Topo

Paola Machado

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Qual a relação entre as bactérias do intestino e a saúde mental?

iStock
Imagem: iStock

Colunista do UOL

14/07/2022 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

A saúde mental é um tema em bastante evidência, principalmente após a pandemia. Uns dias atrás, assisti a um vídeo de um podcast no qual uma psiquiatra dizia sobre a relação entre saúde mental e o intestino e, assim, comecei a estudar mais sobre essa relação.

De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), "a saúde mental é um estado de bem-estar no qual o indivíduo é capaz de usar suas próprias habilidades, recuperar-se do estresse rotineiro, ser produtivo e contribuir com a sua comunidade. A saúde mental implica muito mais que a ausência de doenças mentais".

Mas qual sua relação com o intestino? Estudos mostram que as bactérias intestinais são peças-chave no seu humor e saúde mental e podem aliviar os sintomas de depressão, ansiedade e estresse e, quando não cuidados, também podem piorá-los. O que já reforcei aqui é que o intestino é um ambiente de trilhões de células bacterianas que compõem um ecossistema único —microbioma intestinal — e, além de todos os benefícios, suas atividades influenciam o seu cérebro.

Como sabemos, o corpo é exposto ao estresse. Ele passa por uma série de mudanças para que toda a energia e os principais recursos sejam direcionados aos músculos e ao cérebro, e também faz com que o corpo libere cortisol, sendo que todos esses fatores podem afetar o microbioma intestinal.

Da mesma forma, se o seu microbioma intestinal estiver desequilibrado (disbiose), seu humor geral pode ser afetado. Isso ocorre porque a atividade de suas bactérias intestinais afeta o estresse e a ansiedade —um microbioma equilibrado pode melhorar sua forma de lidar com estresse, mas um microbioma desequilibrado pode afetar sua saúde mental.

Veja alguns pontos importantes:

O nervo vago conecta seu intestino e seu cérebro

Seu intestino e cérebro estão conectados pelo nervo vago, que faz parte do sistema nervoso autônomo e permite respirar, digerir alimentos e engolir. Este nervo é capaz de enviar mensagens do seu cérebro para o seu sistema gastrointestinal e vice-versa.

A conexão entre os dois órgãos significa que o eixo intestino-cérebro está se tornando vital na saúde mental, doenças que afetam o cérebro e até mesmo na síndrome do intestino irritável. Isso explica por que o estresse pode afetar sua digestão, mas também por que problemas digestórios podem deixá-lo triste (quem não fica mais chateado ou até irritado quando está constipado ou com algum problema intestinal?).

O nervo vago na digestão é responsável pela motilidade —ajudando na movimentação dos alimentos no trato digestório—, na própria digestão —estimulando a liberação de enzimas digestórias— e apetite —comunicando a saciedade ao cérebro.

Comunicação entre as bactérias intestinais e o seu cérebro

As bactérias intestinais decompõem os alimentos, principalmente as fibras alimentares, e os transformam em metabólitos como ácidos graxos de cadeia curta. Estes são detectados pelo nervo, que envia dados ao cérebro, permitindo a regulação dos processos digestórios.

O butirato, por exemplo, é um ácido graxo de cadeia curta (AGCC) que beneficia a saúde do intestino e ele é sintetizado pela microbiota intestinal quando há quebra dos carboidratos não digeridos, como fibra alimentar e os amidos resistentes (prebióticos).

Por outro lado, quando o nervo vago é prejudicado pelo estresse, ele não pode reagir efetivamente à inflamação, o que é ruim para o intestino e as bactérias intestinais.

Relação entre inflamação, bactérias intestinais e depressão

Para apoiar sua saúde, seu microbioma intestinal precisa ser diversificado, o que ajuda a mantê-lo equilibrado. No entanto, se não for equilibrado, micróbios oportunistas podem se aproveitar e proliferar, resultando em um estado inflamatório, que pode contribuir para a depressão —gerando ainda mais inflamação e fazendo com que isso se torne um grande ciclo.

Já um microbioma diversificado pode prevenir esse estado inflamatório, ajudando a melhorar os níveis de humor e ansiedade. A alimentação saudável é uma maneira de melhorar o microbioma e reduzir a inflamação.

Bactérias intestinais e saúde mental

O butirato é um ácido graxo essencial de cadeia curta produzido por bactérias intestinais benéficas quando você ingere frutas, vegetais, sementes, nozes, grãos integrais, legumes, por exemplo. Ele não apenas mantém seu intestino saudável, mas o seu cérebro também se beneficia.

O butirato é a principal fonte de combustível para as células do revestimento intestinal, por isso ajuda a manter essa barreira forte e intacta, além de ajudar a prevenir a inflamação. Um estudo mostrou que o butirato pode ajudá-lo a desenvolver novas células cerebrais e você pode contribuir ativamente para a produção de butirato em seu intestino através de sua alimentação, pela ingestão de prebióticos, ou seja, alimentos que fornecem sustento diretamente às bactérias intestinais, como frutas, legumes, grãos integrais e leguminosas.

