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Paulo Chaccur

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Entenda os impactos da quimioterapia para a saúde cardiovascular

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Colunista do UOL

28/03/2021 04h00

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Estamos vivendo um momento extremamente delicado, em que o foco, as atenções e todos os esforços estão voltados para a pandemia do coronavírus. No entanto, não podemos nos esquecer, ou muito menos minimizar, outras doenças graves e suas consequências, que seguem atingindo milhares de pessoas por todo o país.

E quando falamos em problemas de saúde sérios, o câncer figura nas estatísticas como umas das enfermidades que mais atinge os brasileiros. A cada ano, mais de 600 mil pessoas recebem o diagnóstico de algum tipo de câncer e cerca de 230 mil morrem em decorrência da doença.

Se não bastassem todos os desafios que acompanham o diagnóstico de um câncer, seu tratamento pode afetar e acarretar em complicações em outros órgãos fundamentais para o funcionamento do nosso corpo, a exemplo do coração.

A quimioterapia e o coração

Para começar, vamos entender o que é a quimioterapia. Em resumo, como descreve o Inca (Instituto Nacional de Câncer), é um tratamento que utiliza medicamentos para destruir as células doentes que formam um tumor. Esses remédios se misturam com o sangue e são levados a todas as partes do corpo, destruindo as células doentes e impedindo que se espalhem.

Diversos avanços foram conquistados nos últimos anos neste tipo de tratamento e isso já tem reflexo no aumento das taxas de sobrevivência e a um maior número de pessoas vivendo sem câncer muitos anos após a quimioterapia. No entanto, embora salve vidas também pode provocar problemas no coração e no sistema vascular.

A esse dano muscular ou disfunção cardíaca damos o nome de cardiotoxicidade, um efeito direto da quimioterapia. O órgão se torna mais fraco e não é tão eficiente no bombeamento, o que compromete, portanto, a circulação do sangue.

O que a cardiotoxicidade causa

A cardiotoxicidade induzida por quimioterapia se desenvolve durante o tratamento ou ainda surge dentro de dias, meses ou até anos, com os pacientes já livres do câncer. Suas complicações podem reduzir a qualidade de vida e aumentar a chances de morte por problemas cardíacos.

Entre algumas das consequências que afetam o sistema cardiovascular, estão: doença tromboembólica, insuficiência cardíaca, hipertensão, doenças pericárdicas (pericárdio é a membrana que envolve o coração), arritmias, isquemia miocárdica (baixo fluxo sanguíneo para o coração), infarto e acidente vascular cerebral.

Os sintomas variam de acordo com a complicação de cada quadro, mas no geral, o indivíduo apresenta dor no peito, mudanças no ritmo cardíaco, fadiga, falta de ar, ganho de peso e inchaços.

Isso ocorre, na maioria dos casos, em pessoas que apresentavam anteriormente fatores de risco conhecidos para os eventos cardiovasculares, como consumo excessivo de álcool, tabagismo, má alimentação, obesidade, sedentarismo, hereditariedade, diabetes, hipertensão e colesterol alto.

O mesmo vale para aqueles que já tinham problemas prévios no coração, a exemplo de um infarto ou indivíduos que fizeram ponte de safena no passado. Apesar disso, é importante reforçar: qualquer paciente pode ter cardiotoxicidade.

Outros tratamentos

Radioterapia, tratamento câncer - iStock - iStock
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A toxicidade para o sistema cardiovascular é variável e depende do esquema terapêutico utilizado, não se restringindo apenas a quimioterapia. A radioterapia, outra forma de tratamento no caso de tumores, também pode afetar o coração (quando realizada na área do tórax). E assim como no caso da quimioterapia, é possível que esses problemas se manifestem vários anos após a exposição.

Para exemplificar, aqui estão algumas de suas possíveis complicações: arritmias, insuficiência cardíaca, endurecimento do músculo cardíaco, inflamação e espessamento do saco pericárdico, problemas de condução elétrica ou danos nas válvulas cardíacas e eventos agudos, como o infarto do miocárdio.

Você deve estar se perguntando: então todos os tipos de tratamento de câncer causam cardiotoxicidade? Não. Nem todos, mas muitos têm o potencial. Além dos já mencionados, podemos incluir ainda a terapia direcionada (terapia molecular), anticorpos monoclonais e medicamentos usados para prevenir a recorrência do câncer.

Como avaliar os riscos?

Apesar das chances de cardiotoxicidade e suas consequências, isso não deve ser motivo de pânico, mas, sim, servir de alerta. Essas situações são possíveis e vão depender do tratamento prescrito, do tipo de tumor e estágio e das condições do organismo de cada um.

O risco de problemas cardíacos durante e após o tratamento dependerá do quão saudável estiver o coração, se o paciente já sofre ou tem predisposição para algum problema cardiológico e dos medicamentos que receber. Quando ocorre uma reação grave pode ser necessário, inclusive, interromper o tratamento e monitorar o órgão periodicamente.

Por isso, é oportuno que oncologistas e cardiologistas trabalharem juntos, especialmente em casos de pessoas com qualquer propensão ou condição que possa gerar um evento cardíaco.

É possível proteger o coração durante o tratamento?

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O primeiro passo é atentar-se aos fatores de risco para eventos cardiovasculares. Isso deve ser feito durante toda a vida, mas principalmente ao iniciar a terapia oncológica. Os pacientes precisam manter uma dieta equilibrada e saudável, praticar exercícios regularmente, dar atenção ao sono, estresse e a saúde emocional, além de controlar níveis de diabetes, pressão e colesterol.

Também, como dito, é importante o monitoramento de uma equipe multidisciplinar. Certas doenças cardíacas desencadeadas pela terapia antitumoral têm possibilidade de reversão. E aqui vale mais um alerta: mesmo com a covid-19 é indispensável manter as suas consultas de acompanhamento ou buscar avaliação médica se notar algum sintoma diferente no corpo.

Dados apontam que os diagnósticos de câncer caíram desde o início da pandemia. Muito por medo das pessoas em contrair o coronavírus. A redução do número de biópsias para diagnóstico tem repercussão, no entanto, na mortalidade, uma vez que sem o tratamento adequado é possível que o tumor cresça e se torne menos curável.

Portanto, a recomendação é que os pacientes não deixem de fazer suas consultas de rotina e, quando estão em tratamento, não abandonem a terapia. Os cuidados e a prevenção de uma doença não devem e não podem anular a atenção de outra, especialmente quando há a saúde do coração envolvida.