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Paulo Chaccur

REPORTAGEM

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Entenda como a anorexia e a bulimia afetam a saúde do seu coração

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

07/11/2021 04h00

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A preocupação excessiva com a imagem e a aparência. Os estímulos gerados especialmente nas redes sociais para a necessidade de corpos perfeitos e padrões irreais. Somados a ansiedade, estresse, dilemas emocionais, genética e os muitos desafios vividos na nossa sociedade são alguns dos principais gatilhos ou causas para os chamados transtornos alimentares.

Aqui estamos falando de problemas conhecidos pela maioria, como anorexia e bulimia, no entanto, também de outros menos abordados e que muitas vezes passam despercebidos, a exemplo da vigorexia (obsessão por um corpo perfeito, com músculos fortes e torneados) e pregorexia (qualquer transtorno alimentar que ocorra ao longo da gestação). São transtornos que surgem, de modo geral, a partir de comportamentos e atitudes extremas e frequentemente relacionados à alimentação.

Os efeitos batem à porta de consultórios diariamente e trazem um alerta. Vemos a tendência de um aumento tanto no número de distúrbios como no de suas vítimas. A questão é que uma alimentação desordenada interfere e é afetada pela saúde física, psicológica e social. Leva a comportamentos muitas vezes perigosos, que podem trazer consequências significativas a capacidade do corpo de obter uma nutrição apropriada, com risco de complicações potencialmente fatais, sendo por vezes subestimadas.

Os transtornos alimentares podem prejudicar o coração, o sistema digestivo, os ossos, os dentes e a boca, além de levar a outras doenças, independentemente da idade. Isso porque, apesar de normalmente se desenvolverem na adolescência e na juventude, atingem pessoas em qualquer fase da vida.

Podem ainda vir acompanhados ou serem o estopim para quadros de depressão, crises de ansiedade, pensamentos ou comportamentos suicidas, problemas com crescimento e desenvolvimento, problemas de relacionamento, vícios, entre muitos outros. Quanto mais grave ou duradouro for o transtorno alimentar, maior a probabilidade de complicações sérias.

Consequências para o organismo e o coração

O fato é que nosso organismo precisa de combustível, conquistado especialmente na forma de alimentos, que são quebrados em glicose e circulam por todo corpo através da corrente sanguínea —isso sem mencionar os nutrientes, vitaminas e demais substâncias ingeridas através das refeições. Cada célula depende desse fornecimento para seguir trabalhando. Assim como o coração.

O órgão é a bomba que nos mantém vivos, o motor que alimenta todos os outros sistemas. Sem ele, o corpo não consegue funcionar adequadamente. Porém, necessita de energia para se manter. Assim, distúrbios alimentares também podem ser extremamente prejudiciais ao sistema cardiovascular. Para se ter ideia do que estamos falando, dados indicam que 80% dos pacientes com um distúrbio têm alguma complicação cardíaca. E isso piora entre pacientes que abusam do uso de laxantes e/ou diuréticos.

Ao limitarmos o fornecimento de comida ou exigências nutricionais mínimas diárias, como é frequente em casos de certos transtornos restritivos, o corpo percebe —e reage. Ao reconhecer o déficit, passa a operar em um modo de conservação. A restrição alimentar pode levar, por exemplo, ao aumento do tônus vagal e a bradicardia (redução do ritmo de batimentos do coração), hipotensão ortostática (queda excessiva da pressão arterial), síncopes, arritmias, insuficiência cardíaca congestiva e até a morte súbita.

Da mesma forma, nosso metabolismo precisa se adaptar quando o indivíduo ingere regularmente comida em excesso, sem controle sobre sua alimentação. Nesses casos, as complicações surgem em decorrência de comer rápido ou consumir mais alimentos do que necessário, mesmo depois de estar desconfortavelmente cheio. O exagero, às vezes de 4 a 15 mil calorias em poucos minutos, aumenta a possibilidade de uma obesidade grave —e novamente severas complicações cardíacas.

