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Paulo Chaccur

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

O que fazemos na infância pode determinar surgimento de problemas cardíacos

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Colunista do UOL

31/07/2022 04h00

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Pode até parecer excesso de cuidado, mas acredite: proteger o coração ainda na infância é essencial. A construção desde cedo de hábitos e um estilo de vida saudável, bem como o monitoramento de fatores importantes para o sistema cardiovascular, faz diferença na trajetória e longevidade de um indivíduo.

Um estudo publicado no The New England Journal of Medicine revela que fatores de risco cardiovasculares na infância e adolescência estão diretamente relacionados ao aparecimento de doenças cardíacas em adultos. Para o levantamento, cerca de 40 mil pessoas foram acompanhadas ao longo de muitas décadas em diversos países, como Finlândia, Austrália e Estados Unidos.

Os resultados apontam que as crianças com índice de massa corporal, pressão arterial ou lipídios no sangue ligeiramente elevados, além daquelas que começam a fumar na pré ou na adolescência, estão mais suscetíveis aos eventos cardiovasculares quando chegam à idade adulta, com 75% deles ocorrendo antes dos 53 anos.

Melhor prevenir do que remediar

O fato é que a grande maioria das pessoas nasce saudável, mas ao longo da vida acumula no organismo os efeitos de uma alimentação desregrada ou desbalanceada, da falta de atividades físicas, do estresse, da ausência de um sono reparador e de qualidade, de maus hábitos —como fumar ou consumir álcool em excesso—, do contato com a poluição (sonora e ambiental), entre outros.

Portanto, nunca é cedo demais para dar atenção a pontos que lá na frente podem fazer diferença e prevenir uma série de doenças e consequências para a saúde, o bem-estar e a qualidade de vida. Uma infância saudável pode ser a chave para um coração forte no futuro.

Atitudes certas nos primeiros anos de vida

Uma revisão de estudos publicada no periódico Journal of The American College of Cardiology, que contou com a liderança do cardiologista Valentin Fuster (Faculdade de Medicina do Hospital Mount Sinai/EUA), aponta que hoje menos de 1% das crianças têm uma alimentação considerada ideal, e que 50% dos adolescentes não se exercitam o quanto deveriam.

A boa notícia sinalizada no levantamento é que corrigir e modificar isso antes da vida adulta faz com que o risco de doenças seja atenuado praticamente no mesmo nível das crianças que tiveram uma infância saudável. Isso por conta da plasticidade cerebral dos pequenos. A infância é tida como o período ideal para introduzir comportamentos duradouros.

Estratégias para prevenir os males cardiovasculares

Obesidade infantil, criança comendo fast-food - iStock - iStock
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E quando falamos dos principais complicadores para a saúde cardiovascular, estão no topo da lista: obesidade, hipertensão, diabetes e colesterol, questões que estão cada vez mais presentes na vida da população adulta e também têm afetado as crianças.

Para entender a dimensão do problema, um estudo encomendado pelo Ministério da Saúde mostrou que uma em cada 10 crianças brasileiras de até 5 anos está com o peso acima do ideal: são 7% com sobrepeso e 3% já com obesidade —a estimativa é que 6,4 milhões de crianças têm excesso de peso e 3,1 milhões já evoluíram para obesidade (dados divulgados em 2021).

E se engana quem imagina que isso seja apenas entre os mais crescidinhos. O estudo identificou uma prevalência maior de excesso de peso entre as crianças de até 23 meses (23% delas acima do peso), de 24 a 35 meses no segundo lugar (20,4%), seguidos pelos de 36 a 47 meses (15,8%) e 48 a 59 meses (14,7%). Portanto, os cuidados devem começar ainda bebê.

Em um primeiro momento, as dobrinhas até fazem as crianças parecerem saudáveis. No entanto, se não desaparecerem a partir dos cinco anos, aumentam em cerca de 40% as chances deste adulto se tornar obeso, hipertenso, com deficiências vitamínicas e problemas no coração.

Pilar fundamental: alimentação

Aleitamento materno, amamentação, mãe amamenta bebê - iStock - iStock
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Para proteger o coração dos pequenos, a participação e influência dos pais são fundamentais. Introduzir uma alimentação saudável é importante já a partir do nascimento, começando com o aleitamento materno de forma exclusiva até o sexto mês —ele fornece todos os nutrientes que a criança precisa, sem a necessidade de complementos.

E mesmo com a alimentação complementar, a amamentação em livre demanda deve ser mantida até dois anos ou mais, conforme recomendação da OMS (Organização Mundial de Saúde).

Dos seis meses em diante é hora de incluir, de forma gradual, novos itens ao cardápio. Entretanto, investindo em alimentos naturais e deixando de fora ao máximo as guloseimas, produtos industrializados e ultraprocessados, que contêm grandes quantidades de açúcar, sódio, gordura e corantes.

Além da obesidade, o consumo de sal em excesso está associado ao aparecimento de hipertensão arterial ao longo da vida. Segundo a OMS, crianças devem consumir, no máximo, 2 g de sódio (o equivalente a 5 g de sal de cozinha —conteúdo daqueles sachês encontrados em restaurantes e lanchonetes). Outro ponto de atenção é o sedentarismo. O estímulo a atividades físicas e esportivas é indispensável.

Genética e histórico familiar

Vale lembrar, porém, que algumas doenças são geneticamente transmitidas dentro de uma família, mesmo que não exista nenhum fator de risco associado ou a existência de hábitos ruins e falta de cuidado com a saúde, o corpo e a alimentação.

Contudo, é possível realizar avaliações cardiológicas ainda durante a gestação, possibilitando diagnosticar precocemente e até iniciar o tratamento de problemas no coração antes mesmo do nascimento. Por isso, o acompanhamento e a realização de todos os exames durante a gestação e no início da vida da criança são de extrema importância.

Não devemos esquecer ainda que quem tem pais, avós, tios ou irmãos com fatores de risco cardiovascular ou que passaram por um evento envolvendo o coração tem mais risco de apresentar o mesmo problema ou, por exemplo, desenvolver a doença arterial coronariana (DAC), sofrer um infarto do miocárdio, um AVC (acidente vascular cerebral) ou apresentar anomalias no órgão, como os defeitos cardíacos congênitos.

Portanto, todo cuidado é pouco quando o assunto é a saúde do nosso coração! No caso das crianças, é preciso envolver a participação de diferentes esferas da sociedade: escola, família e comunidade e políticas públicas que incentivem a promoção da saúde em longo prazo.

Atitudes e ações na infância serão, como vimos, muitas vezes determinantes na construção e manutenção de um sistema cardiovascular saudável.