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Paulo Chaccur

É possível identificar problemas cardiovasculares ao olhar o paciente?

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Colunista do UOL

17/01/2021 04h00

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Pode parecer estranho, mas não é raro de acontecer. O paciente entra no consultório ou em uma unidade de emergência e só de olhar para ele já é possível saber: ali tem algum problema cardiológico. Claro, a experiência e os anos de profissão vão nos dando bagagem e conhecimento para isso, mas alguns sinais físicos podem de fato ajudar a reconhecer indícios de que há alguma coisa errada com o órgão.

Inchaços

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Um dos mais evidentes sinais são os inchaços em pernas e pés. Quando a pessoa já chega apresentando o sintoma, é preciso investigar. O surgimento de inchaços nessas regiões do corpo pode revelar alterações no bombeamento do sangue pelo coração. O sangue, bombeado para as pernas e os pés, provavelmente não está retornando de maneira adequada ao órgão, ficando assim estagnado.

Se o aumento de tamanho acontece de forma bilateral (ou seja, em ambos pés ou pernas), o órgão aparentemente está com sua dinâmica comprometida. Como perde a força necessária para fazer com que o fluido circule, ocorre a retenção de líquido, responsável pelo inchaço. Nesses casos, o problema acontece devido a um enfraquecimento do músculo do coração, no geral, em decorrência de uma insuficiência cardíaca.

Outras possíveis causas são: alterações na circulação venosa, como a existência de varizes ou até uma pequena trombose, doença valvar avançada (com mau funcionamento das valvas mitral e tricúspide) ou até uma doença pulmonar avançada.

Alterações na cor da pele

Mudanças na coloração do dedo ou de vários dedos dos pés, inicialmente avermelhada e que passam para uma tonalidade azul ou arroxeada, são mais um indício claro da má circulação do sangue, que pode evoluir, inclusive, para uma isquemia (diminuição da passagem de sangue pelas artérias).

Eventos agudos de isquemia se manifestam quando, além da cor, subitamente o pé fica esbranquiçado e com temperatura baixa (ou sensação de frio crônico), quadro de avaliação imediata para diagnóstico e tratamento, buscando evitar o aparecimento de úlcera (principalmente em diabéticos, a chamada úlcera diabética), a necrose do pé e até, em casos mais graves, uma possível necessidade de amputação.

Calvície

careca, calvície, queda de cabelo - iStock - iStock
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Sim, isso pode afetar qualquer pessoa e, de modo geral, trata-se apenas de genética. Pouca gente sabe e dificilmente a calvície é associada a um problema do coração, mas pode estar relacionada, especialmente quando acontece de forma prematura ou muito rápida nos homens.

Estudos apontam que em pacientes que sofrem de calvície do tipo coroa, aquela no qual o cabelo cai apenas no topo da cabeça, o risco de sofrer infarto é maior. Isso porque as artérias podem estar comprometidas pela doença arterial coronária. Claro que não basta ser careca para ter o diagnóstico, mas essa pode ser uma característica comum entre os indivíduos que sofrem da enfermidade.

Manchas na pele

Outro sinal são as chamadas xantomas ou xantelasmas. São pequenas manchas de gordura (bolsas amareladas sob a pele) que aparecem, normalmente, nas pálpebras, nádegas, cotovelos e joelhos. Elas não trazem nenhum problema ou afetam a saúde, porém, podem indicar o acúmulo de colesterol de forma tão elevada que os vasos sanguíneos, não mais capazes de contê-los internamente, começam a liberar sob a pele.

O indício é que os vasos necessitam urgentemente de tratamento, uma vez que é muito provável que já estejam afetados pela aterosclerose (acúmulo de placas de gordura nas artérias), o que pode causar problemas cardíacos graves.

Ganho de peso injustificado

Aqui talvez não seja perceptível num primeiro encontro com o paciente, mas, sim, se é uma pessoa conhecida. Ganhar peso sem um motivo específico pode também revelar alguma doença do coração. O sintoma sempre surge em casos mais graves, em portadores de cardiopatias sérias, como a insuficiência cardíaca.

