Atividade física tem papel protetor contra o desenvolvimento de Alzheimer
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A doença de Alzheimer é conhecida por sua característica neurodegenerativa progressiva que, com o passar do tempo, compromete a capacidade cognitiva de seus pacientes, resultando em alterações comportamentais, redução da capacidade de aprendizagem, dificuldades motoras e perda da memória.
Ela possui relação íntima com o processo de envelhecimento humano e é uma das principais doenças promotoras de demência do país. No Brasil, estima-se a existência de 1,2 milhão de pessoas acometidas por Alzheimer e seus pacientes possuem expectativa de vida média entre 8 a 10 anos a partir do diagnóstico. A farmacoterapia ainda é incapaz de prevenir ou impedir o avanço da doença, sua capacidade ainda se limita apenas ao retardo da progressão.
Pressupõe-se que o surgimento do Alzheimer origina-se a partir do acúmulo de placas senis e emaranhados neurofibrilares nas regiões do hipocampo (região altamente relacionada a capacidade de aprendizagem e memória) e do córtex cerebral. Inicialmente, a doença resulta em redução ou perda de sinalização e comunicação neuronal, em que as sinapses passam a ser comprometidas.
O acometimento sináptico é resultante de uma alteração na clivagem de uma proteína chamada APP (Proteína Precursora de Amiloide) que passa a gerar peptídeos insolúveis incapazes de serem metabolizados pelo sistema, que são denominados como proteína beta-amiloide.
Esses peptídeos passam a se acumular em diversos tecidos e, em indivíduos com Alzheimer, este acúmulo ocorre, principalmente, na região do hipocampo. Associado ao acúmulo de proteínas beta-amiloide, o Alzheimer também é caracterizado pela hiperfosforilação (excesso de adição de moléculas de fosfato em algum aminoácido que compõe a proteína) da proteína Tau (p-Tau), que exerce funções de sustentação e estruturação neural.
Com ambas as proteínas disfuncionais (beta-amiloide e p-Tau), ao se acumularem nos tecidos hipocampais, estas proteínas passam a exercer características tóxicas aos neurônios da região e trazem malefícios a sua funcionalidade.
O acúmulo dessas proteínas interfere na interação neural e, assim, acomete o sistema sináptico, ativa a sinalização de respostas inflamatórias e mecanismos apoptóticos (morte celular) que, a longo prazo, culminam na perda de função tecidual, levando ao agravamento da doença e prejuízo na memória e processos cognitivos.
O que pode aumentar o risco de Alzheimer
Recentes estudos científicos mostram que o processo inflamatório, a resistência à insulina e a dislipidemia (distúrbios nas concentrações normais de colesterol, triglicérides, HDL-c e LDL-c) são processos fisiológicos alterados que aumentam o risco de desenvolvimento de Alzheimer. Estes distúrbios metabólicos estão intimamente relacionados aos maus hábitos alimentares (excesso de consumo de alimentos ricos em açúcar e gordura) e inatividade física (sedentarismo).
Nas últimas décadas, evidenciou-se que o consumo alimentar desbalanceado, associado ao sedentarismo, resulta em alterações metabólicas, imunológicas e fisiológicas, que desencadeiam o surgimento da resistência à insulina, diabetes tipo 2, obesidade, dislipidemias e outras doenças crônicas.
Deste modo, observa-se a íntima relação entre sedentarismo, resistência à insulina, diabetes e Alzheimer. Esta relação é tão forte, que alguns teóricos e especialistas descrevem o Alzheimer como um novo tipo de diabetes, o diabetes tipo 3.
Com a evolução da ciência, principalmente das técnicas e conhecimentos de biologia molecular, as doenças puderam ser mais bem entendidas, detalhando melhor a fisiopatologia delas.
No indivíduo obeso, principalmente, devido ao consumo de alimentos ricos em gordura saturada e/ou trans-saturada e açúcar, bem como, devido ao excesso de ácidos graxos circulantes, ocorre a ativação crônica de diversas vias inflamatórias em seu organismo, desencadeando distúrbios na via de sinalização da insulina, originando a resistência à insulina.
Por consequência da falha na sinalização da insulina nos diversos tecidos e órgãos do nosso corpo, o indivíduo começa a apresentar uma menor captação de glicose para o interior das células e, deste modo, observa-se níveis elevados de glicemia circulante (hiperglicemia), contribuindo para o desenvolvimento do diabetes tipo 2.
Assim como nos tecidos periféricos, esta ativação de vias inflamatórias, devido à má alimentação e, posteriormente, à obesidade, também atinge o sistema nervoso central, desencadeando resistência à sinalização da insulina e da leptina no hipotálamo, nosso centro regulador da fome e saciedade.
