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Rico Vasconcelos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

PrEP pode ser a porta de entrada ao serviço de saúde para marginalizados

Colunista do UOL

01/10/2021 04h00

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As epidemias de doenças infecciosas e transmissíveis costumam se disseminar mais rapidamente e causar maiores danos entre populações marginalizadas da sociedade.

Foi assim com a pandemia de HIV/Aids, que, desde a década de 1980, concentra de forma desproporcional seus casos no Brasil entre homens gays e pessoas transexuais, e que na última década teve sua mortalidade crescente apenas na população negra.

Da mesma forma, durante a pandemia de COVID-19, os dados nacionais mostraram que em 2020 uma pessoa negra e periférica teve chances significativamente maiores de morrer, caso se infectasse com o Sars-CoV-2.

A explicação para a recorrência de padrões como esses é que pessoas marginalizadas pela sociedade são duplamente vulnerabilizadas a essas pandemias. Por terem direitos violados de forma corriqueira, elas têm menos acesso às ações de prevenção, diagnóstico e tratamento dessas infecções, ao mesmo tempo em que são mais expostas a esses vírus.

Basta pensar no exemplo dos empregados que não puderam ficar em home office, dependeram de transportes públicos lotados e não foram priorizados na vacinação contra covid-19. Ou nas mulheres trans desempregadas que precisaram recorrer ao trabalho sexual para manter alguma renda, muitas vezes se tornando vítimas de violência física praticada por seus clientes e verbal por profissionais da saúde que as atendem.

Toda essa vulnerabilidade social leva a um pior cuidado e evolução não só das doenças transmissíveis, mas também de outras condições de saúde mais prevalentes na população geral, como hipertensão arterial ou depressão. Muitas dessas pessoas sequer têm algum acompanhamento de sua saúde ou um profissional a quem possa recorrer.

Quando a Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP) foi implementada no SUS (Sistema Único de Saúde) em 2018, indicada preferencialmente para homens gays e bissexuais, pessoas trans e trabalhadores do sexo, iniciou-se no Brasil um processo inédito de vinculação dessas pessoas ao acompanhamento médico regular.

Nessa rotina, essas pessoas passaram a ter o contato periódico com o serviço de saúde, onde podem tirar suas dúvidas, receber orientações sobre eventuais questões de saúde que desenvolvam, fazer o rastreamento de ISTs, atualizar a carteira vacinal, medir a pressão arterial, acompanhar o peso, o uso de drogas, o tabagismo, a saúde mental e a atividade física, além, é claro, de estarem protegidas do HIV.

Nesse sentido, para muitas pessoas o acompanhamento da PrEP funcionou como uma porta de entrada para o serviço de saúde, que até então não tinha sido capaz de acolhê-las. O benefício desse fenômeno para a saúde pública, portanto, vai muito além da prevenção do HIV.

Para que esse processo funcione adequadamente e que seus frutos sejam de fato colhidos, os profissionais da saúde envolvidos no atendimento de usuários de PrEP devem estar comprometidos com a promoção da saúde integral, de forma semelhante aos médicos de família ou generalistas que atendem em UBSs (Unidades Básicas de Saúde).

Se no Brasil até mesmo um senador da República tem seus direitos violados por ser homossexual, imaginem o que se passa entre os negros, pobres e periféricos? É preciso aproveitar a oportunidade que a PrEP proporciona de aproximação de pessoas historicamente marginalizadas da saúde, e lutar pela ampliação do acesso a ela, para que essa marcante desigualdade brasileira comece a ser sanada.