Isso acontece devido a uma forte tendência a retenção líquida, uma vez que, da mesma maneira como comentado no caso dos inchaços, o coração não consegue manter o bombeamento adequado de sangue. A deficiência do músculo cardíaco acaba dificultando o trabalho dos rins, que não consegue filtrar o fluido, causando a concentração de líquidos no corpo. Dessa forma, o paciente começa a ganhar peso sem motivo.

Problemas na gengiva e hálito desagradável

Problemas na gengiva (como a gengivite) ou machucados na boca, além de causar odor desagradável e até a perda dos dentes, se não tratados adequadamente, podem ter como consequência problemas no coração.

Quando acontecem de forma crônica, há a possibilidade de gerar inflamações em diversas partes do nosso organismo. Assim, as bactérias das gengivas podem atingir o sistema cardiovascular, causando uma inflamação nessa área, em especial nas artérias coronárias.

Falta de ar

Dor no coração/ Falta de ar/ Ataque cardíaco  - iStock - iStock
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Aquela pessoa que, mesmo sem ter realizado nenhum grande esforço físico, já chega ofegante, com dificuldade de respirar, puxando o fôlego ou até mesmo com falta de ar ao falar, pode estar mostrando mais um sinal de doença no coração —em grau avançado de comprometimento cardiovascular.

A falta de ar é uma consequência do mau funcionamento dos pulmões ou do coração. Quando relacionada ao coração, o problema está no seu desempenho ao bombear o sangue pelo lado esquerdo. Isso pode ocorrer devido ao mau funcionamento das válvulas ou por doença avançada da musculatura do ventrículo esquerdo, acarretando acúmulo de sangue nos pulmões e a possibilidade de extravasamento desse sangue nos alvéolos pulmonares, inclusive com quadro agudo de insuficiência respiratória (congestão pulmonar).

A falta de ar também é um sintoma comum de insuficiência cardíaca. Nos estágios iniciais da doença, muitas pessoas se sentem sem fôlego após exercícios ou ao realizar tarefas que exigem mais do corpo. No entanto, se o quadro avança, a sensação de falta de ar pode se tornar corriqueira mesmo durante atividades do dia a dia, como subir escadas, tomar banho e até ao deitar.

Fadiga e cansaço aparente

O mesmo da falta de ar também acontece com o cansaço excessivo injustificado. Sabemos que todo mundo fica cansado após realizar determinadas atividades, mas aqui estamos falando de esgotamento, aquele cansaço extremo acompanhado de má disposição.

Quando o coração está fraco ou dilatado, não bombeia o sangue com eficiência para pulmões e músculos, causando fadiga. Grande parte dos casos de infarto, por exemplo, semanas antes são precedidos de fadiga. Vasos sanguíneos bloqueados ou problemas na circulação são algumas das causas dessa complicação.

O que uma selfie pode revelar

Mulher tira selfie; foto; internet, redes - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Segundo um estudo publicado no European Heart Journal, feito com mais de 5.700 pacientes na China, é possível premeditar o risco de doenças cardiovasculares analisando apenas traços de pacientes através de fotos do seu rosto. De acordo com a pesquisa, selfies podem dar indícios, por exemplo, da doença arterial coronariana.

A análise foi feita com a utilização de inteligência artificial (IA), identificando riscos a partir de características como cabelos ralos ou grisalhos, rugas, vinco no lóbulo da orelha e xantelasmas. Essa tecnologia ainda está em evolução e precisa ser aprimorada, mas já é um primeiro passo para o desenvolvimento de uma ferramenta baseada em IA, com uso de algoritmos, que poderia ser usada de forma simples e rápida para prever possíveis chances de doenças cardíacas.

Por enquanto, seguimos no método tradicional de observação, que apesar de simples, pode ser muito eficiente, uma vez que a partir dessa avaliação inicial, partimos para um exame clínico minucioso para investigação aprofundada e a possível confirmação da patologia cardiovascular.