Probióticos e depressão

As bactérias probióticas fornecem muitos benefícios à saúde, inclusive para o cérebro. Elas residem naturalmente no intestino, mas também são encontradas em suplementos e alimentos fermentados, como iogurte e kefir.

As espécies de Bifidobacterium, Lactobacillus e Lactococcus são exemplos de probióticos, porque apoiam todo o corpo e melhoram a saúde mental. Algumas pesquisas mostram que certas espécies de Lactobacillus melhoram a forma de lidar com o estresse e a ansiedade, já alguns estudos mostram que ingerir probióticos pode ajudar a aliviar os sintomas da depressão.

Os probióticos ajudam a melhorar o bem-estar, mantendo o ecossistema intestinal equilibrado e prevenindo a disbiose.

Ingestão de prebióticos para nutrir bactérias probióticas

Você aumentou sua ingestão de probióticos, mas para colher todos os benefícios para a saúde, você precisa mantê-los nutridos. Assim como você, suas bactérias intestinais precisam de alimentos para mantê-las energizadas e para isso são necessários os prebióticos.

Eles são substâncias encontradas em alimentos à base de plantas que mantêm as bactérias intestinais benéficas. Fibras prebióticas, polifenóis e amidos resistentes nutrem as bactérias intestinais, que, por sua vez, as transformam em nutrientes benéficos. Além disso, o consumo de prebióticos também está associado a uma redução no comportamento relacionado à ansiedade.

Os micróbios intestinais regulam os hormônios da felicidade

Eles se comunicam com células que produzem serotonina, um neurotransmissor (e um hormônio) que regula seu humor, bem como os níveis de ansiedade e felicidade. Da mesma forma, outro neurotransmissor, o ácido gama-aminobutírico (GABA), regula e melhora o humor porque ajuda a acalmar o sistema nervoso e a desligar as reações de estresse.

Algumas bactérias intestinais probióticas podem até produzir GABA para o seu corpo. Assim, sua alimentação pode ajudar suas bactérias a protegerem seu bem-estar mental, porque consumir os alimentos certos alimenta boas bactérias.

A composição do seu microbioma e saúde mental

A composição do microbioma intestinal pode dizer muito sobre o que está acontecendo dentro do seu corpo. Lembre-se de que o microbioma intestinal de todos é único, mas a diversidade é um fator comprovado para manter seu corpo (e sua mente) saudável.

O intestino e o cérebro são os principais exemplos de como as mudanças em um podem afetar o outro. Um microbioma intestinal desequilibrado, ou disbiose, está associado a muitas doenças, incluindo transtornos de humor como a depressão.

Da mesma forma, a depressão pode causar inflamação, que pode afetar o ecossistema natural do intestino. No entanto, pesquisas promissoras mostram que os probióticos e prebióticos estão tendo efeitos positivos na depressão, ansiedade e controle do estresse.

Como em muitos dos meus textos, sempre reforço a importância de manter uma boa saúde intestinal para sua saúde em geral e, quanto mais estudos surgem, mais temos certeza que a saúde intestinal é essencial.

Referências:

Liu L, Zhu G. Gut-Brain Axis and Mood Disorder. Front Psychiatry. 2018 May 29;9:223. doi: 10.3389/fpsyt.2018.00223. PMID: 29896129; PMCID: PMC5987167.

Cheung SG, Goldenthal AR, Uhlemann AC, Mann JJ, Miller JM, Sublette ME. Systematic Review of Gut Microbiota and Major Depression. Front Psychiatry. 2019 Feb 11;10:34. doi: 10.3389/fpsyt.2019.00034. PMID: 30804820; PMCID: PMC6378305.

Winter, Gal & Hart, Robert & Charlesworth, Richard. (2018). Gut microbiome and depression: What we know and what we need to know. Reviews in the Neurosciences. 29. 10.1515/revneuro-2017-0072.

Benakis C, Martin-Gallausiaux C, Trezzi J, Melton P, Liesz A, Wilmes P. The microbiome-gut-brain axis in acute and chronic brain diseases. Current Opinion in Neurobiology. Volume 61, April 2020, Pages 1-9.

Hu Liu, Ji Wang, Ting He, Sage Becker, Guolong Zhang, Defa Li, Xi Ma, Butyrate: A Double-Edged Sword for Health?, Advances in Nutrition, Volume 9, Issue 1, January 2018, Pages 21-29, https://doi.org/10.1093/advances/nmx009

Peirce JM, Alvina K. The role of inflammation and the gut microbiome in depression and anxiety. Neuroscience Research. Volume97, Issue10. October 2019. Pages 1223-1241.

Stakenborg, Nathalie & Di Giovangiulio, Martina & Boeckxstaens, Guy & Matteoli, Gianluca. (2013). The Versatile Role Of The Vagus Nerve In The Gastrointestinal Tract. European Medical Journal of Gastroenterology. 1. 106-114.

Ansari F, Pourjafar H, Tabrizi A, Homayouni A. The Effects of Probiotics and Prebiotics on Mental Disorders: A Review on Depression, Anxiety, Alzheimer, and Autism Spectrum Disorders. Curr Pharm Biotechnol. 2020;21(7):555-565. doi: 10.2174/1389201021666200107113812. PMID: 31914909.