Topo

Paola Machado

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Contradição da pandemia: fast-foods são essenciais e exercícios restritos

iStock
Imagem: iStock

Colunista do UOL

20/04/2021 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Em pouco mais de um ano de pandemia, a covid-19 fez 3 milhões de vítimas pelo mundo, sendo que 90% dessas pessoas são de países com altas taxas de obesidade.

Como você deve saber, o excesso de gordura corporal é um problema antes mesmo de o coronavírus aparecer. Em 2019, a OMS (Organização Mundial de Saúde) mostrou que o mundo teve cerca de 3 milhões de mortes por obesidade. E, agora com a pandemia, o número de pessoas acima do peso aumentou ainda mais, principalmente pelo o aumento do consumo de fast-foods, redução da prática esportiva e elevação do nível de estresse e ansiedade.

Antes de continuar o texto, gostaria que refletissem:

Se a obesidade é a condição que apresenta o maior risco de letalidade por covid, por que os fast foods —considerados um dos pontos-chave na obesidade— são vistos como serviços essenciais e a academia —que pode melhorar todos esses parâmetros de saúde— como não essenciais?

O que acontece com seu corpo quando você para de treinar?

De acordo com dados apresentados pela agência Fapesp, "nos primeiros meses de confinamento houve redução de 35% no nível de atividade física e aumento de 28,6% nos comportamentos sedentários, como passar mais tempo sentado e deitado, além de maior ingestão de alimentos não saudáveis".

  • Em 10 dias parado, podem ocorrer mudanças cerebrais. Um estudo na revista Frontiers in Aging Neuroscience descobriu que mesmo umas férias curtas de seu treino podem causar alterações no cérebro. No estudo, quando um grupo de corredores de longa duração teve um hiato de exercícios de 10 dias, suas ressonâncias magnéticas subsequentes mostraram uma redução no fluxo sanguíneo para o hipocampo, a parte do cérebro que está associada à memória e à emoção.
  • Em 2 semanas, você pode ter uma queda da sua resistência. Depois de apenas 14 dias, você pode ter mais dificuldade para subir um lance de escadas. Não treinar causa uma queda em seu VO2 máximo, ou a quantidade máxima de oxigênio que seu corpo pode usar. Ele pode cair cerca de 10% após duas semanas, sendo que, a partir daí, só piora. Após quatro semanas, seu VO2 máximo pode cair cerca de 15% e, após três meses, pode cair cerca de 20% --ou até mais.
  • A partir de 2 semanas, você pode ter mudanças no seu corpo. Mesmo se você não notar uma mudança em sua velocidade ou força, você pode experimentar um aumento acentuado em sua pressão arterial e nos níveis de glicose no sangue. Pesquisadores da África do Sul descobriram que uma pausa de duas semanas para exercícios foi suficiente para compensar os benefícios da pressão arterial de duas semanas de treinamento intervalado de alta intensidade. Outro estudo de 2015 no Journal of Applied Physiology descobriu que pessoas que fizeram uma sessão de resistência e exercícios aeróbicos de oito meses notaram uma melhora nos níveis de glicose no sangue, mas perderam quase metade desses benefícios após 14 dias de inatividade.
  • Em 4 semanas, sua força pode reduzir. Algumas pessoas notarão seu declínio de força após cerca de duas semanas de inatividade, enquanto outras começarão a ver a diferença após cerca de quatro semanas. Nossa força provavelmente diminui a um ritmo mais lento do que nossa resistência.
  • Em 8 semanas, pode ocorrer mudança de composição corporal. As pessoas começarão a notar uma mudança física --seja olhando no espelho ou no número na balança-- depois de cerca de seis semanas. Mesmo os atletas de elite não estão imunes ao rebote. Um estudo de 2012 no Journal of Strength and Conditioning Research descobriu que nadadores competitivos que fizeram uma pausa de cinco semanas em seu treinamento experimentaram um aumento de 12% em seus níveis de gordura corporal e viram um aumento em seu peso corporal e circunferência da cintura. E um estudo de 2016 descobriu que atletas de elite de taekwondo que tiveram um hiato de oito semanas de exercícios experimentaram um aumento em seus níveis de gordura corporal e diminuição da massa muscular também.