Casos críticos para o sistema cardiovascular

Entre os transtornos alimentares que mais atingem o sistema cardiovascular está a anorexia, capaz de gerar prejuízos em diferentes aspectos. O quadro envolve autoinanição (restrição voluntária de alimentos) e perda de peso intensa, que pode chegar a uma desnutrição severa. Vários estudos demonstram que aproximadamente 30% das mortes em pacientes com anorexia nervosa são resultado de complicações cardíacas. Portanto, é uma doença grave e potencialmente fatal, com alta taxa de morbidade e mortalidade.

O indivíduo não só nega ao organismo nutrientes essenciais que inibem seu funcionamento, como também força o corpo a diminuir a velocidade para conservar energia. O coração especificamente fica menor e mais fraco, tornando mais difícil a circulação do sangue em um ritmo saudável.

Sem a energia suficiente vinda dos alimentos, o próprio coração diminui sua pulsação, causando a bradicardia —um ritmo cardíaco lento, que chega a batimentos perigosamente baixos por minuto. Com o tempo, o músculo cardíaco enfraquece (junto com outros músculos do corpo) e não consegue mais bombear o sangue como deveria.

Por sua vez, um batimento cardíaco bradicárdico afeta a pressão arterial, que ao atingir níveis muito baixos provoca tonturas e desmaios. Há também uma perda de reflexo no órgão para contrair os vasos sanguíneos e promover o aumento necessário da pressão. Ou seja, em longo prazo, a situação pode se agravar, chegando ao risco de insuficiência cardíaca —quando o coração se torna incapaz de bombear adequadamente o sangue para nutrir o organismo.

Quando precisa conservar energia, o órgão ainda diminui o fluxo sanguíneo para as partes "menos necessárias" do corpo, as extremidades, o que resulta em sensação de frio, dedos azuis ou uma aparência manchada na pele. Além disso, as anormalidades podem chegar aos sinais elétricos guiados através do coração e provocar um efeito contrário: alterações elétricas quando intensas acarretam em um possível ritmo cardíaco irregular ou arritmia, que dependendo do caso e da gravidade, resulta até em morte.

Os efeitos deste tipo de distúrbio sobre o corpo incluem outros problemas, como osteoporose, perda muscular, fadiga e fraqueza, todos fatores que também afetam a capacidade de um estilo de vida saudável e importante para prevenir eventos cardiovasculares.

Outros agravantes

Bulimia - iStock - iStock
Imagem: iStock

No caso da bulimia, os riscos se repetem, porém, com alguns agravantes. Isso porque este distúrbio se caracteriza por uma ingestão exagerada de determinados alimentos e, numa segunda fase, por culpa, a indução do vômito ou a utilização de laxantes, diuréticos ou exercícios físicos extenuantes. O que, além de contribuir para a desnutrição, afeta a hidratação.

E assim como precisamos de taxas normais de glicose, dependemos de níveis adequados de água. Portanto, são pessoas com maiores chances de desidratação severa e suscetíveis a mudanças perigosas em eletrólitos, como sódio, potássio e magnésio.

Em resumo, a desidratação diminui a pressão sanguínea e prejudica assim todos os órgãos do corpo, em especial o coração e os rins. Nosso sistema cardíaco também é muito sensível aos níveis dos principais eletrólitos. As células cardíacas reagem de forma irritável aos desequilíbrios eletrolíticos, desencadeando batimentos irregulares, que incluem palpitações e arritmias e, por consequência até eventos perigosos, que incluem o infarto.

Buscar ajuda é fundamental

Aqui abordamos as consequências de dois transtornos, mas há outros que podem ser mais ou menos graves ao coração, metabolismo e demais órgão do corpo. No entanto, o que precisa ficar claro é que em nenhuma hipótese são problemas que devem ser minimizados ou ignorados. Um distúrbio alimentar pode ser difícil de administrar ou superar, mas é preciso buscar ajuda médica urgentemente.

Com tratamento, é possível voltar a hábitos mais saudáveis e, em muitos casos, reverter complicações sérias. Dados indicam que, pelo menos nos estágios iniciais, as anormalidades cardíacas têm grandes chances de reversão ao restaurar o peso e a nutrição.