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Rico Vasconcelos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Heterossexuais voltam a ser maioria dos novos casos de HIV no Reino Unido

Getty Images/iStock
Imagem: Getty Images/iStock

Colunista do UOL

04/03/2022 04h00

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Segundo dados atualizados que foram divulgados no último mês sobre a epidemia de HIV no Reino Unido, após uma década o número de novos casos registrados dessa infecção entre pessoas heterossexuais voltou a ser maior do que entre gays e bissexuais.

Essa informação viralizou e causou certo pânico em uma parte da população heterossexual que habita o planeta. E pelo que já vi circulando pela internet, percebi que a notícia precisava ser mais bem compreendida para que não se inicie uma avalanche de informações equivocadas.

Diferente do que muitos entenderam, a notícia é boa e não ruim. É preciso entender que estamos aqui falando da proporção de casos novos diagnosticados, então não se trata de uma explosão de casos entre os héteros, mas uma redução significativa dos casos entre os homens gays e bissexuais.

O Reino Unido tem uma epidemia de HIV semelhante à do Brasil, concentrada em poucos grupos populacionais específicos, como por exemplo os homens gays e bissexuais. Na última década, com o surgimento de novos conhecimentos e tecnologias de prevenção, foram justamente esses grupos os priorizados para a sua implementação.

São exemplos disso tanto o uso da Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP) quanto a disseminação do aprendizado de que um indivíduo em tratamento antirretroviral com a carga viral do HIV indetectável não tem risco de transmitir seu vírus para outras pessoas por via sexual, mesmo que transe sem camisinha.

A potência da associação desses dois métodos de prevenção, juntamente com a ampliação do acesso à testagem rotineira para HIV entre os homens gays e bissexuais, fez com que, no Reino Unido, entre 2014 e 2020 o número de novos casos diagnosticados de HIV nessa população caísse 70%, principalmente entre aqueles que têm melhor acesso à saúde, como os homens brancos.

Paralelamente, no mundo todo a população heterossexual tende a dar menos atenção à epidemia de HIV por achar que essa é uma questão apenas de gays, trans e trabalhadores do sexo. Esse fenômeno ocorre também no Reino Unido, onde durante a pandemia de covid-19 houve uma redução muito maior no número de testes de HIV realizados entre heterossexuais (33%) do que entre gays e bissexuais (7%).

Os casos de HIV estão caindo entre homens gays e bissexuais porque eles se engajaram numa rotina de saúde e prevenção.

A notícia da manchete deve então ser comemorada, e não temida. Ela significa que todo o empenho para levar tecnologias de prevenção, diagnóstico e tratamento para aqueles que eram os mais acometidos pela epidemia de HIV está atingindo as suas metas de redução de incidência. Mas devemos alertar que essas ações não podem se restringir aos homens gays e bissexuais brancos, uma vez que qualquer pessoa que tem vida sexual ativa pode estar vulnerável ao HIV.

No Brasil, estamos ainda numa etapa anterior desse mesmo movimento. Segundo o último Boletim Epidemiológico de HIV do Ministério da Saúde, entre 2007 e 2021, 52,1% dos casos de infecção por HIV notificados entre homens foram em indivíduos gays e bissexuais, enquanto 31% eram heterossexuais. No entanto, sabendo que, desde 2018, 85% das pessoas que iniciaram PrEP pelo SUS até agora foram homens gays, podemos concluir que em breve teremos também aqui uma queda semelhante à do Reino Unido.

Por enquanto, o Protocolo Clínico que regulamenta a oferta de PrEP no Brasil ainda prioriza a indicação do método de prevenção para homens gays e bissexuais, pessoas transexuais, trabalhadores do sexo e integrantes de casais sorodiferentes. Mas, vendo o que aconteceu no Reino Unido, é de se pensar que já está na hora de reavaliar essa restrição ao uso de PrEP aqui no Brasil.

A saúde deve chegar a todos, não importando o gênero, a raça ou a orientação sexual. E combater as desigualdades de acesso a ela faz parte da missão dos governantes e gestores de saúde pública.