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Rico Vasconcelos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Os haters da PrEP deveriam assistir à série 'It's a Sin'. Os lovers também

Parte do elenco da série "It"s a Sin" - Divulgação
Parte do elenco da série "It's a Sin" Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

23/07/2021 04h00

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Costumo chamar os primeiros 15 anos da pandemia de HIV, que vão de 1981 a 1996, de período "HIV - Catástrofe". Uso esse nome forte para tentar transmitir a dimensão do impacto e da mortalidade que esse vírus provocou na humanidade antes que um tratamento antirretroviral eficaz fosse desenvolvido. Uma catástrofe que pesou sobretudo sobre os homens gays/bissexuais e as mulheres trans.

Isso motivou até hoje a criação de centenas de filmes, livros, músicas, séries, peças, musicais e outras produções artísticas retratando histórias (quase sempre tristes) do período. Obras que tanto homenagearam as vítimas da Aids quanto prestaram solidariedade aos seus parentes e amigos.

Dois dos clássicos dessa lista são os longa-metragens "E a vida continua", baseado no livro de Randy Shilts, e "Filadélfia", que rendeu a Tom Hanks o Oscar de melhor ator. Os dois gravados no início da década de 1990, período em que os casos e as mortes da pandemia cresciam de maneira mais explosiva.

Em 2021, ano em que se completaram 40 anos que tomamos conhecimento da pandemia de HIV, num momento em que poderíamos até pensar que todas as representações artísticas possíveis do "HIV - Catástrofe" já tinham sido feitas, a série inglesa "It's a Sin" (que pode ser traduzido como Isso é pecado), da HBO Max, chega arrebentando e supera todas as expectativas.

Escrita por Russell T. Davies, o mesmo autor de "Years and Years", a série conta a história de um grupo de estudantes gays que se mudam para Londres, no Reino Unido, no início dos anos 80 e montam uma república.

Com origens diferentes, cada um deles vai encontrando uma maneira de sobreviver à metrópole. E quando estão conseguindo alcançar algum crescimento pessoal e profissional, são atravessados pela pandemia de HIV, contra a qual têm quase nenhuma capacidade de reação.

Ainda que conte uma história pra lá de batida para o acervo de filmes sobre HIV, "It's a Sin" consegue emocionar quem a assiste por fazer isso discutindo de forma brilhante os desafios da vida e do desenvolvimento dos personagens.

Desafios que são ainda hoje atuais. Aborda, por exemplo, a homofobia evidente nas relações familiares e sociais, e a forma com que essa discriminação funcionou como combustível para a explosão dos casos de infecção por HIV.

Mais do que uma série sobre HIV, "It's a Sin" é uma obra que propõe o debate sobre os determinantes sociais de vulnerabilização. Determinantes que, 40 anos depois, ainda vulnerabilizam.

A disseminação do HIV é apenas um dos sintomas disso. E o mais interessante é que a série consegue fazer isso em apenas 5 episódios curtos. Não dá nem tempo de cansar.

Assistir à "It's a Sin" em 2021 pode até provocar em alguns a sensação de alívio. Uma impressão de que a catástrofe já acabou. Mas infelizmente devo lembrá-los de que ela não só continua (em menor escala) acontecendo até hoje, mas também a discriminação como seu combustível ainda está longe de desaparecer. E não por acaso, continua pesando sobre os mesmos grupos.

Fico inclusive pensando em como pode hoje alguém se posicionar contra a implementação de uma estratégia de prevenção que reduza de forma efetiva a incidência de infecções por HIV. E concluo que deve se tratar de falta de conhecimento ou de memória.

A PrEP (Profilaxia Pré-Exposição ao HIV) foi a primeira intervenção nesses 40 anos de pandemia capaz de reduzir drasticamente os novos casos dessa infecção. Mais do que isso, a PrEP tem sido apontada como uma oportunidade inédita de entrada e vinculação ao sistema de saúde dos subgrupos historicamente marginalizados.

Se já existisse PrEP na década de 1980, o final de "It's a Sin" seria bem diferente. A homofobia provavelmente seria a mesma, mas pelo menos todos os personagens chegariam vivos ao fim da história.