Além disso, estudos mostram alterações de humor (como depressão), fragilidade óssea e mudanças no padrão de sono.

O que acontece com seu corpo quando você come fast-food com frequência?

O isolamento durante a pandemia de covid-19 afetou a alimentação e o consumo de delivery aumentou em 94%. De acordo com dados publicados por uma pesquisa de Unicef/Ibope, houve um aumento no consumo de alimentos industrializados em 31% dos entrevistados, de fast-foods em 20% e 19% de refrigerantes.

  • Efeito nos sistemas digestório e cardiovascular.A maioria dos fast-foods, incluindo bebidas e acompanhamentos, tem muito carboidrato, pouca ou nenhuma fibra, além de sódio, conservantes e aromatizantes. No processo de digestão, há um aumento da glicemia com consequente aumento da liberação de insulina pelo pâncreas. A insulina transporta o açúcar por todo o corpo para as células que precisam dela para obter energia. Conforme seu corpo usa ou armazena o açúcar, o açúcar no sangue volta ao normal. A glicemia é regulada naturalmente pelo seu corpo e, desde que você seja saudável, seus órgãos podem lidar adequadamente com esses picos glicêmicos. Porém, a ingestão frequente de grandes quantidades de carboidratos simples pode levar a picos repetidos de glicemia. Com o tempo, a resposta normal à insulina pode estar comprometida, aumentando o risco de resistência à insulina, diabetes tipo 2 e ganho de peso.
  • Efeito no sistema respiratório. O excesso de calorias de refeições fast-food pode causar ganho de peso, levando à obesidade. A obesidade aumenta o risco de problemas respiratórios, incluindo asma e falta de ar. Você pode sentir dificuldade para respirar ao caminhar, subir escadas ou se exercitar.
  • Efeito no sistema nervoso central. O fast-food pode satisfazer a fome a curto prazo, mas os resultados a longo prazo são menos positivos. Pessoas que comem fast-food e doces têm 51% mais probabilidade de desenvolver depressão do que pessoas que não comem esses alimentos ou comem muito poucos deles.
  • Refeições ricas em açúcares. Muitas refeições de fast-food têm adição de açúcar. Isso não significa apenas calorias extras, mas também pouca nutrição. A AHA (American Heart Association) sugere comer apenas 100 a 150 calorias de açúcar adicionado por dia --cerca de seis a nove colheres de chá. Uma lata de refrigerante de 350 ml contém 8 colheres de chá de açúcar --140 calorias e 39 gramas de açúcar. Eles também contam com gordura trans, que é a gordura fabricada criada durante o processamento dos alimentos --nem um pouco saudável. Ingerir alimentos que o contenham pode aumentar seu LDL (colesterol ruim), diminuir seu HDL (colesterol bom) e aumentar o risco de diabetes tipo 2 e doenças cardíacas.
  • Refeições ricas em sódio. A combinação de gordura, açúcar e muito sódio pode tornar o fast-food mais saboroso, mas dietas ricas em sódio podem levar à retenção hídrica, razão pela qual você pode se sentir inchado. Uma dieta rica em sódio também é perigosa para pessoas com problemas de pressão arterial, podendo elevá-la. De acordo com um estudo, cerca de 90% dos adultos subestimam a quantidade de sódio presente em suas refeições fast-food. O estudo pesquisou 993 adultos e descobriu que suas estimativas eram seis vezes menores do que o número real (1.292 miligramas). Isso significa que as estimativas de sódio estavam erradas em mais de 1.000 mg. A AHA recomenda que os adultos não consumam mais do que 2.300 miligramas de sódio por dia --uma refeição fast-food pode valer metade do seu dia.

Além disso, pode haver problemas no sistema reprodutivo, na pele, unhas e cabelos e sistema ósseo.

Reflitam!

Visto esses dados —que já sabemos e são óbvios—, a prática de exercício físico, de acordo com estudo da UERJ, reduz em 34% o risco de internação por covid, pois reduz os receptores de ECA 2 e diminui ações inflamatórias no corpo, que também contribuem para as complicações da doença.

