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Paulo Chaccur

Poluição e saúde do coração: realidade do coronavírus nos dá esperança?

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

24/05/2020 04h00

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Quando você escuta ou lê as palavras "poluição atmosférica", qual a primeira imagem que vem a sua cabeça? Para a maioria das pessoas elas são automaticamente associadas a cenas de trânsito, fumaça, céu cinza, pulmão e doenças respiratórias. No entanto, a questão vai muito além, principalmente quando está relacionada com a saúde.

Se pararmos para analisar, veremos que se trata de uma real e grande ameaça à humanidade. Para se ter ideia, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), calcula-se que ocorram anualmente no mundo 4,2 milhões de mortes prematuras atribuídas à contaminação do ar.

No Brasil, o levantamento mais recente do Ministério da Saúde aponta que as mortes em decorrência da poluição atmosférica aumentaram 14% em dez anos, de 38.782 para 44.228 mortes (informações contidas no estudo Saúde Brasil 2018, que utilizou dados de 2006 a 2016 do Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM). E se engana quem imagina que esses números refletem em sua maioria mortes por consequência de problemas respiratórios. O coração é na verdade a principal causa.

O coração no centro do problema

Ainda de acordo com o estudo Saúde Brasil 2018, no país as doenças isquêmicas do coração atribuídas à poluição do ar foram responsáveis pelo maior número de mortes, tanto em homens quanto em mulheres (141,3 óbitos por 100 mil habitantes em homens e 84,4 em mulheres).

No âmbito global, um artigo publicado no ano passado na Revista Circulation, da Associação Americana do Coração, ressalta que a poluição atmosférica foi a causa de cerca de 3,3 milhões de óbitos no mundo decorrentes de doenças cardiovasculares (dados consolidados de 2016), superando o número de mortes atribuídas a problemas crônicos e fatores tidos como de risco, entre eles o tabagismo (2,48 milhões), a obesidade (2,85 milhões) e o diabetes (2,84 milhões).

Traçando um comparativo com as doenças respiratórias, a estimativa em percentual é que mais da metade (cerca de 58%) das mortes prematuras no mundo atribuídas à contaminação do ar sejam por doenças cerebrovasculares e isquêmica do coração, 18% por doença pulmonar obstrutiva crônica e infecção respiratória aguda baixa; e 6% por câncer de pulmão, traqueia e brônquios (dados da OMS de 2016).

Os impactos da poluição sobre a saúde do coração

Há alguns anos, estudos epidemiológicos já relatam efeitos decorrentes da exposição aos diferentes poluentes atmosféricos para o coração, mas surgem cada vez mais pesquisas com evidências sólidas sobre o assunto.

As consequências mais significativas envolvem resposta inflamatória pulmonar, alterações na coagulação, isquemia cardíaca (redução do fluxo sanguíneo para o coração impedindo que ele receba oxigênio suficiente), elevação da pressão arterial, alterações na frequência cardíaca (arritmias) e disfunção da anatomia do órgão. Essas alterações geradas aumentam, inclusive, o risco de um ataque cardíaco ou infarto agudo do miocárdio. E para isso temos algumas explicações. Uma delas tem relação com os pulmões.

Uma vez no sistema respiratório, os poluentes inalados podem causar uma inflamação intensa nos pulmões, além da constrição dos seus vasos. A consequência para o corpo segue em efeito cascata: vasos mais estreitos reduzem a entrada do oxigênio no sangue. Por consequência, o coração recebe menos oxigênio e começa a trabalha mais para compensar. Cenário que pode levar ao infarto.

As chances de infarto também se elevam quando a substância entra na corrente sanguínea. Primeiro, ela pode tornar o sangue mais viscoso, aumentando o risco de formação de pequenos trombos (coágulos) nos vasos sanguíneos. Esses coágulos podem obstruir a artéria coronária, aumentando, consequentemente, o risco de um ataque cardíaco.

