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Paola Machado

Irisina: conheça os benefícios do hormônio produzido durante o exercício

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Colunista do UOL

12/08/2020 04h00

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Não é novidade que praticar exercícios é ótimo para a saúde, ajuda a prevenir diversas doenças e ainda pode servir como tratamento não medicamentoso para inúmeras patologias, incluindo as associadas à obesidade.

E os benefícios da atividade física para combater doenças foram ampliados em 2012, quando cientistas descobriram a irisina, um hormônio secretado pelo músculo esquelético em resposta ao exercício. A substância favorece a conversão de tecido adiposo (gordura) branco em bege e marrom. Denominado de browning, este fenômeno favorece o aumento da termogênese e do gasto calórico diário, o que pode auxiliar no processo de redução do peso corporal, controle da obesidade, e, de forma indireta, da síndrome metabólica e gordura hepática. Além do mais, há evidências de que a irisina se correlaciona positivamente com a sensibilidade à ação da insulina, redução de osteoporose e de quadros sarcopênicos.

O que é a irisina

O músculo esquelético é um órgão endócrino capaz de regular a homeostase de todo o organismo, sendo capaz de expressar as mioquinas (como a irisina), que têm atividade metabólica e atuam como hormônios, cuja liberação está relacionada à contração da fibra muscular. Estas mioquinas conseguem exercer a sua ação em locais distantes de onde foram produzidas. Dessa forma, vários receptores em diferentes áreas do corpo e com diferentes funções respondem a esse processo regulatório, como a saúde mental, o comportamento motor, a saúde articular, a resposta imunológica, a composição corporal etc. Elas são conhecidas ainda pela capacidade moduladora do hormônio na atividade dos macrófagos (células de defesa do sistema imune), o que as confere potencial propriedade anti-inflamatória.

A irisina é um hormônio secretado como um produto da fibronectina tipo III com a proteína 5 (FNDC5) e é induzida pelo receptor y ativado por proliferador de peroxissoma (PPARy) e o coativador transcricional 1a (PGC-1) no músculo esquelético.

O exercício e o gasto de energia induzem o regulador transcricional PGC-1 no músculo esquelético, o qual, por sua vez, conduz a produção da proteína de membrana FNDC5. O fator circulante irisina ativa fatores termogênicos no tecido adiposo branco levando ao processo de browning, incluindo biogênese mitocondrial e a expressão da proteína desacopladora 1 (UCP1), levando à produção de calor mitocondrial e gasto de energia.

Infográfico Irisina - Paola Machado - Paola Machado
Imagem: Paola Machado

Dessa forma, a irisina tem o papel de mediar algumas das conhecidas vantagens do exercício físico, tendo como principal função atuar nas células adiposas subcutâneas, transformando a gordura branca em marrom, altamente termogênica, por meio do aumento da expressão da proteína desacopladora mitocondrial 1 (UCP1). Por sua vez, tem o papel de mediar outros efeitos benéficos do exercício, como o aumento da biogênese mitocondrial e do metabolismo oxidativo.

Um grupo de pesquisadores identificou que a irisina é liberada na circulação durante o exercício e quando somos expostos ao frio.

A obesidade e irisina

A obesidade está associada a um maior risco de patologias. Devido às características na distribuição da gordura corporal, a obesidade central/visceral, principalmente, estaria mais relacionada ao risco maior de doenças. Por esse motivo, a característica da célula que armazena gordura, os adipócitos, é muito importante, sendo que o tecido adiposo branco armazena energia (na forma de triaciglicerídeos) enquanto os adipócitos marrons consomem energia.

Sempre soubemos da presença da gordura marrom em bebês, desempenhando um papel importante na termogênese e no gasto de energia. Porém, já sabemos que essa gordura também está presente em adultos e está associada à quantidade de massa magra, uma vez que a liberação é mediada pela contração muscular.