Além disso o padrão alimentar tem uma interferência gigantesca no seu estado de saúde, pois alimentos considerados inflamatórios (fast-foods e ultraprocessados, por exemplo) contribuem para o aumento de citocinas inflamatórias no seu corpo —que também aumentam com a covid-19.

Imagine o rolo com o seu corpo? Covid-19, sedentarismo, excesso de gordura corporal, problemas associados e ainda tascar um fast-food. Se o objetivo é cuidar da sua saúde, por que mudamos as prioridades?

Repense. Reflita. Qual o sentido de tudo isso que estamos passando? Busca pela saúde.

Referências:

Bherer L, Erickson KI, Liu-Ambrose T. A review of the effects of physical activity and exercise on cognitive and brain functions in older adults. J Aging Res. 2013;2013:657508. doi: 10.1155/2013/657508. Epub 2013 Sep 11. PMID: 24102028; PMCID: PMC3786463.

Alfini AJ, Weiss LR, Leitner BP, et al. Hippocampal and Cerebral Blood Flow after Exercise Cessation in Master Athletes. Front. Aging Neurosci., 05 August 2016 | https://doi.org/10.3389/fnagi.2016.00184

García-Pallarés J, Carrasco L, Díaz A, Sánchez-Medina L. Post-season detraining effects on physiological and performance parameters in top-level kayakers: comparison of two recovery strategies. J Sports Sci Med. 2009 Dec 1;8(4):622-8. PMID: 24149605; PMCID: PMC3761531.

Bonsu B, Terblanche E. The training and detraining effect of high-intensity interval training on post-exercise hypotension in young overweight/obese women. Eur J Appl Physiol. 2016 Jan;116(1):77-84. doi: 10.1007/s00421-015-3224-7. Epub 2015 Aug 21. PMID: 26293124.

AbouAssi H, Slentz CA, Mikus CR, et al. The effects of aerobic, resistance, and combination training on insulin sensitivity and secretion in overweight adults from STRRIDE AT/RT: a randomized trial. Journal of Applied Phisiology. Volume 118, Issue 12. 2015.

Lo MS, Lin LL, Yao WJ, Ma MC. Training and detraining effects of the resistance vs. endurance program on body composition, body size, and physical performance in young men. J Strength Cond Res. 2011 Aug;25(8):2246-54. doi: 10.1519/JSC.0b013e3181e8a4be. PMID: 21747300.

Ormsbee MJ and Arciero PJ. DETRAINING INCREASES BODY FAT AND WEIGHT AND DECREASES V_ O2PEAK AND METABOLIC RATE. Journal of Strength and Conditioning Research. 26(8)/2087-2095. 2012.

Liao YH, Sung YC, Chou CC, Chen CY. Eight-Week Training Cessation Suppresses Physiological Stress but Rapidly Impairs Health Metabolic Profiles and Aerobic Capacity in Elite Taekwondo Athletes. PLoS One. 2016 Jul 27;11(7):e0160167. doi: 10.1371/journal.pone.0160167. PMID: 27463519; PMCID: PMC4963096.

Koshiba H, Maeshima E. Influence of detraining on temporal changes in arterial stiffness in endurance athletes: a prospective study. J Phys Ther Sci. 2015 Dec;27(12):3681-4. doi: 10.1589/jpts.27.3681. Epub 2015 Dec 28. PMID: 26834331; PMCID: PMC4713770.

Mayo Clinic. Strength training: Get stronger, leaner, healthier. Disponível em: https://www.mayoclinic.org/healthy-lifestyle/fitness/in-depth/strength-training/art-20046670

Driver HS and Taylor S. Exercise and sleep. Sleep Medicine Reviews. Volume 4, Issue 4. 2000. https://doi.org/10.1053/smrv.2000.0110.

Kredlow, M.A., Capozzoli, M.C., Hearon, B.A. et al. The effects of physical activity on sleep: a meta-analytic review. J Behav Med 38, 427-449 (2015). https://doi.org/10.1007/s10865-015-9617-6.

