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Paola Machado

Síndrome do comer noturno: o que é e dicas para lidar com o problema

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Colunista do UOL

07/01/2021 04h01

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Muitas pessoas se pegam comendo mais do que o comum de noite —ou de madrugada—, mesmo quando não estão com fome. Esse hábito pode fazer com que você ingira mais calorias do que o necessário e levar ao ganho de peso, com consequente desenvolvimento de sobrepeso e obesidade.

A síndrome do comer noturno (SCN) é atribuída a um retardo no ritmo circadiano da alimentação, caracterizado pela supressão do apetite durante as horas da manhã e aumento do apetite durante à noite, sendo que, dessa forma, o comportamento alimentar do indivíduo fica descontrolado no período noturno.

Vários estudos sugerem que aqueles que lutam com os hábitos alimentares noturnos tendem a ficar ansiosos ou agitados à noite. A pessoa fica com mais fome à noite porque seus hormônios de "fome" aumentam à noite. Dessa forma, comer à noite o indivíduo com o transtorno a se sentir mais calmo, talvez até mesmo o "entorpece" e o ajuda a sentir sono o suficiente para tentar adormecer.

Apesar de a causa não estar totalmente esclarecida, trata-se de um distúrbio caracterizado pelo retardo no ritmo circadiano de ingestão alimentar e função neuroendócrino. Em comedores noturnos, ocorrem alterações características neuroendócrinas complexas, além de atenuação nas secreções noturnas de melatonina (hormônio do sono) e leptina (hormônio que regula o apetite) e aumento da secreção circadiana de cortisol (hormônio do estresse).

Os comedores noturnos apresentam grande variabilidade na frequência dos sintomas: podem ter períodos em que experimentam muitos episódios de despertar e comer, mas também períodos em que esses eventos são mínimos.

Pesquisadores também descobriram uma possível ligação entre a síndrome do comer noturno e a genética. Acredita-se que exista um gene chamado PER1 que tem uma função no controle do relógio biológico. Os cientistas acreditam que um defeito no gene pode causar a SCN, mas mais pesquisas são necessárias.

Como identificar

Dentre os critérios de diagnósticos o indivíduo deve ter necessariamente a hiperfagia noturna, isto é, aumento do consumo de pelo menos 25% —podendo chegar até a 50%— da ingestão diária ao comer à noite (depois das 19h) — e/ou acordar à noite para comer —com consciência do ato— duas ou mais vezes por semana. Além disso, deve apresentar pelo menos três das cinco seguintes características:

  • Anorexia matinal --definida como ausência de apetite matinal, em que o indivíduo "pula" o café da manhã ou não come pelo menos até as 12:00 em quatro ou mais manhãs por semana;
  • Forte necessidade de comer entre o jantar e o início do sono e/ou durante o despertar noturno;
  • Insônia, definida como dificuldade de dormir ou permanecer dormindo, pelo menos quatro a cinco vezes por semana.
  • Crença de que comer é necessário para iniciar ou voltar a dormir.
  • Humor deprimido ou ansiedade que piora durante a noite, deixando a pessoa mais agitada, irritada ou deprimida.

É importante ressaltar que existe no indivíduo a consciência e a capacidade de recordar das ingestões noturnas, pois esse ponto difere a síndrome do comer noturno do transtorno alimentar relacionado ao sono, em que as ingestões noturnas ocorrem sem consciência e são incapazes de serem lembradas. A série de sintomas associados à SCN torna a síndrome mais bem conceituada como uma combinação de alimentação, sono, humor e características de transtorno de estresse.

Relatos de caso e estudos abertos sugeriram benefício de uma variedade de estratégias para o tratamento da SCN, incluindo tratamento farmacológico, terapia cognitivo-comportamental (TCC) e várias outras alternativas, como relaxamento muscular progressivo, fototerapia e terapia comportamental.

Algumas dicas para lidar com o problema

- Identifique a causa A alimentação noturna pode ser o resultado de uma ingestão excessivamente restrita de alimentos durante o dia, gerando fome voraz à noite, ou causada por hábito ou tédio. No entanto, a alimentação noturna excessiva pode estar associada a transtornos alimentares, incluindo transtorno da compulsão alimentar periódica e síndrome do comer noturno (SCN) —este último, o tema do texto. Esses transtornos são caracterizados por padrões e comportamentos alimentares diferentes, entretanto podem ter os mesmos efeitos negativos na sua saúde. Em ambos, as pessoas usam a comida para conter emoções como tristeza, raiva, ansiedade ou frustração, e muitas vezes comem mesmo quando não estão com fome; comendo em grande quantidade e alimentos calóricos. Ambas as condições têm sido associadas à obesidade, depressão e problemas para dormir. Identificada a causa, é mais fácil buscar ajuda para controlar os sintomas.

