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Paulo Chaccur

Cérebro e coração: você sabe como eles se relacionam?

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

02/08/2020 04h00

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O cérebro manda um sinal. O coração reage. Um susto, uma notícia ou encontro inesperado, um momento de raiva. O coração acelera, reduz seu ritmo ou parece estar partindo ao meio. Imagino que todo mundo já passou pelo menos uma vez por alguma situação assim e sabe do que estou falando. Mas será que o contrário também pode ocorrer? Nosso coração seria capaz de "conversar" com o cérebro?

Os cientistas vêm analisando há anos estas respostas dadas pelo coração aos comandos do cérebro. Entretanto, estudos recentes apontam que eles estão muito mais conectados do que imaginamos. A comunicação entre os dois é uma via dinâmica, de mão dupla e contínua, de modo que cada um dos órgãos exerce influência na função do outro.

O que se sabe hoje é que cérebro, coração e mente estão intrinsecamente conectados. Um depende do outro, ou seja, se um adoece ou falha, os outros podem acabar afetados. As descobertas atuais indicam que, além de ser uma bomba fundamental para o funcionamento do corpo, o coração também exerce a função de enviar informações e estímulos de forma constante, ativando ou inibindo diversas áreas cerebrais, segundo as necessidades do organismo. É como se ele também pudesse sentir, pensar e decidir.

Esta inter-relação fez com que cardiologistas, neurofisiologistas e neuro-anatomistas juntassem forças em uma área de mútuo interesse, iniciando assim a disciplina da neuro-cardiologia. Dentro dela, pesquisas e observações clínicas relevam ligações importantes entre doenças do cérebro e do coração, como elas se desenvolvem e progridem. Já se sabe, por exemplo, que erros de comunicação entre eles podem resultar em doenças cardíacas, incluindo infartos, morte súbita e problemas no suprimento sanguíneo.

O coração também tem cérebro?

Um artigo publicado em maio deste ano na iScience revela a descoberta de especialistas da Thomas Jefferson University (EUA), que mapearam pela primeira vez os neurônios de um coração humano e os recriaram em 3D. Assim, puderam revelar que o coração tem sua própria rede neuronal, complexa e suficientemente extensa, que pode ser caracterizada como o cérebro do coração (heart-brain).

Esse sistema nervoso intrínseco cardíaco, onde se concentram neurotransmissores, proteínas e células de apoio, tem memória de curto e longo prazo e pode operar, independentemente do comando do sistema nervoso central. Vale destacar aqui que com essa memória se torna possível que ele aprenda através das experiências.

Portanto, o funcionamento do coração é mantido pelo cérebro, através de uma rede de nervos, assim como pelo sistema nervoso intra-cardíaco, ou seja, aquele contido no próprio coração, que atua para monitorar e corrigir quaisquer distúrbios entre estes sistemas. As mensagens por ele transmitidas de forma autônoma (com base em estímulos orgânicos) são recebidas em algumas regiões do cérebro, que ouvem atentamente sua performance.

Com base nesta e outras investigações recém-divulgadas, entendemos então que o coração se comunica com o cérebro por quatro vias: neurologicamente (através da transferência de impulsos nervosos), por via bioquímica (por hormônios e neurotransmissores), por via biofísica (através de ondas de pressão) e energeticamente (por meio de interações de campos eletromagnéticos).

Emoções x doenças neuro-cardiológicas

Podemos identificar esta inter-relação entre o coração e o cérebro por meio das emoções e do estresse. Primeiro, vamos entender o papel de cada um desses órgãos quando somos acometidos por uma delas, seja positiva ou negativa.

O cérebro reage alterando o funcionamento do coração. O sistema nervoso libera substâncias que fazem com que a resposta cardiovascular tenha o predomínio dos estímulos simpáticos, elevando os batimentos cardíacos, ou de forma parassimpática, com diminuição da frequência.

Já o coração se encarrega da homeostase, em busca de manter o equilíbrio emocional. Ele faz isso inibindo o estresse gerado, priorizando a produção de hormônios que promovam bem-estar, como a oxitocina.

O que pesquisas e avaliações clínicas atuais estão apontando é que há ligações importantes entre problemas que afetam especificamente nosso cérebro ou coração. Por exemplo, os pacientes com insuficiência cardíaca (IC), síndrome complexa com mais de 15 milhões de casos diagnosticados em todo o mundo, correm maior risco de depressão, deficiência cognitiva e distúrbios do sono, distúrbios cerebrais (como derrame cerebral, distúrbios mentais e comprometimento cognitivo), entre outras comorbidades —conceito chamado de síndrome cardio-cerebral na IC.

O estresse acentuado revela ainda mais essa relação entre cérebro-coração, uma vez que pode levar ao aparecimento de disfunção cardíaca e uma ampla variedade de condições patológicas, incluindo a hipertensão arterial sistêmica, isquemia miocárdica silenciosa, morte súbita de causa cardíaca, doença coronária, arritmias cardíacas, síndrome metabólica, diabetes e muitos outros distúrbios.

Desta forma, é importante considerar que muitos fatores que colocam uma pessoa em risco de doença cardíaca também podem colocá-la em risco de acidente vascular cerebral e outros eventos no cérebro. Apesar disso, as condições do cérebro e do coração são ainda com frequência tratadas clinicamente separadas, mesmo quando ocorrem de forma simultânea no mesmo paciente.

Todo mundo sai ganhando

É importante compreender então que fatores de risco neuro-cardiológicos podem ter consequências tanto para a saúde do coração quanto cerebrais. O lado bom é que se pacientes fizerem modificações no seu estilo de vida e investirem no tratamento indicado vão se beneficiar em termos cardíacos e, consequentemente, prevenir também eventos cerebrais —e vice-versa.

Quando você considera que distúrbios do coração e da mente estão entre as principais causas de morte no Brasil e no mundo, a importância de investimentos nesse tipo de pesquisa e de novos estudos sobre a comunicação entre os sistemas nervoso e cardiovascular se torna ainda mais essencial para a criação de tratamentos que possam contribuir para a nossa saúde.