Opinião

Cura de dores é maior promessa de anúncios falsos de saúde na internet

Quem vive com dor sabe que, a todo momento, irão te oferecer uma solução mágica, uma cura milagrosa, um tratamento inovador que vai eliminar a sua doença. Quando eu comecei a sentir dor, passei meses pesquisando meus sintomas no Google para saber o que eu poderia fazer para me curar.

No começo é sempre assim: o desespero te leva a procurar tudo, testar tudo, acreditar em tudo. Você precisa acreditar que alguma coisa vai resolver. Você é capaz de deixar de lado suas convicções e suas certezas, buscar curas tradicionais e alternativas, apelar para a religião e para os deuses mesmo sem fé nenhuma.

Talvez correr atrás de um alívio seja uma questão de sobrevivência, pois sentir dor 24 horas por dia às vezes pode se tornar insuportável. Quem vive assim pode sentir que foi abandonado pela medicina, já que nenhum tratamento traz resultado, e ficar muito mais suscetível a acreditar em soluções falsas na internet. A pessoa com dor tem pressa.

Neste contexto, a organização jornalística Aos Fatos realizou, no ano passado, uma investigação sobre os anúncios de saúde em sites brasileiros. A pesquisa descobriu que 9 em cada 10 deles são enganosos, sendo que a maioria (22%) oferece produtos que prometem curar dores.

Utilizam o fato de que o tratamento inadequado desses pacientes é um dos maiores problemas de saúde pública do mundo, e sabem como chegar naquele mais vulnerável.

Anúncios falsos copiam design de sites de notícias conhecidos
Anúncios falsos copiam design de sites de notícias conhecidos Imagem: Reprodução

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Uma das técnicas utilizadas pelos anunciantes é copiar o design de veículos jornalísticos conhecidos, dando a entender que se trata de uma matéria confiável. Os textos falam de supostos benefícios de suplementos, utilizam falsos especialistas que espalham desinformação, e até inventam casos de celebridades que se curaram com alguma técnica específica. Um deles promete "alívio imediato e duradouro da dor nas costas em 15 minutos" e diz que nova tecnologia "chocou cirurgiões do Brasil".

Não julgo quem apela para qualquer método, porque também já estive nesse lugar - no longínquo 2021, tomei uma garrafa de um litro e meio de suco verde por dia durante alguns meses (neste caso, pelo menos, não corri risco de morte). Mas esse tipo de anúncio, veiculado em grandes sites de notícias, pode ser extremamente perigoso para uma pessoa interessada em testar de tudo, alguém que não tem muito mais a perder.

A falha na orientação médica, que não informa corretamente o paciente, e a falta de informações confiáveis e de qualidade online também contribuem para que essas pessoas cliquem na solução mais rápida. Sem entender o que acontece com elas e como funciona o processo da dor no corpo, acham que podem se curar de uma para outra.

Mas, em primeiro lugar, é importante dizer que a dor crônica é uma doença que ainda não tem cura. A medicina tem avançado nesse sentido, mas as opções de tratamentos eficazes são escassas.

Em segundo, quem tem dor crônica precisa saber que nenhuma solução vem em curto prazo. Nada é rápido quando se trata de uma doença que sensibiliza o sistema nervoso central - um cérebro que está acostumado a sentir dor criou conexões muito difíceis de serem quebradas.

A urgência em se livrar das dores pode, inclusive, ser um fator que desencadeia ainda mais sofrimento, porque coloca nosso cérebro em alerta, como se estivéssemos correndo perigo. Sensação de perigo = mais dor.

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Alguns anos atrás, escrevi um texto falando que a dor crônica tem algo a ver com uma arte de esperar. Esperar por semanas o efeito de um remédio; esperar o convênio médico aprovar mais um dos 50 tratamentos que você já testou, sem resultado; esperar que a medicina evolua o suficiente para nos oferecer alívio; esperar o dia que vou acordar sem dor.

Mas essa espera não precisa e nem deve ser passiva: existem diversas coisas que podemos fazer para recuperarmos a nossa vida - e essa receita é individual para cada um. Hoje em dia, tenho consciência de que as coisas não acontecem no tempo que eu desejo, e entendo que qualquer tratamento que promete uma cura fácil está se aproveitando de pessoas em sofrimento para vender soluções falsas e milagrosas.

* Larissa Agostinho Teixeira (@dadoreoutrosdemonios) é jornalista formada pela USP com mais de 10 anos de experiência com reportagem, produção de conteúdo e edição de vídeos e documentários. Escreve sobre dor crônica, doença com a qual convive há quatro anos, em uma coluna em VivaBem.

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