Preste atenção nos gatilhos Procure um padrão específico de eventos que geralmente desencadeiam seu comportamento alimentar. As pessoas buscam comer por vários motivos. Se você não está com fome e mesmo assim se pega comendo à noite, pense no que o levou a isso. Com a síndrome da alimentação noturna, todo o seu padrão alimentar pode ser atrasado devido à falta de fome diurna. Uma maneira eficaz de identificar a causa de sua alimentação noturna e as coisas que a desencadeiam é manter um diário de "alimentação e humor", isto é, tomar nota se está com fome por conta de alguma condição emocional. Acompanhar seus hábitos alimentares e de exercícios juntamente com seus sentimentos ajudará você a identificar padrões, permitindo que trabalhe para quebrar quaisquer ciclos negativos de comportamento.

- Estabeleça uma rotina Se você está comendo demais porque não está comendo o suficiente durante o dia, estabelecer uma rotina pode ajudar, pois horários estruturados de comer e dormir irão auxiliar a distribuir sua ingestão de alimentos ao longo do dia para que você sinta menos fome à noite. Dormir bem é muito importante quando se trata de controlar a ingestão de alimentos e o peso, pois a falta de sono e a curta duração do sono têm sido associadas a maior ingestão de calorias e dietas de baixa qualidade. Por um longo período de tempo, dormir mal pode aumentar o risco de obesidade e doenças relacionadas.

- Planeje suas refeições Organizar suas refeições e comer lanches saudáveis pode reduzir o risco de você comer por impulso e fazer escolhas alimentares inadequadas. Ter um plano alimentar também pode reduzir qualquer ansiedade sobre o quanto você está comendo e ajudar você a distribuir a comida ao longo do dia, mantendo a fome sob controle.

- Fuja do estresse Ansiedade e estresse são duas das razões mais comuns pelas quais as pessoas comem quando não estão com fome. No entanto, usar comida para conter suas emoções é uma má ideia. Se você notar que come quando está ansioso ou estressado, tente encontrar outra maneira de se livrar das emoções negativas e relaxar. Uma pesquisa mostrou que as técnicas de relaxamento —como exercícios respiratórios, meditação, ioga, alongamentos ou até caminhada— podem ajudar a controlar transtornos alimentares.

- Fracione a alimentação ao longo do dia Comer em excesso à noite tem sido associado a padrões alimentares equivocados que muitas vezes podem ser categorizados como alimentação desordenada. Comer em intervalos planejados ao longo do dia, de acordo com os padrões alimentares "normais", pode ajudar a manter o açúcar no sangue estável e prevenir a sensação de fome voraz, cansaço, irritabilidade ou falta de alimento, o que pode levar à compulsão —afinal, quando você fica com muita fome, é mais provável que faça escolhas alimentares ruins e busque junk food com alto teor de gordura e açúcar. Estudos mostram que pessoas com horários regulares de refeição (comendo três ou mais vezes por dia) têm melhor controle do apetite e menor peso. A frequência de alimentação para controlar a fome e a quantidade de comida consumida provavelmente varia entre as pessoas, por isso é preciso encontrar uma rotina que funcione para você.

- Inclua proteínas nas refeições Alimentos diferentes podem ter efeitos diferentes no apetite e incluir proteínas em todas as refeições pode ajudar a controlar sua fome e ajudá-lo a se sentir mais satisfeito ao longo do dia, evitando que você se preocupe com a comida e evite lanches noturnos. Um estudo mostrou que comer refeições frequentes com alto teor de proteína reduz os desejos em 60% ao longo do dia e corta o desejo de comer à noite pela metade.

- Tente não armazenar besteiras e guloseimas em casa Se você costuma consumir besteiras com alto teor de gordura e açúcar à noite, não estoque em casa. Se lanches não saudáveis não estiverem ao seu alcance, é muito menos provável que você os coma. Tenha em casa alimentos saudáveis e in natura que você goste.

- Encontre distrações Se você está preocupado com a comida porque está entediado, encontre outra coisa que goste de fazer à noite, pois isso ajudará a manter sua mente ocupada. Encontrar um novo atrativo ou planejar atividades noturnas pode ajudar a prevenir lanches excessivos tarde da noite.

- Incorpore hábitos de sono Mude para uma rotina que ajuda você a relaxar e descontrair. Isso geralmente inclui estratégias como desligar as telas mais cedo e estabelecer hábitos que indicam sono (ou seja, ler com pouca luz e beber chá descafeinado ou fazer anotações antes de dormir).

- Busque suporte emocional Se você acha que pode ter síndrome da alimentação noturna ou transtorno da compulsão alimentar periódica, procure ajuda profissional, pois um profissional pode ajudá-lo a identificar seus gatilhos e implementar um plano de tratamento. Esses planos costumam usar terapia cognitivo-comportamental (TCC), que já demonstrou ajudar em muitos transtornos alimentares. Criar uma rede de apoio emocional também ajudará você a encontrar maneiras de controlar as emoções negativas que, de outra forma, poderiam levá-lo à geladeira.

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