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Rico Vasconcelos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Precisamos nos preparar para a prevenção de ISTs que vai além da camisinha

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

19/08/2022 04h00

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Enquanto o número de novos casos de infecção por HIV diagnosticados a cada ano vem caindo lentamente no mundo na última década, o de outras ISTs (infecções sexualmente transmissíveis) encontra-se em ascensão. Ou pelo menos está nos países que fazem o registro desses dados, como Estados Unidos, França e Reino Unido.

Houve um tempo em que a taxa de incidência de HIV também crescia. Essa era a época em que tínhamos disponíveis como estratégias de prevenção apenas os métodos comportamentais, tais como o uso da camisinha e a redução do número de parcerias sexuais.

O tempo passou e as novas infecções por HIV começaram a cair pra valer e de maneira sustentada somente depois do desenvolvimento do tratamento antirretroviral para as pessoas que vivem com HIV e de diferentes métodos de prevenção combinada, tais como PrEP e PEP.

Para a prevenção de ISTs bacterianas, como sífilis, gonorreia ou clamídia, até hoje estamos parados nos métodos comportamentais. No entanto, com a apresentação dos resultados de um estudo chamado DoxyPEP, na 24ª Conferência Mundial de HIV, realizada no final de julho de 2022, parece que estamos mais próximos do início da era da prevenção combinada também contra outras ISTs.

O estudo DoxyPEP avaliou se o uso do antibiótico doxiciclina depois das relações sexuais poderia reduzir o número de ISTs bacterianas. Para isso, foram incluídos 501 participantes nas cidades de San Francisco e Seattle, nos Estados Unidos, todos eles homens gays/bissexuais ou mulheres trans, e usuários de PrEP ou vivendo com HIV sob tratamento antirretroviral. Depois de incluídos, foram sorteados aleatoriamente para receber o antibiótico ou não.

Os participantes incluídos realizaram durante o acompanhamento exames trimestrais para rastreamento de sífilis, gonorreia e clamídia. Antes do fim do recrutamento dos participantes e um ano antes do término previsto do acompanhamento, o estudo foi interrompido por ter sido identificada uma redução significativa nos casos de ISTs no grupo que estava tomando a doxiciclina.

O uso do antibiótico provocou uma redução de 66% na incidência de ISTs bacterianas, o que significa que as pessoas que tomaram os comprimidos tiveram um terço do risco de pegar uma IST, quando comparadas com aqueles que não tomaram o antibiótico. Essa proteção se manteve consistente e significativa em todos os subgrupos analisados e para todas as ISTs rastreadas.

Esse não é o primeiro estudo a demonstrar que a doxiciclina é capaz de reduzir a incidência de ISTs. Em outros estudos já publicados, esse antibiótico tinha sido utilizado tanto como PrEP (contínuo) quanto como PEP (depois do sexo), mas com um número menor de participantes incluídos e com a demonstração da redução apenas dos casos de sífilis e clamídia.

Logo após a apresentação do DoxyPEP, o CDC (Centro de Controle de Doenças) norte-americano divulgou uma nota informando que, apesar dos resultados animadores do estudo, é preciso ter cautela com possíveis alterações no perfil de resistência a antimicrobianos tanto da flora bacteriana dos seus usuários quanto nas bactérias causadoras de ISTs.

Com o objetivo de acumular mais dados de segurança do uso da doxiciclina como PrEP/PEP contra ISTs bacterianas, outros estudos encontram-se em andamento, coletando inclusive informações sobre a resistência bacteriana. O mais interessante deles é um estudo francês chamado DoxyVac, que vai oferecer a seus participantes, além da doxiciclina como PEP, uma vacina com o potencial de prevenir a infecção por gonorreia.

Assim como na prevenção do HIV, em breve teremos uma variedade de opções de prevenção contra ISTs bacterianas, e, com isso, a esperança de ver um dia seus casos em queda.

Enquanto ainda não temos dados que nos deem segurança para a recomendação do uso da doxiciclina como estratégia de saúde pública, sugiro a todos que já comecem a ir se acostumando com essas novas modalidades de prevenção.

Quando me lembro da dificuldade que foi e ainda é a aceitação da PrEP para HIV no Brasil, penso que não adianta a ciência desenvolver novas tecnologias de prevenção se não estivermos dispostos a incorporá-las.