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Rico Vasconcelos

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Tecnologia a favor da saúde: EUA têm serviço para rastrear ISTs em casa

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

09/04/2021 04h00

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A pandemia de covid-19 está obrigando a humanidade a se reinventar em muitos aspectos. Primeiro, o medo da disseminação do coronavírus fez com que os escritórios deixassem de ser considerados "lugar de trabalho", o que foi transferido a lugares mais seguros, como as casas. Depois, a melhora dos provedores de internet e o avanço da tecnologia da comunicação fizeram com que "local de trabalho" fosse qualquer local do planeta.

Assim como as casas e os escritórios passaram a ser onde cada um determinasse que fossem, com a possibilidade do teleatendimento qualquer lugar também pode se transformar em um consultório de um profissional da saúde.

Toda essa transformação, no entanto, não se iniciou na pandemia. Ela estava engatinhando no Brasil quando as circunstâncias fizeram com que ela tivesse que aprender rapidamente a andar. E agora que já está quase correndo, parece que não terá mais volta.

Dentre os inúmeros benefícios da transformação tecnológica do nosso cotidiano, como por exemplo a economia do tempo de deslocamento no trânsito para se chegar a uma reunião do outro lado da cidade, gosto sempre de lembrar da ampliação do acesso à saúde com a valorização da comodidade.

Da mesma forma que pacientes de outros estados não precisam mais viajar de avião para realizar uma consulta, as coletas domiciliares de exames laboratoriais nunca foram tão solicitadas como são agora. A privacidade e a segurança do local em que cada pessoa escolhe estar são agora prioridades dentro da atenção à saúde.

Trazendo essa discussão para o mundo das ISTs (infecções sexualmente transmissíveis), já são bastante conhecidas e estudadas as barreiras existentes para a vinculação de uma população sexualmente ativa a uma rotina de testagens periódicas.

Em uma pesquisa de 2020 realizada por uma fabricante de testes de HIV com 2.035 pessoas com mais de 15 anos de idade, apenas 9% dos participantes referiram que se testavam rotineiramente para o HIV, enquanto para 86% dos respondentes vergonha é um dos motivos para não se testarem.

Conflito do horário de trabalho com o período de atendimento dos serviços de saúde e receio de precisar revelar informações de sua intimidade são outras barreiras citadas pela literatura médica.

Uma das estratégias criadas para tentar vencer estes obstáculos é o autoteste de HIV, tecnologia em que o próprio usuário realiza e interpreta o resultado, no lugar que preferir, de forma parecida com um teste de gravidez.

Os autotestes de HIV já são distribuídos gratuitamente pelo SUS e vendidos em farmácias, entretanto opções semelhantes ainda não existem disponíveis para o rastreamento de outras ISTs, como sífilis, gonorreia e clamídia.

Na última década, em Amsterdã, na Holanda, foi criado o conceito de um serviço de testagem com privacidade para todas as ISTs chamado Checkpoint. Nesse modelo, depois de um rápido cadastro, em uma sala reservada, as pessoas faziam a autocoleta de amostras necessárias para os testes, e em algumas horas recebiam os resultados por SMS. Quando havia a indicação de algum tratamento, o paciente era convocado a voltar na unidade.

Essa fórmula de rastreamento das ISTs priorizando comodidade e privacidade deu tão certo que em pouco tempo unidades do Checkpoint tinham sido abertas em diversas outras cidades europeias, como Lisboa, Londres, Paris, Barcelona e Atenas.

Com a chegada da pandemia do Sars-CoV-2 e toda a transformação que ele causou no cotidiano das pessoas, percebeu-se que com um pouco mais de tecnologia o acesso ao rastreamento das ISTs poderia ser ainda mais facilitado.

Nos Estados Unidos, a ONG NASTAD e a Universidade de Emory, preocupadas com o impacto que a redução na testagem para ISTs causada pela interrupção do atendimento prestado pelos serviços de saúde durante a pandemia de covid-19, criaram o projeto TAKEMEHOME.COM, que pode ser traduzido do inglês como "Me leve para casa".

Acessando a plataforma do projeto, qualquer pessoa pode solicitar um kit de testagem para ISTs que é enviado por correio em embalagem pequena e discreta. O kit contém um autoteste de HIV feito com saliva, frasco para coleta de urina e instrumentos parecidos com cotonetes para coleta de amostras de garganta e região anal, utilizados para pesquisa de gonorreia e clamídia, e um cartão para coleta de 4 pequenas gotas de sangue.

O autoteste de HIV já informa o resultado em 20 minutos. Depois de seco, o cartão com o sangue deve ser enviado, juntamente com a urina e os cotonetes, por correio para a análise laboratorial. Depois de alguns dias o usuário recebe os resultados por e-mail.

O serviço por enquanto só atende habitantes dos Estados Unidos, mas a iniciativa mostra que quando a tecnologia e a saúde se aliam, muitos avanços podem ser alcançados no enfrentamento de ISTs.

A revolução tecnológica proporcionada pela pandemia de covid-19 pode servir como alavanca para o desenvolvimento no resto do mundo de projetos como esse, permitindo que as pessoas se mantenham em dia com o rastreamento de ISTs sem sair de casa.

Afinal, se a tecnologia hoje com os apps de encontro já torna mais fácil a busca de parcerias sexuais, por que não pode também ajudar a cuidar da prevenção?