Há ainda uma segunda possibilidade: em resposta a esse elemento estranho que está na corrente, as células de defesa do sangue começam a agir. Isso, por sua vez, favorece a aterosclerose —quando placas de gordura se acumulam no interior das artérias coronárias, podendo causar a redução do seu calibre ou até a interrupção do fluxo sanguíneo, o que gera a diminuição da oxigenação das células do músculo cardíaco (miocárdio).

E os problemas não param por aí. Outra constatação desta interferência da poluição no coração foi feita por cientistas da Queen Mary University, de Londres. Na conclusão da pesquisa, eles relatam um aumento no tamanho das estruturas cardíacas em indivíduos expostos a poluição em concentrações mais altas.

A exposição a poluentes —principalmente vindos dos automóveis movidos a gasolina ou diesel—, como o dióxido de nitrogênio ou o monóxido de carbono, por exemplo, afetam o coração, levando ao aumento nas dimensões das duas cavidades ventriculares, esquerda e direita. Localizados na parte inferior do órgão, os ventrículos são responsáveis por bombear o sangue para a artéria aorta (ventrículo esquerdo) e para a artéria pulmonar (ventrículo direito).

Embora as alterações sejam pequenas, segundo a pesquisa, elas não podem ser descartadas, uma vez que combinada a outros fatores, como características genéticas, hábitos alimentares e estresse, o aumento dos ventrículos pode levar a um quadro de insuficiência cardíaca.

Claro que para as pessoas que já têm alguma predisposição ou doença no coração, o risco dos problemas surgirem em exposição aos poluentes são maiores, mas há registros de casos de eventos cardiovasculares inclusive em indivíduos sem sintomas ou fatores de risco associado.

Bons sinais

O fato é que nenhum de nós está completamente protegido da exposição à poluição do ar. Ela está presente, em maior ou menor concentração, nos mais diferentes ambientes. Por se tratar de um material particulado na atmosfera —partículas muito finas de sólidos ou líquidos suspensos no ar—, ele acaba se espalhando para além dos centros urbanos, afetando também locais mais afastados.

E apesar dos alertas e ações já adotadas ainda tem muito a ser feito. Porém, há esperança. Não sei se em meio ao caos e as incertezas que surgiram com a pandemia do coronavírus você teve a oportunidade de parar e olhar para o céu. É perceptível que ele está mais limpo, mesmo em grandes centros urbanos, como São Paulo.

De acordo com a Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), já na primeira semana de quarentena obrigatória, que teve início no dia 24 de março, a cidade registrou a redução de 50% no índice de poluentes liberados diretamente no ar, resultado da diminuição na circulação de veículos (carros, ônibus e caminhões), a principal fonte de emissão de poluentes na metrópole.

Portanto, se por um lado temos tantos desafios com a chegada da covid-19 podemos também enxergar os pontos favoráveis que tudo isso nos trouxe. São Paulo é só um exemplo. Nas grandes cidades do Brasil e do mundo o impacto direto na qualidade do ar é uma constatação real, com consequências positivas para a saúde, para o meio ambiente e a economia.

Já vimos que é possível. Porém, é preciso seguir em frente e não voltar ao ponto que paramos antes da pandemia. Esta melhora pode ser mantida após o isolamento? Claro que sim, mas isso dependerá de conscientização. Estimativas mostram que, se você não usar seu carro um dia por semana, por exemplo, deixaria de emitir por ano cerca de 440 kg de dióxido de carbono na atmosfera (considerando um percurso diário de 20 km). Multiplique isso pela frota da capital paulista.

É importante fazer nossa parte e cobrar o poder público por um controle rígido da poluição ambiental, com iniciativas para a redução de veículos, mais engajamento na promoção e estímulo a fontes de energia limpa e políticas de sustentabilidade. Assim, quem sabe daqui em diante conseguiremos respirar um ar mais saudável.