Healthy Food Access. Consumers Underestimate Calories in Fast-Food Meals; Teens Do So by as Much as 34 Percent. Disponível em: https://www.rwjf.org/en/library/articles-and-news/2013/05/consumers-underestimate-calories-in-fast-food-meals—teens-do-so.html

Ellwood P, Asher MI, García-Marcos L, et al Do fast foods cause asthma, rhinoconjunctivitis and eczema? Global findings from the International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC) Phase Three Thorax 2013;68:351-360.

Garcia, G., Sunil, T.S. & Hinojosa, P. The Fast Food and Obesity Link: Consumption Patterns and Severity of Obesity. OBES SURG 22, 810-818 (2012). https://doi.org/10.1007/s11695-012-0601-8

Gómez-Pinilla, F. Brain foods: the effects of nutrients on brain function. Nat Rev Neurosci 9, 568-578 (2008). https://doi.org/10.1038/nrn2421

Block J P, Condon S K, Kleinman K, Mullen J, Linakis S, Rifas-Shiman S et al. Consumers' estimation of calorie content at fast food restaurants: cross sectional observational study BMJ 2013; 346 :f2907 doi:10.1136/bmj.f2907.

Zammit C, Liddicoat H, Moonsie I, Makker H. Obesity and respiratory diseases. Int J Gen Med. 2010 Oct 20;3:335-43. doi: 10.2147/IJGM.S11926. PMID: 21116339; PMCID: PMC2990395.

Sánchez-Villegas, A., Toledo, E., De Irala, J., Ruiz-Canela, M., Pla-Vidal, J., & Martínez-González, M. (2012). Fast-food and commercial baked goods consumption and the risk of depression. Public Health Nutrition, 15(3), 424-432. doi:10.1017/S1368980011001856

Powell LM, Nguyen BT. Fast-Food and Full-Service Restaurant Consumption Among Children and Adolescents: Effect on Energy, Beverage, and Nutrient Intake. JAMA Pediatr. 2013;167(1):14-20. doi:10.1001/jamapediatrics.2013.417

Moran AJ, Ramirez M, Block JP. Consumer underestimation of sodium in fast food restaurant meals: Results from a cross-sectional observational study. Appetite. Volume 113. 2017. https://doi.org/10.1016/j.appet.2017.02.028.

Robbins JM, Mallya G, Wagner A, Buehler JW. Prevalence, Disparities, and Trends in Obesity and Severe Obesity Among Students in the School District of Philadelphia, Pennsylvania, 2006-2013. Prev Chronic Dis 2015;12:150185. DOI: http://dx.doi.org/10.5888/pcd12.150185

Urban LE, Roberts SB, Fierstein JL, Gary CE, Lichtenstein AH. Temporal Trends in Fast-Food Restaurant Energy, Sodium, Saturated Fat, and Trans Fat Content, United States, 1996-2013. Prev Chronic Dis 2014;11:140202.

Zota AR, Phillips CA, Mitro SD. Recent Fast Food Consumption and Bisphenol A and Phthalates Exposures among the U.S. Population in NHANES, 2003-2010. Environmental Health Perspectives 124:10. 2016. CID: https://doi.org/10.1289/ehp.1510803

American Heart Association. The Effects of Excess Sodium on Your Health and Appearance. Disponível em: https://www.heart.org/HEARTORG/HealthyLiving/HealthyEating/HealthyDietGoals/The-Effects-of-Excess-Sodium-on-Your-Health-and-Appearance_UCM_454387_Article.jsp

Obesity Action. Fast food. Disponível em: https://www.obesityaction.org/community/article-library/fast-food-is-it-the-enemy

WHO. Disponível em: https://www.who.int/news-room/facts-in-pictures/detail/6-facts-on-obesity

de Souza FR, Motta-Santos D, Soares DS, et al. Physical Activity Decreases the Prevalence of COVID-19-associated Hospitalization: Brazil EXTRA Study. MedRxiv, 2020.10.14.20212704; doi: https://doi.org/10.1101/2020.10.14.20212704

Marçal IR, Fernandes B, Viana AA. The Urgent Need for Recommending Physical Activity for the Management of Diabetes During and Beyond COVID-19 Outbreak. Front. Endocrinol., 28 October 2020 | https://doi.org/10.3389/fendo.2020.584642