Topo

Rico Vasconcelos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O aprendizado com o HIV pode ser útil (e muito) no controle do monkeypox

Ato durante a Conferência Mundial de HIV no Canadá: manifestantes seguram cartaz em que se lê, em inglês, "Biden, você falhou na resposta ao monkeypox" - Rico Vasconcelos
Ato durante a Conferência Mundial de HIV no Canadá: manifestantes seguram cartaz em que se lê, em inglês, "Biden, você falhou na resposta ao monkeypox" Imagem: Rico Vasconcelos

Colunista do UOL

05/08/2022 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Na última semana, aconteceu em Montreal, no Canadá, a 24ª Conferência Mundial de HIV. Durante uma semana, médicos, pesquisadores e ativistas trocaram suas experiências sobre as novidades, dificuldades e acertos no enfrentamento da pandemia de HIV/Aids.

A última vez que essa conferência tinha sido realizada em Montreal foi em 1989, numa época em que a humanidade ainda estava perdendo a luta contra o HIV, com números crescentes de novos casos e mortes a cada ano em decorrência da Aids.

De lá para cá, o jogo virou. As curvas de incidência e mortalidade por HIV agora estão em queda. E a luta da vez é pela ampliação em todo mundo do acesso às diversas formas de prevenção, diagnóstico e tratamento do HIV.

Em maio de 2022 fomos surpreendidos pela pandemia de monkeypox se sobrepondo à de HIV, assim, de última hora os organizadores da conferência acrescentaram à programação rodas de conversa e plenárias para se discutir o que sabemos até agora sobre esse vírus e quais os caminhos possíveis para o enfrentamento do seu surto.

Nesse momento inicial, os casos de monkeypox estão se concentrando entre homens gays e bissexuais (98% dos casos, segundo dados apresentados pela OMS na conferência), assim, é impossível não se traçar o paralelo com o início da pandemia de HIV/Aids, na década de 1980.

Impossível também é não se ter, portanto, a preocupação com a não repetição do estigma imposto até hoje aos homens gays e bissexuais em relação ao HIV.

Com a comunicação utilizada nas décadas de 1980 e 1990, criou-se equivocadamente no senso comum a ideia de que todos os homens gays estavam infectados com o HIV por serem gays e terem seus comportamentos; e de que quem não era gay, não precisava se preocupar com esse vírus pois não havia risco de se infectar.

Evidentemente sabemos que qualquer pessoa desse planeta pode se infectar com HIV ou com monkeypox, desde que seja exposta a eles. Além disso, qualquer forma de estigma e discriminação com homens gays ou com qualquer outro grupo marginalizado da sociedade tem o potencial de causar até mais transtornos para essas pessoas do que a própria infecção viral.

Na história da pandemia de HIV, houve um longo, trabalhoso e ainda não acabado processo de luta contra o estigma. Exemplos disso são a revogação em diversos países de leis que criminalizavam as pessoas que viviam com HIV que não revelassem seu status sorológico às suas parcerias sexuais; assim como a ampla divulgação da comprovação científica de que um indivíduo em tratamento antirretroviral com carga viral indetectável para o HIV não tem riscos de transmitir seu vírus em uma relação sexual, independentemente do uso da camisinha (indetectável = intransmissível).

A luta contra o estigma faz parte e anda junto da luta contra o HIV/Aids. Sendo que os melhores resultados dessa dobradinha foram obtidos quando se teve o engajamento e participação das populações mais afetadas nas tomadas de decisões de saúde pública. Sem a participação da sociedade civil, não teríamos chegado nem perto dos avanços já alcançados no controle do HIV ao longo desses 41 anos de pandemia.

Voltando para o monkeypox, felizmente é possível também traçar diferenças significativas com o HIV. A primeira delas é a baixíssima letalidade, dado que em mais de 26.000 casos registrados em todo mundo desde maio, tivemos menos de uma dezena de mortes. Outra diferença importantíssima é a existência de vacinas eficazes na proteção contra o monkeypox.

Essas diferenças me fazem pensar que em pouco tempo, o monkeypox já não será mais uma preocupação para a humanidade. Mas para isso um planejamento é necessário, e sinto falta, sobretudo no Brasil, de um planejamento dos gestores de saúde e do engajamento da sociedade civil nesse enfrentamento.

Até vejo pessoas e entidades se posicionando contra colocações estigmatizantes, mas não uma organização para reivindicar acesso às vacinas. Na Conferência de Montreal, por exemplo, ativistas interromperam uma das plenárias e subiram no palco para denunciar a falta de vacinas nos Estados Unidos.

Sinto falta de uma ação de conscientização entre homens gays e bissexuais para que esses possam tomar suas decisões de redução de risco enquanto a vacinação não está disponível.

Por fim, vejo aqui no Brasil muitas pessoas preferindo não se engajar no enfrentamento do monkeypox para continuarem vivendo como se nada estivesse acontecendo.

A história do HIV já nos mostrou que fingir que não existe uma epidemia é a pior forma de se lidar com ela.

Agora é hora de sermos espertos, de entender e divulgar os sintomas e as formas de transmissão do monkeypox, de cobrarmos um plano nacional de vacinação, e, enquanto isso, de encontrar meios possíveis de reduzir o contato próximo com outras pessoas para conter a disseminação viral tanto entre homens gays e bissexuais quanto em toda a população.