  • Estudos realizados em obesos mórbidos demonstraram uma associação inversa entre o IMC e as concentrações plasmáticas de irisina.
  • Um outro estudo em pacientes que perderam peso devido à cirurgia bariátrica encontrou uma diminuição nos níveis plasmáticos de irisina, pois a quantidade de massa magra está diretamente relacionada à quantidade de irisina liberada e, portanto, aqueles indivíduos que perdem peso reduzindo seu percentual de massa muscular apresentam diminuição nas concentrações de irisina.
  • Um estudo de 2014, com indivíduos obesos mórbidos e com peso normal, mostra que pessoas com o peso normal têm concentrações mais altas de irisina.
  • Outro estudo de 2013 mostrou que as concentrações plasmáticas de irisina são significativamente menores em diabéticos tipo 2 e houve uma relação positiva entre as concentrações de irisina, perda de peso saudável e sensibilidade à insulina, sugerindo que irisina pode desempenhar um papel crucial na intolerância à glicose e diabetes tipo 2.

Exercício e expressão de irisina

A irisina tem sido relacionada como o mediador potencial de alguns dos benefícios metabólicos gerados pelo exercício físico, uma vez que é o exercício que induz a expressão de PGC-1, que induz a liberação de irisina na corrente sanguínea.

  • Um estudo com pacientes que tinham insuficiência cardíaca mostrou que os que tinham um melhor VO2 máximo tinham um aumento na concentração de irisina.
  • Um estudo com obesos, em 2012, mostrou que após 30 minutos de exercício agudo há um aumento da lipólise --utilização de gordura como fonte de energia -- e também os níveis de ATP, elevando os níveis de irisina.
  • Um estudo de Tsuchiya e colaboradores de 2014 comparou um protocolo de alta intensidade a 80% do VO2 máximo e um protocolo de baixa intensidade a 40% do VO2 máximo, obtendo como resultado que a resposta de liberação de irisina depende da intensidade do exercício, isto é, o grupo de exercícios de alta intensidade apresentou concentrações plasmáticas de Irisina maiores que seus níveis pré-exercício e em relação ao grupo de exercícios de baixa intensidade.
  • Em 2015, o mesmo pesquisador decidiu comparar a resposta de irisina a exercícios de resistência, exercícios resistidos, exercícios de endurance e um protocolo misto. Os resultados mostraram que no protocolo de exercício resistido a resposta da irisina foi significativamente maior em comparação com os outros dois protocolos.
  • Outro estudo, de 2015, mostrou que uma única sessão de exercício poderia aumentar as concentrações circulantes de irisina e, portanto, avaliar a resposta aguda de um exercício de resistência do tipo intervalado de alta intensidade e de um exercício de resistência intenso. O que foi determinado foi que em ambos os protocolos de exercício a concentração de Irisina no sangue aumentou, confirmando que a irisina é uma mioquina induzida pelo exercício e que seu aumento é transitório.

Irisina e COVID-19

Um estudo divulgado esta semana pela FAPESP, realizado pela pesquisadora Miriane de Oliveira e colaboradores investigou efeitos da irisina na replicação de genes relacionados ao SARs-CoV-2.

Recentemente, fiz aqui um texto bem completo sobre a relação da obesidade e aumento do risco por coronavírus. Um aspecto importante, descrito pela FAPESP, "está no achado de outros grupos de pesquisa sobre o tecido adiposo aparentemente servir como repositório do vírus. Isso ajuda a entender por que indivíduos obesos têm maior risco de desenvolver a forma grave da covid-19. Fora isso, indivíduos obesos tendem a ter níveis menores de irisina, assim como maiores quantidades da molécula receptora do vírus [ACE2], quando comparados a indivíduos não obesos".

Como explorado acima, na obesidade ocorre redução da expressão da irisina e Oliveira identificou "que a irisina não só diminui o acúmulo lipídico como aumentou a expressão da proteína desacopladora 1 (UCP1), associada a maior gasto calórico. O aumento da expressão dessa proteína é compatível com a redução de dano de DNA e de estresse oxidativo"; além de ter um potencial anti-inflamatório.

Por esse motivo, é superimportante aumentarmos a consciência da prática esportiva e da alimentação equilibrada, como forma de melhorar a composição corporal e a saúde.

Referências:

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- Hormônio do exercício pode modular genes relacionados à replicação do novo coronavírus, sugere estudo. FAPESP, 2020.

- de Oliveira, M. et al. Irisin modulates genes associated with severe coronavirus disease (COVID-19) outcome in human subcutaneous adipocytes cell culture. Molecular and Cellular Endocrinology. Vol 515, 2020.