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Paulo Chaccur

Proteja seu coração: temperatura provoca mudanças no funcionamento do órgão

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

05/07/2020 04h00

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O inverno chegou e as baixas temperaturas aos poucos começaram a dar as caras, pelo menos em parte do Brasil, como as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. No entanto, de modo geral, o termômetro tende a variar bastante no decorrer da estação e até mesmo durante apenas um só dia.

Com certa frequência, temos manhãs que começam frias e ao chegar próximo ao horário do almoço o clima já está mais ameno, principalmente em dias ensolarados. Porém, basta ele se pôr para que a temperatura comece novamente a cair com o passar das horas e a madrugada ganhe um ar gelado. E aí surge aquela dúvida: como fica a nossa saúde com essa variação?

Apesar de o organismo ter mecanismos de adaptação tanto para altas como para baixas temperaturas, os riscos existem. E diferentemente do que muitos imaginam, eles não são apenas para os pulmões, mas também ao coração e todo sistema cardiorrespiratório.

Efeito gangorra

Quem, assim como eu, vive na capital paulista, sabe bem o que significa o chamado "efeito gangorra": dias quentes, misturados com ondas de frio, com muito sol e também períodos de chuva. No inverno passado, por exemplo, tivemos o registro de dias com máximas próximas aos 35ºC. Se considerarmos o dia mais quente e o mais gelado registrado na cidade durante a estação em 2019, a diferença chega a mais de 26ºC (dados do Inmet - Instituto Nacional de Meteorologia).

No geral, o corpo está bem preparado para lidar com essas alterações súbitas de temperatura —do calor para o frio e vice-versa. Toda vez que precisa se adaptar, aciona um sistema chamado homeostase e diferentes órgãos agem em conjunto para manter tudo em boas condições de funcionamento.

No entanto, há fatores que podem trazer riscos à saúde, seja quando saímos do calor para o frio e do frio para dias quentes. Será então que toda mudança de temperatura é perigosa?

Como o corpo reage: do calor para o frio

Quando saímos de altas para baixas temperaturas, o organismo age e redireciona o sangue quente para os órgãos. Desta forma, ele preserva as funções vitais. Já o coração passa a bater mais devagar, fazendo a respiração acelerar para aumentar a oxigenação do sangue. Os pelos se arrepiam, criando uma camada de ar que funciona como isolante térmico, diminuindo a perda de calor do corpo para o ambiente.

Se o corpo sabe como agir, onde estão os riscos então?

Segundo informações do Instituto Nacional de Cardiologia, o inverno costuma aumentar em 30% o risco de infarto. Isso porque, no frio, em geral abaixo de 15°C, o organismo precisa acelerar o metabolismo e trabalhar mais para manter o equilíbrio térmico, sobrecarregando o sistema cardiovascular por causa do estreitamento dos vasos sanguíneos —neste caso, a constrição das artérias coronárias, os vasos que levam sangue ao coração.

Se elas reduzem o calibre, a oferta de sangue fica menor. E, por consequência, essa constrição pode provocar a dor no peito (angina) em função da isquemia miocárdica, ou seja, uma diminuição ou suspensão da passagem de sangue pela artéria.

Nas baixas temperaturas, o aumento da pressão sanguínea sobre a parede dos vasos (que já estão com o calibre reduzido) facilita ainda o desprendimento de placas de gordura localizadas no interior das artérias, que podem bloquear o fluxo do sangue para o coração e para o cérebro. Entre as possíveis consequências, estão o AVC (acidente vascular cerebral) ou infarto.

Se o frio for mais intenso e a temperatura corporal baixar para menos de 35ºC, é possível surgir sintomas como cansaço, apatia e dificuldade de coordenação motora. Em casos mais preocupantes, se chegar aos 30ºC, a frequência cardíaca diminui e a pouca oxigenação no cérebro irá dificultar o raciocínio.

Há então uma redução do metabolismo, levando ao enfraquecimento do músculo cardíaco e a parada do coração. São casos de hipotermia, considerada a situação mais grave resultante do frio extremo.

Frio + tempo seco

Vale reforçar que o inverno no Brasil não significa só queda nas temperaturas, mas também tempo seco e aumento de poluição, cenário que deixa o organismo mais suscetível às doenças virais e respiratórias, como a gripe e a pneumonia.

A infecção causada pela gripe pode alterar a frequência cardíaca, sobrecarregando o bombeamento de sangue pelo coração. Além disso, assim que o organismo detecta a presença de agentes infecciosos, passa a produzir substâncias para tentar reagir. O problema é que essas substâncias são inflamatórias e nocivas ao sistema cardiovascular. Elas acabam na corrente sanguínea e, se o paciente já tiver alguma vulnerabilidade cardíaca, o processo é mais rápido e mais grave.

Existe ainda a possibilidade de uma doença viral gerar um processo de agressão ao músculo do coração e assim causar uma miocardiopatia, umas das causas mais comuns de insuficiência cardíaca (quando o coração não consegue mais bombear sangue suficiente para o resto do corpo) —quadro que também pode culminar em um infarto ou AVC.

Por essa razão, a vacinação contra a gripe é tão importante nesta época do ano, não só por evitar infecções respiratórias, mas também para proteger pessoas de eventos cardiovasculares.

Se frio demais pode ser perigoso, o calor em excesso também é prejudicial

Quando acontece o contrário, e a mudança na temperatura é do frio para o calor ocorre, como primeiro ajuste corporal, a vasodilatação dos vasos da cabeça, mãos, braços, pernas e pés. Há uma grande incidência de inchaço nos pés e nas mãos, com deficiência da circulação venosa nos membros inferiores.

Nesse cenário, a pressão sanguínea também tende a cair, deixando o sangue mais viscoso e as artérias, secundariamente, mais contraídas. O coração passa então a bater com velocidade maior, acelerando a circulação do sangue para irrigar os órgãos que precisam de oxigenação. Ocorre ainda uma perda de calor, com a produção maior de suor, podendo levar, em situação extrema, à desidratação.

Se a temperatura corporal ultrapassa os 38ºC, surge a febre, acompanhada por muito suor, calafrios e cansaço. Acima de 40ºC, há a hipertermia, com a perda de água e mineral, podendo causar vômitos e desmaios. Em casos extremos, quando o corpo atinge 42ºC, ocorre desidratação, comprometendo os órgãos vitais, e há a possibilidade de coma e até risco de morte.

Proteja sempre seu coração

Outro cenário que merece atenção: a queda brusca nos termômetros ou a mudança de um ambiente aquecido para um muito frio. O chamado choque térmico é mais um agravante no quadro de alergias respiratórias e pode ser o estopim para desencadear eventos cardíacos.

Em todas as situações descritas, os riscos são maiores para idosos, pessoas em situação de rua, cardiopatas, portadores da doença arterial coronária ou aqueles que já têm alguma predisposição ou fator de risco, como tabagismo, sedentarismo, obesidade, colesterol alto, hipertensão e diabetes. Quem faz parte desse grupo precisa redobrar os cuidados sempre.

No entanto, é importante para a população de modo geral estar atenta e preparada às oscilações acentuadas de temperatura, usando vestimentas adequadas, ter cuidados constantes com a alimentação e a hidratação, além de manter em dia a avaliação cardiológica.