A desregulação deste fino controle que temos em nosso organismo acaba por facilitar o surgimento de compulsões alimentares e maior dificuldade dos obesos em realizarem reeducação alimentar.
Paralelamente ao hipotálamo, outras regiões do nosso cérebro também são afetadas por esta ativação constante de vias inflamatórias, bem como o hipocampo. Estudos recentes demonstraram que a exposição à dieta rica em gorduras é capaz de estimular respostas neuroinflamatórias, uma maior fosforilação da proteína Tau (p-Tau) e o aumento da síntese da proteína beta-amiloide no hipocampo de modelos experimentais. Estas evidências sugerem que os desarranjos celulares, encontrados em indivíduos acometidos pelo Alzheimer podem ser influenciados pelos hábitos alimentares e estilo de vida ao longo dos anos.
O papel da atividade física contra o Alzheimer
Recentes estudos têm demonstrado o brilhante papel que o exercício físico tem contra o Alzheimer. Como já é sabido, o exercício físico possui capacidade de modulação positiva em diversos aspectos do nosso organismo de maneira não farmacológica.
O aumento do metabolismo e gasto energético, ganhos em capacidades físicas (força, flexibilidade, resistência aeróbia etc), maior eficiência nas sinalizações hormonais e melhora das capacidades cognitiva e de memória são alguns dos benefícios que o exercício físico é capaz de promover em seus praticantes.
O treinamento físico é responsável por promover adaptações moleculares e fisiológicas capazes de reduzir as chances de desenvolvimento e progressão do Alzheimer. Isto ocorre pois o exercício físico é capaz de estimular a expressão gênica e a liberação de citocinas e hormônios que estimulam diversas adaptações em células neurais, tornando-as mais saudáveis e eficientes para realizar suas funções.
Organelas como as mitocôndrias e o núcleo celular recebem os estímulos oriundos de respostas do exercício físico e passam a transcrever e traduzir genes relacionados a longevidade celular, melhora das capacidades de obtenção de energia e de estimulantes para a formação de novos neurônios e fatores que aprimoram a comunicação sináptica.
Em conjunto, estas adaptações contribuem para melhor atividade de todo o tecido encefálico, melhora da capacidade sináptica e combate a agentes inflamatórios e tóxicos ao sistema nervoso central, resultando em menor chances de acometimento ou progressão do Alzheimer.
Além disso, o exercício físico é capaz de estimular a liberação de citocinas anti-inflamatórias, ou seja, substâncias capazes de contrabalancear o perfil inflamatório subclínico, relacionado ao sedentarismo, má alimentação, obesidade e diabetes, fatores estes que possuem participação considerável para o aumento das chances de desenvolvimento do Alzheimer.
Por isso, a prática regular de exercícios físicos consegue prevenir e, muitas vezes, reverter o perfil inflamatório existente em indivíduos com doenças crônicas, evitando assim que ocorram os processos moleculares que podem levar ao surgimento do Alzheimer.
A redução dos riscos de Alzheimer em indivíduos fisicamente ativos ocorre principalmente pela supressão do acúmulo de emaranhados neurofibrilares e placas senis de beta-amiloide e p-Tau que estão fortemente relacionados a um menor perfil inflamatório.
Estudos recentes demonstraram que animais fisicamente treinados possuem menor acúmulo destas proteínas-chave para a progressão do Alzheimer do que indivíduos sedentários e obesos. Associado a isto, animais obesos tratados com dieta rica em gordura e submetidos a atividade física também demonstraram menor expressão destas proteínas quando comparados aos animais obesos sedentários.
Por estes motivos, o exercício físico se mostra cada vez mais importante na promoção e melhora da saúde, qualidade de vida e longevidade. Além de seus benefícios clássicos, relacionados ao combate à obesidade, diabetes e doenças cardiovasculares, com o aprimoramento de técnicas de biologia molecular, novos estudos têm evidenciado mecanismos específicos pelos quais o exercício físico é uma ferramenta não farmacológica importante para o tratamento e prevenção de inúmeras doenças.
E de forma crescente, novos estudos têm demonstrado e consolidado o papel do exercício físico como modulador do nosso sistema nervoso central, aumentando, deste modo, a importância de se incentivar a prática de exercícios físicos para a prevenção e tratamento da Doença de Alzheimer.
*Colaboração Prof. Dr. Rodolfo Marinho - CREF: 148683-G/SP - pós-doutor pelo Instituto de Ciências Biomédicas da USP e Prof. Rafael dos Santos Brícola - mestrando em Ciências do Esporte, Nutrição e Metabolismo pela Unicamp.
Referências:
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