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Rico Vasconcelos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Mais segurança para as mulheres que vivem com HIV e desejam engravidar

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

04/02/2022 04h00

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Foi no ano de 2018, durante a Conferência Mundial de Aids que acontecia em Amsterdã, na Holanda. Um grupo de mulheres africanas parou o Congresso. Cantavam e dançavam como forma de protesto na frente de todos os congressistas. Chamavam a atenção da comunidade científica internacional e para os gestores de saúde pública para o fato de que a saúde das mulheres que viviam com HIV importava e deveria ser priorizada.

Entre os gritos, se ouvia "OUR BODIES, OUR RIGHTS, OUR CHOICES!" (Nossos corpos, nossos direitos, nossas escolhas!).

O pano de fundo que motivava os protestos era a restrição recomendada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) para a prescrição do medicamento antirretroviral Dolutegravir para mulheres em idade fértil. Por ser, na época, um dos mais potentes antirretrovirais contra o HIV disponíveis, e por ter um excelente perfil de efeitos colaterais e tolerância entre seus usuários, o mundo via naquele ano uma rápida ampliação de acesso ao recém-lançado medicamento. Todo mundo queria tomar Dolutegravir, mas as mulheres foram proibidas disso.

A euforia do Dolutegravir levou um balde de água fria quando em 2018 foram publicados dados preliminares do estudo Tsepamo, realizado em Botswana, na África, indicando que o uso desse medicamento por mulheres gestantes aumentava significativamente, ainda que de forma pequena, o risco dos seus bebês nascerem com defeitos no tubo neural, uma má-formação neurológica grave.

Enquanto os pesquisadores tentavam compreender melhor a questão, os gestores de saúde de diversos países da África optaram por simplificar o assunto e restringir o uso do Dolutegravir para qualquer mulher com o potencial de engravidar. Esse posicionamento mobilizou ONGs e ativistas que argumentavam que as mulheres não poderiam ser privadas do benefício do novo medicamento, devendo, portanto, participar do processo de decisão do esquema antirretroviral que iriam tomar.

Aquelas que utilizassem um método anticoncepcional eficaz, por exemplo, poderiam perfeitamente usar Dolutegravir. E ninguém melhor do que a própria pessoa para, com autonomia, decidir sobre os métodos de anticoncepção.

De 2018 para cá, felizmente o desenrolar dessa história não poderia ser melhor. A análise completa do estudo Tsepamo não confirmou o risco aumentado de defeitos neurológicos entre os filhos de gestantes que tinham recebido Dolutegravir. E, assim, as restrições ao antirretroviral começaram a cair.

O Brasil também participou da resolução dessa questão. Depois de uma extensa investigação que acompanhou 1.427 mulheres gestantes vivendo com HIV que faziam uso de antirretrovirais entre janeiro de 2017 e maio de 2018, não foi identificado nem ao menos 1 único caso de bebê com defeito de tubo neural ao nascimento.

No Brasil o uso do Dolutegravir estava restrito às mulheres que não estivessem grávidas ou que já tivessem passado do primeiro trimestre de gestação, período em que o tubo neural do feto já teria se formado. Mas na última semana, em Nota Técnica o Ministério da Saúde enfim liberou o uso do medicamento para todas as mulheres, independente da situação gestacional ou anticoncepcional.

Mulheres que vivem com HIV devem ter sua saúde sexual e reprodutiva priorizadas para que possam viver sua vida de maneira plena e feliz. Atualizar as recomendações de tratamento antirretroviral no Brasil é tão importante quanto informar a elas a ausência de risco de transmissão materno-infantil quando esse tratamento é feito de forma adequada.

Por fim, deixar que essas mulheres, munidas do conhecimento científico mais atual, tomem as suas próprias decisões no âmbito da saúde reprodutiva é um avanço civilizatório na saúde pública e no respeito às liberdades individuais.