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Paola Machado

REPORTAGEM

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Ultraprocessados e doenças inflamatórias intestinais: o que diz a ciência

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

09/11/2021 04h00

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Um estudo recente (2021) intitulado "Association of ultra-processed food intake with risk of Inflammatory bowel disease: prospective cohort study", analisando participantes inscritos de 2003 a 2016 (90 tinham doença de Crohn e 377 tinham colite ulcerativa), mostrou que uma maior ingestão de alimentos ultraprocessados está associada a um risco aumentado de doenças inflamatórias intestinais (DII).

Vale reforçar que a ingestão de carnes brancas, carnes vermelhas, laticínios, amido e frutas, vegetais e legumes não foi associada à DII, sugerindo que o risco pode não estar relacionado ao alimento em si, mas à forma como é processado ou ultraprocessado.

Cada subgrupo de alimentos ultraprocessados, incluindo refrigerantes, alimentos com açúcar refinado, salgadinhos e carnes processadas, mostrou-se associado a uma razão de risco mais elevada para DII. Foram incluídos dados de questionários de frequência alimentar de 116.087 adultos com idade entre 35 e 70 anos, acompanhados prospectivamente pelo menos a cada três anos.

A doença inflamatória intestinal (DII), composta pela doença de Crohn e colite ulcerativa, é uma doença inflamatória crônica do trato gastrointestinal. Acredita-se que a fisiopatologia da DII esteja relacionada à ativação do sistema imune da mucosa intestinal em resposta à disbiose (desequilíbrio que ocorre na nossa microbiota) do trato gastrointestinal em pessoas geneticamente suscetíveis.

A dieta altera o microbioma e modifica a resposta imune intestinal e, portanto, pode desempenhar um papel na patogênese de DII. O aumento da ingestão de açúcares refinados e gorduras, como ácidos graxos poli-insaturados e diminuição da ingestão de fibras, foram sugeridas como fatores de risco potenciais para o desenvolvimento de DII.

Uma revisão sistemática sintetizou todos os estudos que avaliaram a ingestão alimentar e o risco de DII, ficando evidente a partir dos resultados que muitas associações foram examinadas repetidamente, incluindo a associação de diferentes gorduras, carboidratos, proteínas, frutas, vegetais, fibras e laticínios com DII. A revisão sistemática encontrou alta ingestão de gorduras totais e gorduras poli-insaturadas associados ao aumento do risco de DII.

O alto consumo de fibras e frutas pode diminuir o risco de doença de Crohn, e o alto consumo de vegetais foi associado a uma diminuição do risco de colite ulcerativa. O que não se limita a esse benefício, sendo que uma maior ingestão de frutas e vegetais está associada a menor mortalidade, embora a redução do risco se estabilize em cinco porções de frutas e vegetais por dia, especificamente em duas porções diárias para o consumo de frutas e três para o consumo de vegetais, foi o que mostrou o estudo intitulado em "Fruit and Vegetable Intake and Mortality Results From 2 Prospective Cohort Studies of US Men and Women and a Meta-Analysis of 26 Cohort Studies", cujas descobertas apoiam as recomendações atuais para o aumento do consumo desse tipo de alimento.

O maior consumo da maioria dos subgrupos de frutas e vegetais associou-se a menores taxas de mortalidade, com exceção de vegetais ricos em amido, como ervilhas e milho. O consumo de sucos de frutas e batata não está relacionado à diminuição da mortalidade total e por causas específicas.

A atenção recente tem se concentrado nos componentes não nutricionais da dieta e nos potenciais riscos associados. Alimentos processados geralmente incluem muitos ingredientes e aditivos não naturais, como sabores artificiais, açúcares, estabilizantes, emulsificantes e conservantes, que podem ter um efeito prejudicial na barreira intestinal.

Foi demonstrado que a carboximetilcelulose aumenta a aderência bacteriana ao epitélio intestinal e pode levar ao supercrescimento bacteriano e à infiltração de bactérias nos espaços entre as vilosidades intestinais. O polissorbato 80, um emulsificante comumente usado em alimentos processados, aumenta a translocação de bactérias como Escherichia coli em células M e placas (mancha) de Peyer em pessoas com doença de Crohn. Foram relatadas associações entre dietas ricas em alimentos processados

Os pesquisadores destacam que as dietas do tipo ocidental também contêm níveis mais elevados de aditivos e conservantes, o que poderia explicar sua associação com um risco aumentado de DII. A ingestão de sódio pode estar envolvida, uma vez que vários modelos animais mostraram que um aumento no sódio na dieta pode estar associado à exacerbação de doenças autoimunes.

Da mesma forma, um maior consumo de alimentos fritos está associado a um maior risco de DII. Essa associação pode existir porque muitos alimentos fritos também são processados (como nuggets de frango ou batatas fritas). Pode ser que a ação da fritura e do processamento do óleo leve à modificação dos nutrientes do alimento, sendo a qualidade do óleo usado também pode ser relevante.

Se faz necessária a realização de mais estudos para identificar o potencial específico de fatores contribuintes entre os alimentos processados responsáveis pelas associações observadas neste estudo.

Referências:

  • Narula N, Wong ECL, Dehghan M et al. Association of ultra-processed food intake with risk of inflammatory bowel disease: prospective cohort study. British Medical Journal, Vol. 374 Nr. 8300 Página: n1554. 2021.
  • Hou JK, Abraham B, El-Serag H. Dietary intake and risk of developing inflammatory bowel disease: a systematic review of the literature. Am J Gastroenterol 2011;106:563-73. doi:10.1038/ajg.2011.44
  • Wang DD, Li Y, Bhupathiraju SN et al. Fruit and Vegetable Intake and Mortality: Results From 2 Prospective Cohort Studies of US Men and Women and a Meta-Analysis of 26 Cohort Studies. Circulation, Vol. 143 Nr. 17 Páginas: 1642 - 1654. 2021.