de 1980 pela comunidade gay como a forma de continuar com a vida sexual ativa, porém com menos riscos de infecção viral, a camisinha se multiplicou em cores, sabores, tamanhos, espessuras, texturas, materiais e formas de uso.

Posteriormente, passou a ser distribuída de maneira gratuita e ilimitada em Unidades Básicas de Saúde, terminais de ônibus e outros locais de alta circulação, e se tornou atração principal em escolas contracenando com a banana nas atividades de educação sexual.

No entanto, apesar de todo o empenho de décadas em cima do uso do preservativo, os resultados numéricos foram sempre insuficientes.

Na última PCAP (Pesquisa de Conhecimentos, Atitudes e Práticas na População Brasileira), realizada pelo Ministério da Saúde em 2013 mas publicada apenas no final de 2016, foram entrevistados 12 mil brasileiros com mais de 15 anos de idade em todo país.

Entre os resultados, foi encontrado que 54,9% dos respondentes referiram ter usado o preservativo em todas as suas relações com parcerias casuais no ano anterior à entrevista.

Sabendo que essa PCAP foi feita por meio de questionários aplicados presencialmente por entrevistadores, já era esperado que houvesse algum grau de superestimação desse resultado por influência do viés da resposta socialmente aceita. Afinal, dizer que usa a camisinha costuma deixar o entrevistado bem na fita perante o julgamento moral da sociedade.

Alguns anos depois, a PNS (Pesquisa Nacional de Saúde) retomou o assunto. Fruto de uma parceria do Ministério da Saúde com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a PNS foi idealizada para avaliar o desempenho do sistema de saúde brasileiro, coletando dados sobre condições de saúde, estilos de vida e acesso à saúde da população. Para isso, a PNS utilizou uma subamostra da PNAD (Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios) do IBGE.

Na segunda edição da PNS, realizada em 2019, foi adicionado um módulo de saúde sexual ao questionário aplicado para mais de 108 mil domicílios em todo país. E aqui, diferente da PCAP de 2013, os dados mais sensíveis, como os que se referiam à sexualidade, podiam ser autopreenchidos pelo entrevistado.

Os resultados da PNS de 2019 impressionam. Apenas 22,8% dos entrevistados referiram ter usado a camisinha com todas as suas parcerias no ano anterior, sendo Amazonas o estado com o maior resultado (35,8%) e o Espírito Santo com o menor (18,1%). No estado de São Paulo esse número foi de 25,1%.

Olhando agora para o outro lado da mesma questão, a PNS de 2019 encontrou 59% dos entrevistados afirmando que não tinham usado o preservativo em absolutamente nenhuma vez no último ano, com valores que aumentam com a idade (34,2% entre 18 e 29 anos; 57,7% entre 30 e 39 anos; 69,2% entre 40 e 59 anos; e 82% entre maiores de 60 anos).

Se para você esses resultados causam revolta ou indignação, para mim eles provocam reflexão.

Não tenho nenhuma dúvida de que, sobretudo nos últimos 4 anos, o assunto prevenção do HIV e outras ISTs é abordado com muito menor frequência e profundidade do que deveria, mas entendo que não se trata simplesmente de falta de informação ou indisponibilidade do insumo.

A camisinha não se encaixa nem nunca vai se encaixar na vida de toda a população. E exatamente por isso que, quando utilizada isoladamente como política pública de prevenção, tem um impacto apenas limitado no controle das ISTs.

As pessoas que se conseguem se adaptar ao preservativo devem ser estimuladas a seguir com ela, entretanto os quase 3 quartos da população brasileira que têm relações sem camisinha não devem ser culpabilizados, e sim acolhidos e compreendidos.

Da mesma forma que além da camisinha existem outros métodos contraceptivos, dispomos também de outras formas de prevenção do HIV.

Antes que alguém diga que a adesão insatisfatória à camisinha é o resultado da implementação da Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP), devo lembrá-los que a PrEP só começou a ser implementada no Brasil e de forma tímida em 2018, e que segundo dados do Ministério da Saúde, no início de 2019 havia apenas cerca de 6.700 usuários de PrEP em todo país.

Só não podemos esquecer que camisinha, assim como a PrEP, só previne de forma eficaz quem a utiliza com boa adesão. As duas, assim como a PEP (Profilaxia Pós-Exposição) e a testagem periódica de ISTs, devem ser amplamente divulgadas e disponibilizadas no SUS para que cada pessoa possa acessar com facilidade aquilo que consegue usar.

Políticas públicas combinadas dessa maneira, e não isoladas ou hierarquizadas, terão um potencial muito maior de promover a melhora da saúde sexual da população.